segunda-feira, 2 de maio de 2022

Sergio Lamucci: Economia mostra melhora, mas situação segue delicada

Valor Econômico

Cenário é difícil, em especial devido à inflação elevada

O desempenho da economia brasileira no primeiro terço do ano aponta para um cenário um pouco mais positivo em 2022 do que se projetava no fim de 2021. A atividade econômica teve um crescimento um tanto mais forte nos primeiros meses deste ano, com um resultado melhor do que se esperava no mercado de trabalho. A situação, porém, segue delicada, principalmente devido à persistência e disseminação das pressões inflacionárias, o que corrói o poder de compra da população e deverá exigir juros mais altos por mais tempo. Taxas mais elevadas obviamente afetarão a atividade, em especial a partir do segundo semestre, dado o efeito defasado de mudanças na Selic.

Além disso, o cenário externo está longe de ser tranquilo. A guerra entre Rússia e Ucrânia elevou o risco na economia global e encareceu as commodities, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se prepara para acelerar o ritmo de alta dos juros e a China adota medidas rigorosas de restrição à mobilidade social para tentar deter o avanço da covid-19, com impacto óbvio sobre o ritmo de expansão da economia local - e por tabela, da mundial.

A possibilidade de uma queda do PIB em 2022, como apostavam alguns analistas na virada do ano, parece remota. Nem por isso o crescimento será satisfatório. O número mais recente do Boletim Focus aponta para um avanço de 0,65%, segundo o consenso de mercado. No fim de 2021, a mediana das estimativas era de 0,36%. Mesmo que o crescimento fique na casa de 1%, como espera o Bradesco, por exemplo, não será um resultado significativo.

No mercado de trabalho, há algumas boas notícias, ao mesmo tempo em que vários indicadores continuam a mostrar uma situação difícil. Para quem prefere ver o copo meio cheio, os números do primeiro trimestre mostraram a criação de 8,193 milhões de vagas em relação ao mesmo período do ano passado. A reabertura da economia, com o avanço da vacinação e a queda no número de casos e mortes por covid, levou a uma forte criação de empregos em setores como o comércio (2 milhões de vagas em relação ao primeiro trimestre de 2021) e o de alojamento e alimentação (1,3 milhão). A taxa de desemprego caiu para 11,1%, depois de bater em 14,9% no primeiro trimestre de 2021.

Ainda assim, havia 11,9 milhões de desempregados nos três primeiros meses do ano. A taxa de subutilização da força de trabalho também segue elevada. No primeiro trimestre, ela era de 23,2%, totalizando 26,8 milhões de trabalhadores subutilizados, somando os desempregados, os que trabalham menos horas do que gostariam e os que estavam na chamada força de trabalho potencial. Esse grupo reúne pessoas que não buscaram emprego, mas gostariam de trabalhar e estavam disponíveis para isso na semana de referência da pesquisa do IBGE, além daqueles que procuraram uma vaga, mas não estavam prontos para trabalhar no período considerado pelo levantamento.

O rendimento médio de todos os trabalhos tampouco traz um quadro animador - no primeiro trimestre, ficou em R$ 2.548. Em termos reais (descontada a inflação), ainda estava 8,7% abaixo do valor dos primeiros três meses de 2021. “No início da pandemia, houve uma redução mais acentuada nas ocupações de menor remuneração, preservando na amostra os trabalhadores de maior remuneração e elevando o rendimento médio. Passada essa primeira fase, o rendimento recua devido à reocupação desses trabalhadores, sobretudo os informais, que tendem a ter uma remuneração mais baixa do que os indivíduos ocupados com carteira assinada”, observam os economistas da LCA Consultores. “Além disso, muitos trabalhadores acabaram aceitando postos de qualificação e remuneração menores do que tinham antes”, afirmam eles, notando que, além desses fatores que atuam sobre o rendimento médio nominal, “os trabalhadores ligados ao setor público não tiveram reajustes nominais em 2020 e 2021. Para completar, lembram que a inflação elevada torna mais difícil a recomposição total” das perdas salariais pelos trabalhadores do setor privado. Como resume a LCA, “a inflação elevada constitui entrave adicional à retomada do rendimento médio real”. Para quem estava desempregado, porém, o novo posto de trabalho é obviamente uma notícia positiva, ainda que o salário seja baixo.

O comportamento dos índices de preços é o grande obstáculo para a melhora da economia. Se as estimativas para o crescimento do PIB de 2022 subiram um pouco nos quatro primeiros meses do ano, ocorreu o oposto com as projeções para 2023. Na virada do ano, o Boletim Focus mostrava um consenso de mercado de 1,8% para a expansão da economia no ano que vem; no mais recente, o número havia caído para 1%.

Com uma inflação que resiste a cair, a avaliação dominante é que a Selic terá que subir mais e ficar num nível elevado por mais tempo, o que deverá prejudicar a economia na segunda metade deste ano e no ano que vem. No fim de 2021, o mercado esperava uma Selic de 11,5% ao ano em dezembro de 2022 e de 8% em dezembro de 2023. Agora, as apostas são de que os juros básicos estarão em 13,25% no fim deste ano e em 9% no fim do ano que vem. Nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve elevar a Selic em 1 ponto percentual, para 12,75%. O ciclo de alta da taxa, vale lembrar, começou em março de 2021, quando estava em 2%. Com reajustes expressivos dos preços de alimentos, combustíveis, serviços e bens industriais, o IPCA deve ficar em 7,65% em 2022 e em 4% em 2023, de acordo com o Focus. São número bem superiores às metas de 3,5% deste ano e de 3,25% do próximo. Nos 12 meses até abril, o IPCA-15 subiu 12,03%.

O dólar menos pressionado pode dar algum alívio à inflação, mas a moeda já voltou a ficar perto de R$ 5, deixando para trás as cotações de R$ 4,60 a R$ 4,70 atingidas há algumas semanas. É consideravelmente abaixo dos R$ 5,70 do começo de janeiro, mas não deve ser suficiente para atenuar expressivamente as pressões inflacionárias, num mundo em que há uma guerra no Leste Europeu, o Fed promove um ciclo de alta de juros e a China cresce menos. Além disso, a proximidade das eleições por aqui deve acrescentar volatilidade ao mercado de câmbio.

A economia em 2022 deverá ter um desempenho um pouco melhor ºdo que parecia há alguns meses, mas as dificuldades permanecem grandes. Visto de hoje, a situação poderá atrapalhar um pouco menos o presidente Jair Bolsonaro no pleito de outubro, mas parece improvável que vá ajudá-lo, mesmo com a adoção de medidas como o pagamento antecipado do 13 para aposentados e a liberação de R$ 1 mil por trabalhador que tem conta no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

 

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