sábado, 4 de junho de 2022

Ascânio Seleme: Mudando de assunto

O Globo

A estratégia do presidente é velha e manjada: mobilizar sua artilharia nas redes sociais em direção oposta ao que interessa da administração pública

Quanto mais conseguir esconder as verdadeiras questões que afligem os brasileiros, melhor para Jair Bolsonaro. Sua tática é velha e manjada, mas é sempre usada por governantes em campanha que não têm o que mostrar. Trata-se do diversionismo, da distração, da mudança de assunto para confundir e mobilizar o seu eleitor em outro sentido. O presidente, conhecido pela sua incompetência e sua aversão ao trabalho, mobiliza sua artilharia nas redes sociais em direção oposta ao que interessa da administração pública. Por falta de políticas públicas e resultados para apresentar, Bolsonaro mira os velhos inimigos no STF ou os bons amigos, as suas celebridades.

Na semana passada, os temas abordados em perfis e canais da extrema-direita foram as críticas da chef Paola Carosella a eleitores bolsonaristas, uma suposta preferência do ministro Edson Fachin por Lula ou o corte da venda de gás boliviano ao Brasil “orquestrada” para favorecer o PT. A defesa da operação na Vila Cruzeiro ou a tergiversação sobre o assassinato brutal de Genivaldo de Jesus por policiais rodoviários em Sergipe também foram combustível usado para tirar a atenção da pauta econômica (desemprego e inflação) e administrativa. Pauta esta que é zero com viés de baixa, você sabe. Na semana em curso, a mobilização foi em defesa do sertanejo Gusttavo Lima.

Estudo das redes da extrema-direita feito por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR) mostra que Bolsonaro teve mais de 3 milhões de visualizações no Tik Tok ao comentar que um corte de 30% na venda do gás boliviano foi um “complô socialista” feito para beneficiar Lula. No YouTube, Paola Carosella mereceu quase 8 milhões de postagens críticas. No Twitter, os ataques de Bolsonaro a ministros do STF com assento no Tribunal Superior Eleitoral ficaram toda a semana passada entre os três temas mais retuitados e curtidos. O destaque foi para o fato de o presidente do TSE, Edson Fachin, ter recebido advogados da campanha de Lula. Como se isso representasse uma preferência eleitoral do magistrado.

No Facebook, Bolsonaro e sua tropa abusaram da ação policial na Vila Cruzeiro, que resultou em 23 mortes. Sua defesa da operação só não foi maior do que seus ataques à imprensa que, segundo sua visão deturpada, “defende a bandidagem”. Claro que violência instiga a extrema-direita, que difunde a orientação em seus círculos alcançando e mobilizando eleitores desinformados ou conservadores e evangélicos. Outra questão da semana passada que mobilizou as redes bolsonaristas foi a pesquisa Datafolha, mostrando uma possível vitória de Lula no primeiro turno. A abordagem foi obviamente para desacreditar o instituto de pesquisa.

Ao longo desta semana, o assunto que dominou as redes dos extremistas foi a denúncia de que o cantor sertanejo Gusttavo Lima receberia R$ 1,2 milhão da prefeitura de Conceição do Mato Dentro (MG) para dar um show. O episódio escancarou a prática de desvio de dinheiro de escolas públicas e postos de saúde para os bolsos de cantores bregas, todos bolsonaristas, como Lima. O que se viu em seguida foi um festival de apoio ao sertanejo que chorou quando foi flagrado com a mão na botija pública (Veja nota “Fique Firme”, ao lado). A alegação da defesa era de que ele só foi denunciado por ser bolsonarista. Se fosse petista seria poupado. Bobagem, claro. Mas é de bobagens e mentiras que se alimentam estas redes.

Outro dado medido pelos pesquisadores da UFF e da UFPR é o que eles chamam de “terceirização da culpa” por insucessos administrativos. A queixa de que não lhe deixam governar também é veterana e vem sendo usada desde o início do mandato de Bolsonaro. Trata-se sempre de uma “conspiração” contra o pobre e esforçado presidente. O culpado número 1, claro, é o Supremo. Em passado não muito distante, o STF era coadjuvado pelo Congresso. Mas assim que o Centrão entrou no governo e passou a dominar o Orçamento da União, o Parlamento virou amigo velho de guerra.

O PSDB acabou

Lula tem razão, o PSDB de Fernando Henrique, Mário Covas, Franco Montoro, Teotônio Vilela e Afonso Arinos acabou. O que existe hoje é um substrato de agremiação política bolsonarista que reúne parlamentares do (baixo) nível de Aécio Neves ou do ex-pefelista e atual presidente da sigla, Bruno Araújo; de valentões como Alexandre Frota; e de gente como Joice Cristina Bejuska, aliás Joice Hasselmann, e Izalci Lucas, senador que dispõe de 85 assessores no seu gabinete, um recorde. Lula tem razão, mas podia ficar calado.

