Valor Econômico
Alguns investidores querem distância dos
problemas ambientais
O desgaste da imagem do Brasil e do capital
de simpatia que sempre teve no exterior continua. Em paralelo, prosseguem as
denúncias contra o país no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, como
ocorreu nesta semana e deve se repetir na semana que vem.
Um dos choques recentes procedentes do
Brasil veio com a imagem aterradora do assassinato de Genivaldo de Jesus Santos
por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Umbaúba (SE). Truculentos
policiais da PRF imobilizaram e trancaram Genivaldo, 38 anos, em uma viatura da
corporação e jogaram bomba de gás dentro do veículo. A imagem da “câmara de
gás” da PRF deu a volta ao mundo.
Em seguida, os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips na região do Vale do Javari ilustraram o perigo que correm defensores da Amazônia, sobretudo nos últimos tempos. Chamou atenção a dimensão da ausência do Estado na região, estampada numa declaração do vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Segundo o general, Bruno e Dom passaram a correr risco depois de ingressarem em uma “área que é perigosa sem pedir uma escolta”. Ou seja, a “Amazônia é nossa” é na verdade cada vez mais do crime organizado. O general Mourão preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal.
Também de novo rodou o mundo uma sangrenta
operação policial, em maio, dessa vez com a morte de pelo menos 26 pessoas, na
Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. No ano passado, tinha ocupado espaço na
imprensa internacional a execução de 27 pessoas numa operação policial em
Jacarezinho, também no Rio. E, no passado, outras.
Do início do governo Bolsonaro até agora,
nada menos de 44 comunicações de relatores independentes das Nações Unidas
foram enviadas ao Brasil sobre violações de direitos humanos no país. As
comunicações envolvem questões de direito a alojamento e saúde, direitos dos
indígenas, execuções por policiais, racismo, atentados a direito de opinião e
de expressão etc. Mas a constatação nos meios de direitos humanos, em Genebra,
é de que o governo de Jair Bolsonaro tem sido imbatível em desmontes de
mecanismos de proteção variada na sociedade. A cara do país no exterior é a de
seu presidente.
O Brasil recebeu mais questionamentos que
as 41 comunicações para a Rússia e menos que as 48 para Arábia Saudita, 52 para
a Turquia e 60 para a China no mesmo período. No período de um mandato e meio
de Dilma Rousseff, foram enviadas 51 comunicações ao Brasil, e durante o curto
período de Michel Temer outras 27.
Há dez dias, ao abordar a evolução global
dos direitos humanos, a Alta Comissária para os Direitos Humanos, Michelle
Bachelet, disse em relação ao Brasil estar “alarmada com as ameaças contra os
defensores dos direitos humanos ambientais e dos povos indígenas, incluindo a
exposição à contaminação por mineração ilegal de ouro”. Afirmou que “os casos
recentes de violência policial e racismo estrutural são preocupantes, assim
como os ataques contra legisladores e candidatos, particularmente os de origem
africana, mulheres e pessoas LGBTQIA+, antes das eleições gerais de outubro”. E
apelou às autoridades brasileiras para que “garantam o respeito aos direitos
fundamentais e instituições independentes”.
Gustavo Huppes, assessor de advocacia
internacional na Conectas, observa que a sociedade civil sempre utilizou o
Conselho de Direitos Humanos da ONU e outros espaços da comunidade
internacional para denunciar violações cometidas pelo Estado. “No entanto, é
histórico o número de retrocessos que estamos presenciando neste governo”,
afirmou. “O trabalho propositivo das organizações brasileiras no campo dos
direitos humanos, feito em conjunto com países das Nações Unidas, nem sequer
consegue avançar quando temos de denunciar e tentar garantir que não se percam
direitos históricos já garantidos.”
Esta semana, organizações não
governamentais como Conectas e Comissão Arns acusaram diante da comunidade
internacional o governo de se omitir “diante de casos gravíssimos de violência
letal cometidos por agentes do Estado no passado e no presente”. E de que,
“infelizmente, o governo brasileiro não tem feito nenhum esforço para combater
essas práticas violadoras cometidas por seus agentes de segurança pública, pelo
contrário, tais práticas têm sido endossadas pelas autoridades locais,
incluindo o presidente Jair Bolsonaro”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
também ampliará denúncias de “escalada de violência e negligência do Estado
brasileiro” na atual sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Para o
Cimi, o que ocorre no Vale do Javari, onde foram assassinados Bruno e Dom,
“está intrinsecamente relacionado ao desmonte das políticas e órgãos públicos
de proteção aos povos originários e aos seus territórios”.
O Alto Comissariado de Direitos Humanos da
ONU, quando conclamou o governo a redobrar esforços para encontrar Bruno e Dom,
observou que o Vale do Javari, uma das mais fortes concentrações no mundo de
comunidades indígenas sem contato com o exterior, também era gravemente
atingido pelo tráfico ilícito e atividades de extração mineral e pesca ilegal,
e que atividades de grupos armados se intensificavam na área.
Essa é uma situação que chama atenção
inclusive em outros foros que antes tenham outras atenções em relação ao
Brasil. Recentemente, à margem do Fórum Econômico Mundial, em Davos, um dos
maiores bancos do mundo convidou um pequeno grupo de jornalistas para um café
da manhã com o CEO e alguns diretores. Na conversa, o chefe de investimentos
globais observou que o Brasil tem tudo que a economia mundial precisa no
momento, referindo-se a commodities. Mas logo ressalvou que investidores
estrangeiros, ao falarem sobre o Brasil, abordam cada vez mais o problema de
desmatamento e proteção da floresta. Ninguém queima dinheiro e sabe que o país
dá bons retornos, mas alguns preferiam ficar longe de problemas ambientais e
outros.
Nesta semana, ao receber 17 bispos da
Amazônia, no Vaticano, o papa Francisco mostrou estar a par da violência e os
encorajou a atuarem “sem medo de encarar os desafios” na região.
''Meu verde não é rabo de foguete,vai tacar fogo no cacete'':Lembrei dessa música gravada pela Simone.
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