sexta-feira, 13 de maio de 2022

Vera Magalhães: Bolsonaro preso em seus embustes

O Globo

O teatrinho encenado entre Paulo Guedes e seu ex-subordinado e agora colega Adolfo Sachsida a respeito da disposição de privatizar a Petrobras é uma forma de entreter a claque para que não perceba o óbvio: Jair Bolsonaro ameaçou fazer, acontecer, demitiu dois presidentes da empresa e um ministro, e não será possível alterar a política de preços dos combustíveis. Não haverá privatização alguma, nem mesmo os passos iniciais para isso. Eles sabem, todos sabem.

Da mesma forma, os levantes dos funcionários do Banco Central, que chegaram a pressionar a Economia pelo reajuste de 22% para seus servidores, e dos agentes e delegados da Polícia Federal, que cobram em peças publicitárias que “Bolsonaro cumpra sua palavra” e dê o aumento que prometeu a eles, são consequências da forma leviana, despreparada e populista como o presidente age também nessa área, que resulta em tiro em seu próprio pé.

Prometer baixar o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha na base da pressão sobre a Petrobras e acenar para servidores com reajustes com que o Tesouro não é capaz de arcar são só alguns dos embustes de Bolsonaro em matéria econômica. Dizem respeito a temas em que ele tem muito a perder por achar que fala o que quiser, sem conhecimento de causa, sem planejamento e sem se conscientizar de que há limites para a ação do Executivo, impostos seja pela lei, seja pelo mercado, seja pela responsabilidade fiscal.

De fato, a disparada do preço dos combustíveis, em razão de fatores diversos, torna a inflação galopante um problema para qualquer presidente incumbente que deseje se reeleger. Mas, em momento algum, o governo estruturou sequer um plano emergencial para dar subsídios ao preço, se fosse o caso, avaliando quanto isso custaria ao Tesouro e de onde viriam esses recursos.

Não. Bolsonaro preferiu vociferar contra o lucro da Petrobras, chamando-o de pornográfico e criminoso, ligar direto para sucessivos presidentes da companhia, como se seus subordinados fossem, depois demiti-los e ao ministro Bento Albuquerque, dando demonstrações públicas, com seu arroubo populista pela reeleição a qualquer preço, de que, na hora do vamos ver, nem a patente serve de aval para que um subordinado não ande na prancha.

Essa facilidade em limar aliados que passam a ser inconvenientes, ou que deixam de se curvar aos caprichos presidenciais, deveria servir de alerta aos militares, que têm aceitado fazer coro a outra frente de embuste presidencial: a campanha contra o sistema eletrônico de votação.

A economia em frangalhos, agravada por sua incapacidade administrativa, faz com que Bolsonaro permaneça em desvantagem nas pesquisas, e é essa percepção de que a reeleição está distante que torna as investidas do capitão contra a democracia a cada dia mais ousadas e explícitas.

Quanto mais os servidores encostarem a faca no pescoço do governo por reajustes inviáveis de conceder — mas prometidos pelo próprio presidente, algo de que ele não tem como se esquivar — e a cada aumento que venha na bomba de gasolina, mais irascível se tornará Bolsonaro, que não aceita a possibilidade de deixar o poder pelo voto popular, o mesmo que o levou a subir a rampa do Palácio do Planalto em janeiro de 2019.

A semana foi marcada pela reação da Justiça Eleitoral às investidas das Forças Armadas no sentido de desacreditar a segurança das urnas eletrônicas. Mas nada indica que a declaração do ministro Edson Fachin — de que não cabe aos militares dar a última palavra no processo eleitoral — calará um presidente em desespero, porque acuado. É incerto se será o bastante para que a ala dos militares embarcada na pantomima perceba a gravidade do erro e recue a tempo de evitar crises ainda mais sérias.

 

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