O Globo
O governo de Jair Bolsonaro é destruição
para onde se olhe — educação em crise aguda, Floresta Amazônica no chão,
cruzada armamentista, negação à ciência, ataques à democracia — mas o que, tudo
indica, o levará a nocaute é o fracasso econômico. O IBGE exibiu ontem os
resultados do PIB no primeiro trimestre. Visto pelo retrovisor, o crescimento
de 1% sobre o fim de 2021 sugere recuperação, sobretudo pelo efeito da
flexibilização das atividades diante da acomodação do número de casos e de
óbitos pela Covid-19 após a imunização em massa. Não por acaso, destacaram-se
os serviços de hospedagem, alimentação e transporte (cargas e aéreo, à frente).
O eleitorado, contudo, tem reagido mal às condições do presente nas consultas sobre as eleições de 2022. O ano começou na expectativa de que mercado de trabalho e nível de renda melhorariam com o fim das restrições impostas pela pandemia. A realidade foi de salário mínimo estagnado, desemprego alcançando quase 12 milhões de brasileiros, inflação galopante e Auxílio Brasil insuficiente para cobrir as despesas com alimentos.
No levantamento que o Dieese divulgou no
início de maio, a cesta básica ficou mais cara, pelo segundo mês seguido, nas
17 áreas pesquisadas. Na capital mais cara, São Paulo, o conjunto de itens
essenciais — entre os quais feijão, pão francês, óleo de soja, farinha de
mandioca, leite, açúcar e manteiga — custava R$ 803,99, mais que o dobro do
piso do programa de transferência de renda que substituiu o Bolsa Família. Os
R$ 400 do Auxílio Brasil não compram nem a cesta mais barata (R$ 551,47), em
Aracaju. Faz oito meses que a inflação acumulada em 12 meses está em dois
dígitos — 12,13% até abril. Uma série tão longa não ocorria desde fins de 2002,
quando o IPCA variou entre 11% e 17% por 13 meses.
Jair Bolsonaro chegará ao fim do atual
mandato como o primeiro presidente, em 28 anos, a não oferecer ganho real ao
salário mínimo. O rendimento real dos brasileiros que trabalham está 8% abaixo
de um ano atrás. Quatro em cada dez ocupados estão na informalidade, outra
evidência de instabilidade nas condições financeiras das famílias. Nos dados
oficiais do Ministério do Trabalho, o salário médio nas contratações formais
era de R$ 1.872,07 em março, 2% a menos que no mês anterior. Significa que
trabalhadores estão sendo admitidos por menos agora.
A população não se deixou enganar pelo
presidente do diversionismo e das bravatas. Mais da metade (53%) dos
brasileiros declarou ao Datafolha que a situação econômica influencia o voto.
De março para maio, aumentou de 46% para 52% a proporção dos que viram as
condições financeiras piorar nos últimos meses. Sete em dez beneficiários do
Auxílio Brasil consideram insuficiente a quantia repassada pelo governo.
Pudera.
A gestão improvisada e incompetente fez a
política social encolher de valor e alcance desde o melhor momento do Auxílio
Emergencial, em 2020. Na origem, o programa chegou a alcançar 68 milhões de
brasileiros com pelo menos R$ 600. No mês passado, 18,1 milhões de famílias
receberam em média R$ 409.
Com base em levantamento do Gallup World
Poll, a FGV Social informou que saiu de 30% em 2019 para 36% no ano passado a
parcela de brasileiros que, em algum momento, ficou sem dinheiro para comprar
comida. A insegurança alimentar alcançou 75% dos mais pobres, proporção próxima
à do Zimbábue (80%), país africano com o pior resultado dentre 122 nações
pesquisadas. A insuficiência de renda para despesas com alimentos, no Brasil,
também alcança mais as mulheres (47%) do que os homens (26%).
A despeito da expansão de 1% do PIB no
primeiro trimestre, não faltam indicadores e percepções para explicar o
desempenho de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto. São os grupos mais
afetados pela crise econômico-social que tendem a negar a ele a reeleição.
Entre as mulheres, segundo o Datafolha, o presidente tem 23% ante 49% do
petista Luiz Inácio Lula da Silva; entre os pretos, 23% e 57%, respectivamente;
dos que ganham até dois salários mínimos, 20% e 56%. No Nordeste, Bolsonaro
soma 17%, Lula 62%; entre desempregados, 16% e 57%. Até os beneficiários do
Auxílio Brasil, apurou o instituto, preferem o ex-presidente (48%) ao atual
(21%).
A desigualdade brasileira produziu
convergência entre segmentos populacionais. Mulheres e negros são maioria entre
desempregados, pobres. No Nordeste, há predominância de população de baixa
renda e beneficiária dos programas sociais de transferência de renda. Numa
conjuntura de aperto nos rendimentos e aguda carestia, principalmente, de
alimentos, é difícil para o presidente atrair votos. A economia, estúpido, não
perdoa.
Na região onde mais se recebe o Auxílio Brasil,Nordeste,é onde Bolsonaro perde mais longe pro Lula.
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