sexta-feira, 6 de maio de 2022

Thomas Friedman*: Aviso para Biden sobre a Ucrânia: fale menos

O Estado de S. Paulo

Promessas e exageros dos EUA podem inflar demais as expectativas e criar consequências indesejadas

Crescendo em Minnesota, fui fã do time local de hóquei no gelo, o North Stars, e um comentarista esportivo, Al Shaver, me ensinou a primeira lição sobre política e estratégia militar. Ele terminava os programas com a seguinte frase: “Quando perder, fale pouco. Quando vencer, fale menos. Boa noite e bons esportes”.

O presidente Joe Biden e seu time fariam bem em adotar a sabedoria de Shaver. Semana passada, na Polônia, perto da fronteira com a Ucrânia, o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, chamou minha atenção – e a de Vladimir Putin – ao declarar que o objetivo americano não é mais apenas ajudar os ucranianos, mas também produzir uma Rússia “enfraquecida”.

“Queremos ver a Rússia enfraquecida para que ela não seja capaz de fazer o que fez ao invadir a Ucrânia”, afirmou. “Os russos já perderam muito de sua capacidade militar e muitos soldados. E queremos vê-los sem a capacidade de recuperar isso rapidamente.”

Por favor, digam-me que essa declaração foi resultado de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional (CSN) liderada pelo presidente. Não ficou claro se somos capazes de fazer isso sem arriscar uma resposta nuclear de um Putin humilhado.

EXAGEROS. Espero que esta guerra acabe com as forças russas degradadas e com Putin fora do poder. Mas eu jamais diria isso publicamente, se fosse autoridade, porque isso não gera nenhum benefício e pode custar caro. Lábios soltos afundam navios – e ocasionam exageros de guerra, esforços vãos, desconexões entre fins e meios e consequências indesejadas.

A equipe de Biden está exagerando demais nesse sentido. Por exemplo, pouco depois da declaração de Austin, um porta-voz do CSN afirmou que os comentários do secretário refletiam os objetivos dos EUA “de fazer da invasão um fracasso para a Rússia”.

Boa tentativa, mas não passou de um esforço de remediar. Forçar a Rússia a se retirar da Ucrânia não é o mesmo que desejar vê-la enfraquecida a tal ponto que ela não seja capaz de fazer isso novamente – isso é um objetivo de guerra mal definido. Como saberemos quando isso for alcançado?

Em março, em discurso na Polônia, Biden afirmou que Putin, “um ditador dedicado a reconstruir um império, jamais apagará o amor do povo pela liberdade”. E foi além: “Pelo amor de Deus, este homem não pode continuar no poder”.

Em seguida, a Casa Branca argumentou que Biden “não estava colocando em questão o poder de Putin na Rússia ou considerando uma mudança de regime”, mas afirmando que “não pode ser permitido (a Putin) exercer poder sobre seus vizinhos ou sobre a região”.

Foi mais uma salada de terminologia remediadora, que me convence apenas de que o CSN não fez nenhuma reunião para estabelecer limites a respeito de onde começa e até onde vai o envolvimento americano na Ucrânia. Em vez disso, autoridades agem autonomamente. Isso não é bom.

Nosso objetivo começou simples e deve permanecer simples: ajudar os ucranianos a lutar, enquanto eles tiverem disposição, e ajudá-los a negociar, quando eles perceberem que é a hora certa – para que eles sejam capazes de restabelecer sua soberania e nós possamos reafirmar o princípio de que nenhum país pode devorar o vizinho.

CENÁRIOS. Por quê? Para começar, não quero que os EUA sejam responsáveis pelo que venha a acontecer na Rússia se Putin for derrubado, porque um desses três cenários será o resultado mais provável: (1) Putin é substituído por alguém pior; (2) o caos toma conta da Rússia, um país com 6 mil bombas nucleares – como vimos na Primavera Árabe, o oposto da autocracia nem sempre é a democracia, mas a desordem; e (3) Putin é substituído por alguém melhor.

Rezo por isso. Mas, para essa pessoa ter legitimidade numa Rússia pós-Putin, é vital parecer que ele não tenha sido instaurada pelos EUA. É necessário um processo russo. Se o caminho for pela porta 1 ou pela 2, não gostaríamos que o povo russo ou o mundo responsabilizassem os EUA por desencadear uma instabilidade na Rússia.

Também não queremos que Putin nos separe de nossos aliados – nem todos se alistariam para uma guerra cujo objetivo é depor Putin. Sem dar nome aos bois, o chanceler turco, Mevlut Cavusoglu, reclamou recentemente de que a Otan “quer que a guerra continue e a Rússia se enfraqueça”.

Lembrem-se, muitos países permaneceram neutros porque, por mais que simpatizem com os ucranianos, não gostam de ver os EUA ou a Otan agindo como valentões. Se essa guerra se prolongar, é vital que o conflito seja percebido como “Putin versus o mundo”, não “Putin versus EUA”.

E sejamos cautelosos para não elevar demais as expectativas dos ucranianos. Países pequenos que recebem ajuda de grandes potências podem ficar inebriados. Muita coisa mudou na Ucrânia desde o fim da Guerra Fria – exceto uma: sua geografia. A Ucrânia ainda é uma nação pequena que faz fronteira com a Rússia. E terá de fazer concessões antes que o conflito acabe. Não tornemos isso ainda mais difícil acrescentando objetivos irreais.

Ao mesmo tempo, tenham cuidado ao se apaixonar por um país que vocês não conseguiam localizar no mapa um ano atrás. A Ucrânia tem um histórico de corrupção e oligarcas violentos, mas estava progredindo antes da invasão. A Ucrânia não virou a Dinamarca em três meses, mas muitos jovens ucranianos estão se esforçando – e quero lhes dar apoio.

OBJETIVOS. Eu vi um filme em 1982 que não me sai da cabeça. Israelenses haviam se apaixonado por falangistas cristãos no Líbano, com quem se agruparam para expulsar de Beirute a OLP de Yasser Arafat. Juntos, eles reformariam o Levante. Mas foram longe demais. Isso ocasionou consequências indesejadas – o líder falangista foi assassinado; Israel atolou-se num lamaçal no Líbano; e uma milícia xiita pró-Irã emergiu para resistir aos israelenses. Esse grupo se chama Hezbollah e domina hoje a política libanesa.

O time de Biden se deu muito bem até agora com objetivos limitados. E deveria ficar onde está. “A guerra na Ucrânia deu ao governo americano a capacidade de forjar uma aliança global para confrontar um ato autoritário e a capacidade de empunhar uma arma econômica em resposta, o que só o domínio do dólar na economia global torna possível”, explicou Nader Mousavizadeh, da Macro Advisory Partners.

Em relações internacionais, sucesso engendra autoridade e credibilidade, e credibilidade e autoridade engendram mais sucesso. Simplesmente restaurar a soberania da Ucrânia e frustrar as forças de Putin seria uma proeza, com dividendos duradouros. Al Shaver sabia o que dizia: “Quando perder, fale pouco. Quando vencer, fale menos”. Todo mundo consegue ver o placar.

A equipe de Biden se deu muito bem até agora com objetivos limitados. E deveria ficar onde está

Tradução de Guilherme Russo

*Thomas Friedman The New York Times É colunista, escritor e ganhador do Prêmio Pulitzer

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