Folha de S. Paulo
Fica claro que o presidente Jair Bolsonaro
perdeu qualquer intenção de governar a região
O desaparecimento
de Dom Phillips e Bruno Pereira segue sem desfecho. Espero que sejam
encontrados com vida mas, sinceramente, não é a hipótese mais provável. O caso
escancara, para nós e para o mundo, o que os números já vinham mostrando: a
Amazônia está entregue ao crime.
Nas discussões sobre a Amazônia é comum cair num dilema questionável entre preservação ambiental e soberania nacional. Bolsonaro e as Forças Armadas sempre batem na tecla da soberania. Por trás do discurso, contudo, a realidade é que o governo optou por ficar sem nenhum dos dois.
Não é segredo para ninguém que a taxa de devastação
aumenta continuamente, fato que vem sendo documentado por cientistas e por
jornalistas como Dom Phillips. Quando o possível assassinato dele na área por
grupos criminosos é citado pelo próprio
presidente como uma inevitabilidade ("duas pessoas apenas num
barco, numa região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é
recomendável que se faça. Tudo pode acontecer"), fica claro que ele também
perdeu qualquer intenção de governar a região; ou seja, perdeu a soberania.
Perdeu,
não. Entregou. Bolsonaro sempre flertou com a ideia de vender a exploração
da Amazônia a grandes empresas estrangeiras, mas o que ele acabou fazendo foi
mais simples. O governo simplesmente saiu de cena e deixou qualquer um fazer o
que quiser. Quem quiser um naco, não precisa pagar nada: é só chegar e pegar.
Desmatamento e garimpo
ilegal em alta; invasão de terras indígenas e assassinatos de indígenas,
idem. É o resultado de um governo que decidiu facilitar a vida de
contraventores na região e que sucateou —e até mesmo sabotou— os órgãos de
fiscalização, que há anos já enfrentam condições precárias.
Com isso, deu livre vazão aos interesses
mais predatórios e assassinos, que hoje dão as cartas por lá. Traficantes,
garimpeiros, grileiros, madeireiros, pescadores, traficantes de drogas, traficantes
de pessoas, criminosos dos mais diversos países operam livremente. Parece que
todo mundo está na Amazônia; todo mundo menos o Estado brasileiro. Em vez da
lei brasileira, vale a lei da selva.
Apesar do dilema teórico, na prática os
dois valores caminham juntos: ao desistir da preservação, o governo abriu mão
também da soberania. Os meios de preservação da floresta —o
trabalho de IBAMA e ICM-Bio, a proteção de comunidades indígenas e
ribeirinhas e mesmo a presença militar— são fatores indispensáveis para manter
o poder na região.
Sem esses meios, sobra o faroeste. Enquanto
isso, nossas
Forças Armadas, infelizmente, parecem mais preocupadas em fazer questionamentos
espúrios às urnas eletrônicas do que restabelecer sua autoridade na
região.
A Amazônia é o maior ativo ambiental
brasileiro. Por ela passam alguns dos principais debates do futuro próximo:
água, clima, biodiversidade. Ela poderia lançar o Brasil ao protagonismo do
debate ambiental global.
Preservá-la presta uma serviço a nós e ao
mundo, pelo qual inclusive deveríamos receber (se, é claro, estivéssemos
preservando). Saber
explorá-la de maneira sustentável, destinando suas riquezas biológicas e
minerais ao nosso desenvolvimento de longo prazo, deveria ser item prioritário
da nossa política.
Hoje em dia tem enriquecido criminosos, sido
palco de assassinatos e servido para destruir nossa imagem pelo mundo. Entre
preservação e soberania, ficamos sem nenhum.
Pois é,as Forças Amadas estão servindo pra quê?
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