Folha de S. Paulo
As instituições policiais no Rio de Janeiro
são, tecnicamente, genocidas
Vamos parar de fingir que a polícia
fluminense precisava que 25
pessoas fossem executadas —oito das quais nem se sabe quem são— para
apreender meia dúzia de armas e drogas; se precisar, a polícia é, além de
morticida, incompetente. Sufocar o financiamento das drogas e controlar armas é
mais eficiente e até salva vida de policiais. Vila Cruzeiro não é, no sentido
legal, operação policial (quem por ela responde, legalmente?); no sentido
tático, é um teatro macabro; no sentido literal, é chacina.
As instituições policiais no RJ são, tecnicamente, genocidas. Com a mesma frieza dos corpos já gélidos, transportados pelos moradores ao hospital em lençóis cheios de sangue, repito: imputo às forças policiais fluminenses o crime de genocídio.
Trata-se da segunda mais letal chacina da
história do Rio. Fazer segurança pública por meio de chacinas implica intenção
de destruir grupo étnico-racial (por lei, genocídio).
Chacinas são, ademais, um ataque
sistemático contra a população civil (crime contra a humanidade). Quem comete o
genocídio (as polícias), quem o ordena (comandantes e governador), quem o
instiga (presidente da República) e quem se omite (Judiciário e MP) são todos
suspeitos de genocídio, não? Leia o artigo 25 do Estatuto de
Roma, lei no país. Deveriam ser, ao menos.
Mesmo com os olhos mareados de lágrima e
sangue, não percamos de vista que esta chacina não é sobre combate ao tráfico
nem sobre segurança pública. É sobre confronto institucional —polícias querem
mostrar ao STF quem manda— e sobre dar ao governador Claudio Castro os
esqueletos de que precisa para construir seu palanque.
Enquanto abraça o caixão de sua filha
Gabrielle, morta dentro de casa por um tiro de longo alcance, dona Divone
murmura aos prantos, ao lado do neto: "Por que fizeram isso com minha filha?".
Naquele mesmo sítio, no século 19, chegavam os pretos escravizados, já mortos
da viagem. Que os jornais anunciem que os pretos novos continuam a desembarcar
em solo carioca, dois séculos depois.
''E essa história é contada assim por cima,a verdade não rima'':Fátima Guedes.
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