Valor Econômico
“Chamar o Benzema pra jogar no CSA não dá.
Vou morrer em campo. Preciso de uma equipe melhor”, afirmou o ministro da
Economia em uma roda de conversa
O jornalista Thomas Traumann lançou, em
2018, “O Pior Emprego do Mundo” (Ed. Planeta), compêndio de 344 páginas sobre
as venturas e aventuras de 14 cidadãos que ocuparam o cargo de ministro da
Fazenda no Brasil. Trata-se de livro obrigatório para quem tem a pretensão de
saber como funciona o centro do poder, especialmente, num país desigual e com
histórico de instabilidade econômica e política - se, nos Estados Unidos, a
pior das crises é incapaz de abalar a República, por aqui, como nos ensina a
História, quando a coisa aperta, “dane-se” a democracia!
Se quiser manter o livro na categoria dos
clássicos, Traumann terá que escrever novo capítulo, ainda sem epílogo: a
gestão de Paulo Guedes, iniciada em 1º de janeiro de 2019. Guedes é, sem
dúvida, o mais injustiçado ocupante da cadeira onde se sentaram vultos como
Fernando Henrique Cardoso, Mário Henrique Simonsen, Delfim Netto, Pedro Malan,
Santiago Dantas, Luiz Carlos Bresser Pereira, Eugênio Gudin, Henrique
Meirelles, Mailson da Nóbrega, Roberto Campos, Lucas Lopes, Oswaldo Aranha,
Horácio Lafer, Ruy Barbosa, Octávio Bulhões...
Quando Antonio Palocci Filho comandou a Fazenda, entre janeiro de 2003 e março de 2006, a expressão “fogo amigo” tomou o noticiário porque, mesmo bem-sucedida, sua gestão era cotidianamente atacada por gente de seu próprio partido, o PT. No caso de Guedes, “fogo amigo” é eufemismo: sua vida, desde o início, é mar revoltoso e turbulência; calmaria e céu de brigadeiro são estados de exceção.
Já faz tempo que o ministro não esconde de
ninguém quem no governo tenta sabotar a disciplina fiscal e a manutenção do
teto de gastos. A área política, vendo Lula (PT) aumentar nas pesquisas
eleitorais a vantagem sobre o presidente Jair Bolsonaro, defende dia sim, outro
também, a adoção de medidas populistas. Tendo chegado a Brasília sem ler o
livro de Traumann, Guedes se acostumou à peleja diária do poder. Sua
frustração, que o tem feito, inclusive, “pensar em desistir”, está fora da
Esplanada dos Ministérios.
Começa com a letra “m” o sentimento (mágoa)
que o ministro nutre neste momento por dois setores da sociedade, cujos vocábulos
também começam com “m”: mídia e mercado. Como a primeira é um
não assunto - o ministro se queixa sobremodo da imprensa, mas, não impede o
acesso de jornalistas nem a ele nem ao ministério -, o desgosto é com a Faria
Lima, que, na sua opinião, “joga contra”.
A decepção é severa e pode ter
consequências. “Ou as pessoas começam a elogiar, a reconhecer o certo ou eu
canso. O meu custo é muito alto. O custo é a minha vida. Eu preciso de
proteção”, desabafou Guedes recentemente durante encontro com integrantes do
mercado.
O ministro costuma lembrar aos viventes
que, além do que fez (reforma da previdência, privatização da Eletrobras,
independência do Banco Central, aprovação dos marcos legais dos setores de
saneamento e gás, redução do déficit primário etc.), precisa ser lembrado pelo
que não deixou que colegas de governo fizessem. “Chamar o Benzema pra jogar no
CSA não dá. Vou morrer em campo. Preciso de uma equipe melhor”, disse numa roda
de conversa.
Relatos colhidos por esta coluna mostram um
Paulo Guedes ainda casmurro na defesa das finanças públicas, mas, pela primeira
vez, cansado por não ter o apoio de quem, na sua visão, deveria defendê-lo.
Revelam, também, a disposição do Palácio do Planalto em levar a rinha com a
Petrobras às últimas consequências:
1. Combustíveis: Guedes contou que, na
hora de definir a equipe de governo, optou por pessoas com mais ousadia. Bento
Albuquerque (ex-ministro das Minas e Energia) foi um dos últimos a serem
escolhidos. “Os militares são leais, diretos e falam as coisas na cara. Não fui
eu quem o derrubou”.
2. Custo do subsídio: Bento queria
subsídio, disse Guedes a interlocutores. O ministro revelou que fez a conta e
esta chegou a R$ 130 bilhões por ano. “Era inviável. Único caminho seria dar
‘cashback’ para o caminhoneiro, que custa R$ 6 bilhões.” Nos encontros, Guedes
reiterou que, desde o início, avisou que subsídio à Petrobras ele não
aceitaria. “Não tem o que fazer. A culpa do preço alto do combustível é do
[presidente da Rússia, Vladimir] Putin!”
3. Redução do ICMS: os Estados,
observou Guedes, fizeram acordo com o governo para reduzir o ICMS dos
combustíveis, mas não cumpriram. “Precisam compensar agora.”
4. Bolsonaro: o presidente está
irritado, contou Guedes num convescote, com os preços dos combustíveis. Ter
estatal que produz commodity só traz subexploração. “Se tivesse a ‘Sojabrás’, o
Brasil não teria produção de soja.” O ministro é da opinião de que a crise dos
combustíveis é um bom mote para se privatizar a Petrobras. “Quando eu era
crianca, havia seis petroleiras. Hoje, só tem duas. O fato de ela ser estatal e
ter esse tamanho traz subinvestimento.”
5. Inflação: num desabafo recente, o
ministro disse que “teve” que ouvir por um ano que a “culpa da inflação é o
fiscal”. “Juro real negativo no país e a culpa da inflacao era do fiscal...”
Ele não aceita a afirmação de que coube à inflação de dois dígitos em 2021
melhorar o resultado das contas públicas, ao corroer o valor real dos gastos.
Números melhoraram porque, segundo ele, houve controle das despesas (com
pessoal, por exemplo).
6. Taxa de Juros: todo o mundo, afirma
Guedes, dormiu no volante. Mas, o Roberto Campos Neto [presidente do Banco
Central] acordou cedo. “Tentaram me derrubar e colocá-lo. Ele é ótimo. Disse
que, se eu saísse, ele sairia junto. Mas ele é da geração do ‘inflation
targeting’ (regime de metas de inflação). Eu sou do Paul Volcker [presidente do
o BC dos EUA entre 1979 e 1987]: dá uma porrada de uma vez [eleva os juros] e
resolve.” E elogiou: “Nosso BC é o único que não está ‘behind the curve’ [atrás
da curva, isto é, não está atrasado]”.
7. Próximo mandato: Guedes disse que,
reeleito, Bolsonaro privatizará a Petrobras, fará a reforma tributária e
promoverá a desoneração do IPI e do Imposto de Importação.
8. Relação com Bolsonaro: o presidente, afiançou Guedes numa reunião em São Paulo, é “espetacular”. “Ele tem um acordo comigo. Ele me defende, me dá autonomia. Mas, se ‘der ruim’, a culpa é minha. Ele me defende, não me derruba, mas não defende os projetos. O pau come lá dentro. Mas, quando chega a uma temperatura, o presidente sempre arbitra para o meu lado.”
Bozo e Guedes,farinha do mesmo saco.
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