Debates

Bolsonaro não vai a debate porque sabe que vai virar saco de pancada por não ter o que mostrar depois de três anos e meio de desgoverno. Lula não vai para não apanhar em razão do petrolão e do mensalão. É verdade que os dois principais antagonistas da campanha seriam invariavelmente alvo dos demais candidatos. A ausência de ambos não impedirá que sejam atacados pelos presentes. Mas, os que acham que eles perdem porque não poderão se defender por estarem fora, esquecem que eles dariam audiência aos eventos. Porque, francamente, quem vai assistir a debates sem os dois?

Cuidado, Luiz Inácio

A eleição presidencial na Colômbia prova mais uma vez que ainda é muito cedo para cravar que o segundo turno será entre Lula e Bolsonaro. Hernández, um azarão que não era levado a sério em Bogotá, tinha 10% em abril, em maio foi para o segundo turno com 28% dos votos, e hoje é o preferido para vencer as eleições colombianas de junho com 41% de intenções de voto, segundo pesquisa CNC. Atenção, Ciro Gomes. Abre o olho, Jair Bolsonaro. Muito cuidado, Luiz Inácio.

Calças curtas

Lula não surpreende ninguém. Foi franco quando defendeu políticas de saúde para o aborto. Falou o idioma do PT quando disse querer mudar a legislação trabalhista. Não poderia ter sido mais sincero (e correto) quando avisou que se for eleito vai demitir os mais de seis mil militares que ocupam cargos na Esplanada dos Ministérios. Podem até dizer que estas declarações são gafes, mas o fato é que Lula diz o que pensa e reflete o que seria um terceiro governo seu. Por isso, é correto afirmar que ele foi honesto ao garantir agora que não vai pegar ninguém de “calças curtas”. Lula será Lula, que ninguém tenha dúvida. E o PT seguirá sendo o PT, gostem ou não.

Fique firme

Os zeros de Bolsonaro não erram nunca. Agora foi a vez de Flávio Bolsonaro sair em defesa de Gusttavo Lima, aquele sertanejo investigado por pedir R$ 1,2 milhão em dinheiro público para fazer um show em uma cidade mineira que tem 38% da população em situação de pobreza. “Fique firme, você é um cara de bem”, disse o zerinho. Claro, se o cara for bolsonarista, ele é do bem. Pior foi a PM de Minas apoiar o cantor espertinho. O tenente-coronel Flávio Santiago, assessor de imprensa da instituição, disse ao indigitado: “Nossa capa parda está com você”. Por quê? Não se sabe. O que se sabe é que Santiago, com remuneração mensal de R$ 15.842, teria que trabalhar seis anos e três meses para receber o que Lima levaria numa noite em Conceição do Mato Dentro. O dinheiro também daria para pagar um ano de salário de todo o efetivo da PM na cidade.

País de ansiosos

Segundo a OMS, o Brasil é o país que mais tem casos de ansiedade em todo o mundo. Somos 18,6 milhões de ansiosos, ou 10% da população. Os sinais da ansiedade são preocupação, tensão, medo, insônia, taquicardia, onda de calor, falta de ar e sensação de desastre iminente. Trata-se ou não do que se passa no Brasil de Bolsonaro?

Lira do delírio

Mais uma vez o presidente da Câmara mostrou o seu lado obscuro. Ameaçou mandar tirar à força do plenário um deputado que o chamou de ditador por impor sua pauta à revelia da maioria. Arthur Lira delirou mas acabou não cometendo o gesto tresloucado. Seria um escândalo político capaz de ruborizar Jair Bolsonaro. Lira podia se espelhar no exemplo de Eduardo Cunha, outro presidente abusado como ele. Cunha ouvia ataques do alto da mesa sem piscar, sem alterar um músculo da face. Foi chamado de corrupto, bandido, gangster y otras cositas más. O máximo que fez foi apresentar queixas-crime no Supremo.

O encontro de extremos

Foi engraçado ver bolsonaristas defendendo comunistas no episódio do ataque do Partido da Causa Operária (PCO) ao Supremo Tribunal Federal. Os marxistas trotskistas que se reúnem na sigla se igualaram aos fascistas e nazistas que se imiscuem nos partidos da direita brasileira. Sobre o pavor dos bolsonaristas ao comunismo, o exemplo não poderia ser mais educativo. Prova que os extremos se encontram no ataque à democracia e às suas instituições. São igualmente antiquados e perigosos.

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