terça-feira, 28 de junho de 2022

António Guterres*: Energia renovável é o plano de paz para o século XXI

O Globo

Nero foi acusado de tocar lira enquanto Roma ardia em chamas. Hoje alguns líderes fazem pior: jogam combustível no fogo. A resposta de algumas nações à crescente crise de energia tem sido dobrar o uso de combustíveis fósseis — despejando bilhões de dólares em carvão, gasolina e gás, aprofundando a emergência climática.

Os indicadores climáticos continuam a quebrar recordes, projetando um futuro de ferozes tempestades, inundações, secas, incêndios e com temperaturas inabitáveis em vastas áreas do planeta. Novos investimentos na exploração de combustíveis fósseis são ilusórios — eles não são a resposta e nunca deveriam ser. Estão no noticiário diariamente os danos que fazemos ao planeta. Combustíveis fósseis são a causa da crise climática.

Energia renovável é o plano de paz para o século XXI, a resposta para limitar os distúrbios climáticos e impulsionar a segurança energética. Mas a batalha por uma transição energética rápida e justa não está sendo travada em campo. Investidores ainda apoiam combustíveis fósseis, e governos distribuem bilhões para subsidiar carvão, petróleo e gás — US$ 11 milhões por minuto.

Há uma palavra que define alívio a curto prazo, em vez de bem-estar a longo prazo: vício. Ainda estamos viciados em combustíveis fósseis. Pela saúde das nossas sociedades e do planeta, precisamos parar. Agora.

Para isso, pedi que os governos do G20 desfaçam infraestrutura em carvão, eliminando-a por completo em 2030 para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e em 2040 para os demais. Tenho apelado para que os atores financeiros abandonem o financiamento do combustível fóssil e invistam em energia renovável. E proponho um plano com cinco pontos para impulsionar a energia renovável no mundo:

1) instituir a tecnologia de energia renovável como um bem público global, removendo barreiras de propriedade intelectual para transferência tecnológica;

2) melhorar o acesso global às cadeias de suprimento para componentes e materiais brutos de tecnologia de energia renovável;

3) aprovar mais rápido e dedicar mais esforços à modernização da matriz de eletricidade;

4) trocar os subsídios energéticos de combustíveis fósseis para proteger os mais vulneráveis e investir numa transição justa para um futuro sustentável;

5) triplicar os investimentos em renováveis. Isso inclui bancos de desenvolvimento multilaterais e desenvolvimento de instituições financeiras, assim como bancos comerciais.

Precisamos de mais urgência de todos os líderes globais: reduzir as emissões em 45% em 2030 e alcançar a neutralidade de carbono até a metade do século. Mas os comprometimentos nacionais atuais nos levarão a um aumento de quase 14% nesta década, e isso significa catástrofe.

A resposta está nos renováveis — para ação climática, segurança energética e eletricidade limpa.

Enquanto os preços de gasolina e gás atingem níveis históricos, os renováveis estão cada vez mais baratos: o custo da energia solar e de baterias despencou 85% na última década, enquanto o da energia eólica caiu 55%. Investir em renováveis cria três vezes mais empregos do que em combustíveis fósseis.

Claro que os renováveis não são a única resposta para a crise climática. Soluções baseadas na natureza, como reverter o desmatamento e a degradação de terra, são essenciais. Assim como os esforços para promover eficiência energética. Mas uma transição rápida para energias renováveis precisa ser nossa ambição.

À medida que superamos a dependência de combustíveis fósseis, os preços da energia serão mais baixos e previsíveis, com efeitos positivos nos alimentos e na segurança econômica. Então, vamos concordar que uma rápida revolução renovável é necessária para deixarmos de tocar a lira enquanto nosso futuro arde em chamas.

*Secretário-geral das Nações Unidas

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