Um dos fundadores do partido, o senador reconhece que os tucanos não foram 'explícitos' na crítica a Bolsonaro e ainda aposta em uma terceira via
Caio SartoriRevista Veja
Em tratamento para a doença de Parkinson e
passando por alguns dias críticos e outros melhores, o senador José Serra, 80 anos, participa
a alguma distância das sacudidas que vêm abalando a posição no cenário político
do PSDB, partido que ajudou a fundar em 1988: brigas internas, a escolha de
João Doria como candidato à Presidência e sua posterior desistência, a
perspectiva de ficar de fora da disputa e até uma aventada fusão com o MDB.
Otimista, Serra, pré-candidato a deputado federal, diz que ainda acha possível
o consenso em torno de um correligionário na convenção partidária (sem data
marcada) e, se não, considera correto o apoio a algum nome que tenha chances de
ganhar. Nesta entrevista — feita, a pedido dele, por escrito, em duas etapas —,
o senador discorre sobre o momento atual, equívocos do passado (como o de não
ter se oposto com mais veemência ao atual governo) e o futuro — torcendo para
que não se limite a um embate entre Lula e Jair Bolsonaro.
O que aconteceu para o PSDB deixar de ser considerado uma opção ao PT no cenário nacional? Vou repetir aqui o que Aécio Neves já declarou: a divulgação daquela conversa dele com Joesley Batista, em 2017, foi nociva não apenas para o deputado e sua família, mas para o partido em seu conjunto. Aécio chegou perto de ganhar a eleição de 2014 e tínhamos a expectativa de que a votação seguinte seria o momento da virada. O episódio foi um banho de água fria. Todos sofremos e, sendo muito sincero, perdemos credibilidade junto à população. O que foi uma pena, porque Aécio foi inocentado e a denúncia, arquivada.
Qual o caminho para voltar a
ser relevante? Mostrar
nossa capacidade de apresentar e executar boas propostas para o país. Temos
sido tímidos.
O PSDB se colocou em oposição
ao governo Bolsonaro, mas votou a favor dele em várias ocasiões. O senhor
concorda com essa atitude? Acho que toleramos demais. Ser
oposição não significa torcer pelo quanto pior melhor e sair votando contra
todas as propostas do governo. Mas fazer oposição é também questionar as
atitudes descabidas e desarrazoadas que o presidente toma a todo instante.
Devíamos ter sido mais explícitos na nossa discordância.
Apoiar o impeachment de Dilma
Rousseff acabou sendo um tiro no pé do PSDB, já que propiciou a ascensão da
extrema direita? Não
acho. Depois do impeachment, o partido ajudou o presidente Michel Temer a
recolocar o país nos trilhos. A extrema direita emergiu por caminhos que, à
época, eram imprevisíveis.
João Doria acertou ao desistir da candidatura
à Presidência pelo PSDB? Quando as condições internas
demonstraram certa insegurança, ele acertou ao privilegiar o coletivo em
detrimento de aspirações próprias.
Por que as condições internas
desfavoreceram a candidatura dele? Avalio que entre o processo das
prévias, no fim do ano passado, e o momento atual, fatos ocorreram e o
desenrolar deles levou Doria a uma reflexão e tomada de decisão. Isso não é
nenhum demérito, nem para o partido, nem para ele. É do jogo democrático.
O ex-governador se disse
traído pelo partido. Foi mesmo? Não tenho elementos para ratificar a
questão. Creio que é de foro íntimo de João Doria.
“Respeito a opinião do meu amigo Aloysio
Nunes (que votará em Lula).
Eu externarei minha direção quando todos os atores estiverem em cena. Mas seria
pouco provável seguir o Aloysio”
Eduardo Leite perdeu as
prévias e mesmo assim cogitou ser candidato. Foi um desrespeito ao PSDB? Eduardo
sempre foi muito decente e confirmou essa conduta ao permanecer no partido,
rejeitando inclusive convites para ser candidato por outras siglas.
Esta pode ser a primeira
eleição para presidente sem candidato próprio do PSDB desde a fundação do
partido. Isso representa um baque muito forte? Eu defendo
que o PSDB tenha candidatura própria e que a escolha final na convenção seja em
torno dos nomes mais votados nas prévias, ou o próprio Doria ou Eduardo Leite.
Mas o que o partido precisa buscar acima de tudo, e reconheço que está difícil,
é uma alternativa que possa romper a polarização entre Lula e Jair Bolsonaro e
que tenha espaço para chegar ao segundo turno e vencer.
A tendência, hoje, é uma
aliança em torno de Simone Tebet, do MDB. O senhor acha viável? Se houver um
entendimento interno de que apoiar Simone é o que nos permitirá sair do duelo
entre Bolsonaro e Lula com chance de nos tornar competitivos, o PSDB e a
senadora terão meu apoio.
Simone Tebet é uma boa candidata? Ela é uma
personagem política séria, com formação sólida. Sempre se dedicou aos cargos
que ocupou, demonstrando firmeza e coerência.
Como o senhor vê uma fusão de
PSDB e MDB, como tem sido ventilado? Acho irrealista e precipitado.
Neste momento, devemos focar nas próximas eleições e no destino do nosso país.
Dilma deu mais motivos para
sofrer impeachment do que Bolsonaro, que já foi alvo de cerca de 150 pedidos? Impeachment
se concretiza quando há duas vontades: a das ruas e a política. Bolsonaro pode
ter dado motivos, mas isso precisa ser avaliado com cuidado e atenção. Há erros
graves que ficaram evidentes, como a condução da pandemia. Outros ainda não têm
provas concretas que justifiquem um afastamento do mandato.
