Folha de S. Paulo
Se a economia reagir da maneira previsível,
não venham reclamar: ele avisou
Um esboço
do possível programa de governo de Lula veio a público. Segundo o esboço,
não haverá mais privatizações (inclusive a da Eletrobras pode ser barrada), a
Petrobras será colocada "a serviço do povo brasileiro" (leia-se:
política de preços baixos), o governo vai interferir no câmbio, fará política
agressiva de industrialização, derrubará a reforma trabalhista e o teto de
gastos.
Se essas forem bandeiras com as quais você
concorda, Lula é seu candidato. Há
inclusive quem vá votar nele mesmo discordando dessa parte. Só não se
engane: é isso que ele vai fazer, e não uma reedição de seu primeiro mandato
sonhada por moderados.
É verdade que há muita indefinição na qual cabem os sonhos de todo mundo. O diabo mora nos detalhes. Taxar os mais ricos, por exemplo: dependendo de como for feito, pode ser bom ou desastroso para a economia do país.
Há mil maneiras de se buscar o objetivo da
industrialização, inclusive criar no Brasil um ambiente de negócios competitivo
e com segurança jurídica para o investidor. Todo o entorno de Lula e os demais
pontos de seu programa (como ingerência na Petrobras), contudo, não permitem essa
leitura liberal e otimista.
Também é verdade que, do outro lado, vemos
a distância entre discurso e prática: o
teto de gastos, sob Bolsonaro, é para inglês ver. A cada nova necessidade
(inclusive eleitoral), o governo encontra mais um pretexto para quebrá-lo com
apoio do Congresso.
Isso não quer dizer que abrir mão de toda e
qualquer restrição aos gastos não possa piorar as coisas ainda mais. Um teto
capenga ainda traz mais confiança —ou menos desespero— do que a ausência de
teto somada à ideologia de que o gasto público é sempre virtuoso.
Por fim, um governo liberal exigiria
assessores, ministros e conselheiros liberais. Onde eles estão? Os economistas
às vezes apontados como interlocutores —Persio Arida, André Lara Resende— negam
que tenha havido qualquer colaboração. Lula se cerca, de fato, com pessoas de
viés ideológico muito distante desse, como Aloízio Mercadante e Gleisi
Hoffmann. De onde viria a agenda liberal-pragmática de um novo governo? Não
faltam novos Mantegas, mas quem indicará um possível novo Palocci?
Os pontos desse esboço têm sido repetidos
consistentemente pela campanha e pelo próprio Lula, são o que as pessoas mais
próximas a ele sempre defenderam e estão em perfeita continuidade com a
política de seu segundo mandato, depois intensificada no governo Dilma. O
mínimo que podemos fazer é
acreditar que é isso mesmo que ele vai fazer.
Nem tudo ali é ruim. A volta do meio
ambiente à agenda, proteção de comunidades indígenas; são pontos importantes.
Mas sem uma economia funcional, capaz de gerar valor e empurrar o Brasil para
frente, serão de pouca valia (e os primeiros a ser sacrificados para atender a
demandas de curto prazo).
Um país com a
dívida fora de controle, gastando em projetos megalomaníacos de
investimento escolhidos por critérios políticos, tentando manipular o câmbio,
usando estatais para manter preços controlados, mercado trabalhista travado e
litigioso, "muito ricos" usados como bode expiatório.
É a receita perfeita para
inflação ainda mais alta, recessão, desemprego e fuga de capitais. Quem
mais sofrerá com isso é a base de nossa pirâmide social. E o caldo estará
perfeito para novos e piores populismos.
Isso tudo, claro, depende de dois grandes
"ses": se Lula vencer, e se realmente implementar esse programa. Se
for isso mesmo e a economia reagir da maneira previsível, não venham reclamar:
ele avisou.
Só esqueceu de dizer que a alternativa é muito pior.
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