terça-feira, 17 de maio de 2022

Pedro Cafardo: Por que azedou relação da indústria na era do PT

Valor Econômico

Política industrial não combina com juro alto e câmbio valorizado

Na terça-feira passada, destacamos aqui a perda de protagonismo dos industriais brasileiros na discussão da política econômica nas últimas décadas, algo concomitante ao avanço do processo de desindustrialização no país. Ficou claro que esse processo, iniciado nos anos 1980, continuou inclusive nos 13 anos de governos petistas, a despeito de sua orientação ideológica no sentido de incentivar a indústria nacional.

Um valoroso trabalho acadêmico sobre esse assunto traz luzes para que se possa enxergar as relações do setor industrial com os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. As conclusões do trabalho são relevantes num momento em que Lula lidera as pesquisas e tem chance de voltar à Presidência.

Por que azedaram as relações entre os governos do PT e os industriais, apesar do viés nacionalista do partido? O trabalho acadêmico (*), de 200 páginas, de autoria do pesquisador e mestre em sociologia (USP) Pedro Micussi Pinto, responde a essa pergunta.

Micussi, atualmente especialista em desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), disse à coluna que, segundo a pesquisa empírica, a principal divergência entre as propostas dos empresários e os programas dos governos do PT, de 2003 a 2016, se deu na política macroeconômica.

De início, houve uma avaliação crescentemente positiva dos empresários em relação aos programas industriais. O primeiro - Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) -, de 2003, foi visto como “tímido”. O último, o Plano Brasil Maior (2011), mereceu aplausos.

Enquanto isso, a política macroeconômica, principalmente em relação às taxas de câmbio e aos juros, foi fortemente criticada ao longo dos 13 anos de governo. Isso acabou minando, observa o sociólogo, as próprias chances de sucesso das políticas industriais executadas. “É como se dissessem: ‘O que vale política industrial se juros altos e o câmbio sobrevalorizado asfixiam o setor?’.”

O professor Micussi e colaboradores na USP tomaram como objeto de estudo as opiniões emitidas pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o principal “think tank” da indústria, e de seus conselheiros. Analisaram documentos e reportagens na imprensa e entrevistaram empresários.

Na terça-feira passada, neste espaço, mencionamos que o Iedi representa uma honrosa exceção entre as organizações empresariais ao não se render ao discurso neoliberal radical dominante no mercado financeiro e pelo qual o Estado deve se abster de oferecer incentivos ao desenvolvimento.

A pesquisa de Micussi mostra que o próprio Iedi, com divergências internas, adotou uma reorientação ao longo dos 13 anos petistas no sentido da defesa de políticas de abertura comercial. Isso seria, em parte, decorrência da perda de influência política dos industriais em razão da queda da participação do setor no PIB nacional. Sem poder sustentar sua estratégia de desenvolvimento baseada na defesa ampla da empresa nacional, a indústria passou a defender políticas que, pelo menos, beneficiassem um conjunto de empresas integradas nas novas cadeias globais de valor.

Claramente, segundo a conclusão da pesquisa, a indústria, representada pelo Iedi, elaborou e defendeu, de início, nos 13 anos petistas, uma agenda de desenvolvimento industrializante que desvinculava os interesses dos industriais daqueles do setor financeiro. Ao abandonar pautas protecionistas, porém, essa agenda sofreu importante transformação. Por fim, ao longo do governo Dilma, esses empresários manifestaram crescente insatisfação com a Nova Matriz Macroeconômica, que se mostrou equivocada, e com o custo da mão de obra, o que explica sua atuação no momento do impeachment. Deposta Dilma, no curto governo Michel Temer, conseguiram a aprovação da reforma trabalhista, com o objetivo de elevar a produtividade da empresa brasileira.

Segundo Micussi, aos olhos de muitos industriais, no que se refere à política econômica, os governos do PT foram muito mais de continuidade que de ruptura em relação ao período Fernando Henrique Cardoso. Por isso, o processo de desindustrialização não foi revertido, apesar das históricas ligações do partido com o universo industrial. No ano da posse de Lula, 2003, a indústria tinha 16,9% do PIB. Treze anos depois, 2016, quando Dilma sofreu impeachment, a fatia tinha caído para 11,7%.

Toda essa discussão só faz sentido porque está no ar a possibilidade da eleição de Lula em outubro. À luz do que dizem os empresários, Micussi observa que um eventual novo governo petista, para estancar a desindustrialização, precisará obrigatoriamente rever o desenho da política macroeconômica. Embora a reativação de políticas industriais (escanteadas no atual governo e hoje adotadas em economias desenvolvidas) seja importante, será fundamental reverter a política de juros altos e apreciação da moeda. Essa política foi, na opinião dos empresários da grande indústria, a principal responsável pela desindustrialização brasileira.

Algumas análises sociológicas indicam a existência no Brasil de uma certa concordância entre os setores produtivos e financeiros da economia, porque os capitalistas industriais se tornaram também rentistas, o que os leva a justificar a manutenção de juros elevados mesmo em condições como a atual, dominadas pela inflação de demanda. “Apesar da proliferação de polêmicas sobre esse tema, ele ainda não entrou no debate eleitoral”, lamenta Micussi. “É sinal da força que o setor financeiro tem para ditar a agenda econômica do país e, talvez, do que nos aguarda em um eventual novo governo petista.”

A pesquisa acadêmica do sociólogo Micussi, de qualquer forma, deixa claro que existe sim, no país, uma enorme parcela do empresariado industrial, mais ou menos coesa, que compartilha uma determinada visão sobre o capitalismo brasileiro e defende a interação do Estado com a indústria para a promoção de desenvolvimento. Resta saber se essa parcela terá força e coragem suficientes para retomar o protagonismo na discussão macroeconômica no país.

(*)“Empresário industrial e governos do PT: o caso do IEDI (2003-2016)”, dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, sob orientação do professor doutor Alvaro Comin.

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