Folha de S. Paulo
O impacto das notícias não se compara às
fotos da Guerra do Vietnã
Cinquenta anos atrás, em 8 de junho de
1972, aviões sul-vietnamitas bombardearam o povoado de Trang Bang, não muito
distante de Saigon, que havia sido ocupado por forças do Vietnã do Norte.
Usaram napalm, um composto incendiário lançado pela aviação dos EUA contra
cidades japonesas na Segunda Guerra Mundial.
Nick
Ut, um fotojornalista vietnamita-americano da
AP, capturou com sua Leica a foto que definiria a Guerra do Vietnã. Nela, em
meio a um grupo de crianças que fugiam aterrorizadas por uma estrada, estava
Kim Phuc, 9 anos, a
pele em brasa descolando-se de seu corpo.
Na verdade, muitas fotos definiram a tragédia nas selvas da Indochina. Malcolm Browne imortalizou o monge que ateou fogo em si mesmo numa rua de Saigon, em 1963, em protesto contra a perseguição aos budistas. Marc Riboud eternizou a imagem da jovem Jan Rose, uma flor nas mãos, diante das tropas da Guarda Nacional, protestando em frente ao Pentágono, em 1967.
1968, ano da morte. O fotógrafo militar
Ronald Haeberle fixou a cena
dos corpos de crianças e mulheres assassinados por tropas americanas no
massacre de My Lai, em março. Art Greenspon congelou a cena pungente de
soldados americanos recuperando companheiros feridos numa trilha de mata.
Eddie Adams captou
o momento em que o chefe de polícia de Saigon atirou a sangue frio na cabeça de
um suspeito rendido. Fim da linha: em 1975, Hubert Van Es perenizou a
desesperada evacuação por helicópteros da embaixada americana no Vietnã do Sul.
O fotógrafo Nick Ut salvou a vida da garota
Phuc e ganhou
o Pulitzer pela imagem icônica. A foto quase parou no filtro da AP, que
vetava nus frontais, foi objeto da suspeita de Richard Nixon, que desconfiava
de manipulação, e sofreu breve censura de Mark Zuckerberg, que
a suprimiu do Facebook num dia de 2016. Mas, no rastro de tantas outras,
serviu para "parar a guerra", como queria o fotojornalista.
Jane
Fonda visitou Hanoi em 1972 e deixou-se fotografar numa bateria
anti-aérea, ao lado de soldados norte-vietnamitas. A imagem, captada por um
fotógrafo militar anônimo, correu o mundo e a metamorfoseou de Barbarella em
Hanoi Jane.
As forças dos EUA venceram praticamente
todas as batalhas travadas na Indochina. Perderam a guerra no front interno,
sob a ofensiva devastadora das manifestações pacifistas. A primeira guerra da
"era da informação" evidenciou os limites
postos pela imprensa livre às "democracias marciais".
Os EUA extraíram duas conclusões principais
da Indochina. No Guerra do Golfo (1991), soldados profissionais tomaram o lugar
do exército de conscritos. Na invasão do Iraque (2003), os jornalistas foram
embutidos na redoma supervisionada das unidades militares. Muitos reduziram-se
à condição de "mascotes dos militares", na precisa descrição de Gay
Talese.
A "era da informação" inaugurou,
também, uma era de renovado controle estatal sobre o fluxo de informações. Aí
reside uma vantagem decisiva dos regimes autoritários, na hora da guerra. A
Rússia praticou massacres indiscriminados de civis em Grozny, na Chechência
(1999-2000) e em Alepo, na Síria (2016), antes de infligir bombardeios
devastadores sobre cidades ucranianas, na invasão em curso. Nesses lugares
de matança, não havia fotojornalistas. A extensão das tragédias só ficou
estabelecida depois, por meio de investigações baseadas em imagens de
satélites.
O New York Times documentou, a posteriori,
com base nesse recurso e em vídeos precários obtidos por celulares, as
atrocidades cometidas em Bucha (Ucrânia). Mas o impacto desse tipo de notícia
não se compara às fotos publicadas quase em tempo real da Guerra do Vietnã.
Faltam os rostos, as expressões, a escala
humana. Há ciência e técnica, não uma experiência compartilhada de horror. Os
cínicos discursos de justificação de uma guerra criminosa amparam-se no exílio
forçado dos fotógrafos.
Verdade,uma imagem vale por mil palavras,quer dizer,não há comparação.
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