A suspeita mais conhecida de
irregularidades dos Bolsonaro é a de uso de “fantasmas” para desviar salários. O
senhor foi acusado de prática parecida em 2016. Afinal, procede? Não. E é
justamente por isso que digo que deve haver investigação. A acusação contra mim
é tão absurda que beira a comédia, não fosse o desgaste político muito grande.
Alguns caciques tucanos, como
Aloysio Nunes, declararam voto em Lula. Fernando Henrique Cardoso pode fazer o
mesmo ainda no primeiro turno. O senhor também pensa nisso? Respeito a
opinião do meu amigo Aloysio Nunes. Desconheço o que FHC vai declarar. Quanto a
mim, externarei minha direção quando todos os atores estiverem em cena. Mas
seria pouco provável seguir o Aloysio.
Se o PT buscar seu apoio, as
portas estarão fechadas? Sou político e estamos em processo
eleitoral polarizado. Não fecho as portas para ninguém que queira conversar
sobre manutenção do estado democrático e projetos estruturantes para o país.
Quais as semelhanças e as
diferenças entre Lula e Bolsonaro? Esta não é uma resposta fácil. Não me
agradam os intensos e sucessivos confrontos na política. Gostaria que a grande
diferença entre eles estivesse apenas nos times para os quais torcem,
Corinthians e Palmeiras.
O que achou da ida de Geraldo Alckmin para o PSB e para o
posto de vice de Lula, contra quem o senhor e ele próprio já disputaram
eleições? O Geraldo
avaliou sua história e posição dentro do partido e resolveu deixá-lo. Ele não
me consultou, não conheço as suas razões. Achei ruim sua saída. Lamento a perda
por ser um quadro importante, que sempre participou do processo eleitoral pelo
PSDB.
Acredita que Alckmin pode
tornar Lula mais palatável para o centro? Não. Lula,
quando presidente, já era palatável para o Centrão.
Rodrigo Garcia ainda vai muito mal
nas pesquisas em São Paulo, com Fernando Haddad, Márcio França e Tarcísio de Freitas na frente. O
risco de o PSDB perder uma eleição para o Palácio dos Bandeirantes depois de
quase três décadas é grande? Pesquisa é retrato de momento.
Estamos apenas iniciando a campanha. Todos os três primeiros colocados estão no
teto deles e o Rodrigo tem potencial grande para subir. Ninguém conhece o
estado e seus municípios como ele.
Como ex-ministro das Relações
Exteriores, qual avaliação faz do governo Bolsonaro à luz da diplomacia? Nem precisa
ter sido chanceler para constatar que o Brasil piorou muito sua imagem no
mundo. Os desvarios do ex-ministro Ernesto Araújo deixaram marcas e, por mais
que o atual, Carlos França, se esforce, não será possível consertar facilmente
o que foi feito nos dois primeiros anos de governo Bolsonaro.
E na Saúde, área que o senhor
também comandou, houve crime na forma como o Planalto lidou com a pandemia? Não vou
discutir se houve crime propriamente dito. O que mais me chocou foi a falta de
capacidade do governo de utilizar o SUS e toda sua capilaridade em prol da
população. Perdemos milhares de vidas por pura incapacidade de gestão.
“A divulgação da conversa entre Aécio e
Joesley Batista foi nociva não apenas para o deputado e sua família, mas para o
partido. O PSDB perdeu credibilidade junto à população”
O atual momento do país é o
mais grave desde que o senhor voltou do exílio, em 1977? Não acho.
Nossa jovem democracia está cada vez mais sólida. O cenário econômico, ainda
que seja o pior dos últimos anos, felizmente não se compara ao que encontramos
na redemocratização.
Tendo enfrentado a ditadura e
passado anos no exílio, como o senhor vê a presença de tantos militares no
governo? As ameaças ao resultado das eleições podem acabar em golpe? As condições
são muito diferentes das daquela época. O regime militar do passado ensinou
muito a todos, inclusive aos membros das Forças Armadas. Após a
redemocratização, sempre constatei nas três Forças o comprometimento com a
Constituição. Qualquer outra elucubração destoa da realidade e beira o
populismo.
Mas tantos generais em um
governo que frequentemente ataca as instituições não prejudica essa leitura? Pode ser, mas
não a ponto de se repetir a realidade dos anos 70. O momento histórico é outro.
As instituições estão sempre atentas e reagem a qualquer tentativa de
rompimento com a democracia.
Como tem sido lidar com sua
doença e limitações? É mais uma passagem da minha vida, sobre a qual
não tenho controle. Mas tão logo tive o diagnóstico confirmado, iniciei o
tratamento e me sinto muito bem. Melhorei muito.
Vai estar na campanha
eleitoral? Planejo
ser ativo nela. Sou pré-candidato a deputado federal e quero ver aprovados
todos os quinze projetos meus que vieram do Senado e que agora tramitam na
Câmara.
Aos 80 anos, olhando para
trás, quais considera seus maiores erros e acertos? Maior acerto:
ser torcedor do Palmeiras. Maior erro, resultado dos inúmeros compromissos: não
ter ido mais vezes aos jogos do Verdão.
Publicado em VEJA de 8 de junho de 2022, edição nº 2792
Bolsonaro fez muito mais lambança que a Dilma,Serra anda no mundo da lua,é claro que os funcionários fantasmas da família Bolsonaro está mais do que provado,e já que é pouco provável que ele vá seguir Aloysio,tomara que não siga ninguém,cruzes!
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