Folha de S. Paulo
Frases dos presidentes insultam, debocham
dos que se arriscam na defesa da Amazônia
A indignada
expectativa do mundo com o desaparecimento do indigenista Bruno
Araújo Pereira e do jornalista Dom
Phillips ficou à margem do breve
encontro de Joe Biden e Bolsonaro, mas, ainda assim, teve a presença mais
forte no falso diálogo dos dois mentirosos.
Isso se deu sob a forma de um insulto
dúplice de Biden
e Bolsonaro, cada qual à sua maneira, e do cinismo como sua linguagem
presidencial. Se os viu por TV, por certo Putin sentiu-se abonado.
Bolsonaro, sempre o mesmo dizendo ou
desdizendo-se, foi o que é: "O Brasil preserva muito bem o seu território.
Nossa legislação ambiental é bem rígida, fazemos o possível para cumpri-la,
pelo bem de nosso país".
Biden, o rosto sempre contido em
indefinição putiniana, conseguiu encaixar na brevidade toda a impostura:
"O Brasil é um país maravilhoso, com instituições fortes. Vocês procuram
proteger a Amazônia".
Essas frases insultam, debocham dos que denunciam, perdem empregos, se arriscam em luta na defesa da Amazônia. Dessa obra-prima da natureza, entregue por Bolsonaro e pelos militares bolsonaristas à sanha das milícias de garimpeiros e madeireiros ilegais, saqueando e contrabandeando riquezas em reservas indígenas e em terras da União.
Livres e impuníveis para matar, para estuprar
e escravizar mulheres indígenas, para sequestrar e eliminar curumins.
Biden sabe disso mais do que a maioria dos
informados: o Sivam-Sistema de Vigilância da Amazônia está entregue à Raytheon,
empresa estratégica com fortes ligações ao Pentágono. Jornais e TV americanos,
universidades, ONGs e variados movimentos americanos fazem mais denúncias e
defesa da Amazônia do que os brasileiros.
De olho em interesses
dos Estados Unidos, Biden se pôs no lado de Bolsonaro. Demonstrou-se capaz
até de absorver a desaforada acusação de Bolsonaro, repetida a 24 horas do
encontro, de fraudulências eleitorais na derrota de Trump.
Diferenciou-se de Bolsonaro por um
pormenor: pôde olhá-lo quando falava e quando o ouvia, ao passo que Bolsonaro
não pôde olhá-lo quando falava nem quando ouvia — tinha que ler, na sua leitura
sofrida, o papel mal escondido entre as pernas, sobre o assento, com o que
devia dizer.
Seria mais um ridículo risível, não
houvesse tanto a deplorar desse encontro de mentiras, cinismo e rebaixamento
moral e político do Brasil por Bolsonaro. Só Biden pôde ter um ar de riso
interior.
Aqui também os seguidores de Bolsonaro
cercaram de mentiras o desaparecimento
de Dom e Bruno. Daí a importância da exigência,
feita no Supremo pelo ministro Luís Roberto Barroso, de informações das
"forças de segurança" sobre sua "ação" no caso.
Isso, depois da exigência, 24 horas antes
da primeira notícia do desaparecimento, de que Polícia Federal cumpra em dez
dias as medidas contra
os denunciados estupros e assassinatos de yanomamis.
Natuza Nery, revelação do jornalismo
político em TV, e os excelentes André Trigueiro e Marcelo Lins, desmontaram
várias mentiras de militares e policiais. Como a ilegalidade dos desaparecidos
ao estar sem autorização em reserva indígena.
O presidente da Funai, Marcelo Xavier,
mentiu: navegavam e sumiram fora de reserva. A "ação imediata",
assegurada por generais, não foi imediata e é duvidoso que se chame de ação.
Nem os desaparecidos faziam "uma
aventura", como dizem Bolsonaro e seguidores seus, mas trabalho
de jornalista e indigenista, ambos com alta qualificação.
O polêmico jornalismo brasileiro de TV fez
um avanço importante com a ênfase lúcida que os três repórteres/comentaristas
ousaram. E também a GloboNews, claro.
Bruno Araújo Pereira fez entrega à Polícia
Federal e ao Ministério Público de informações sobre comprometidos com
assassinatos e explorações ilegais, entre
eles Amarildo Oliveira e um tio seu.
Tudo sugere que a denúncia e seu autor
foram informados aos denunciados. Daí surgiria um encontro deles com Dom e
Phillips, ao qual o tio faltou. Uma cilada, então. Da qual Amarildo saiu em
perseguição de lancha ao indigenista e ao jornalista, logo depois
desaparecidos.
Vazamentos desse tipo não ocorrem sem motivação interessada. Como e quem passou a informação deveria ser investigado. É sugestivo que não o seja.
Lembra a história de Chico Mendes,entre outros.
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