Aí se desvela o caráter encapuzado da ação do governo, pondo-se a nu sua natureza predatória, sua agenda anticivilizatória e adversa aos valores cultivados por nossas melhores tradições, muitas delas consagradas constitucionalmente, na medida em que por omissão deliberada na repressão às ilegalidades e aos crimes ali praticados favorece a sua multiplicação. O Brasil é concebido como um território ocupado por forças que lhe são estranhas, empenhadas em destruir os fundamentos da sua civilização e assentar sobre suas ruinas um capitalismo sem freios e excludente da sua população entregue à sua própria sorte.
Decerto o episódio que envolve o paradeiro
desses dois exploradores amazônidas ainda é incerto, embora suspeitas
assustadoras pairem sobre seu destino, mas de qualquer forma se está diante de
um fato revelador das políticas nocivas levadas a cabo pelo governo Bolsonaro
no sentido de abrir caminho à penetração orquestrada de negócios escusos no
coração da Amazõnia tratada como um faroeste sem lei sob controle de
aventureiros em busca da fortuna.
Na região se patenteia nos seus traços
fortes o projeto Bolsonaro de remodelar o país pelo padrão neoliberal de
confiar os rumos do país a um capitalismo vitoriano diante de um Estado
absenteísta especializado na pura intervenção coercitiva sobre seus cidadãos a
velar para os fins de preservar a lei das selvas. O dogma de Margareth Thatcher,
de que não existe essa coisa chamada de sociedade, rejeitado em seu país natal,
torna-se aqui palavra de ordem.
O projeto de capitalismo autoritário,
esgotado nos quarteirões lustrosos da Faria Lima e adjacências, procura seiva
nova nas paragens amazônidas submetida às investidas contra suas florestas e
suas populações autóctones com furor genocida para os fins de mais um movimento
expansivo da acumulação capitalista. Nesse propósito, desencadeia-se uma sorte
de guerra de guerrilha, pilotada de longe pelos agentes do projeto
bolsonarista, levada a cabo por aventureiros com biografias dedicadas ao crime
que dirigem em bandos armados as invasões das terras indígenas e expropriam
seus recursos naturais como a floresta, a pesca e a caça, malbaratando suas
terras com práticas deletérias de mineração.
A pretexto da defesa da soberania nacional
na Amazônia confia-se o destino da estratégica região à cupidez de negócios e
ao afã pela riqueza fácil de homens sem eira nem beira, devolvendo à vida a
tragédia da colonização do continente americano. Dos amazônidas contra essa
máquina de guerra orientada à sua destruição sob beneplácito do governo atual, surgem
resistências, especialmente dos seus novos intelectuais, muitos deles
descendentes dos povos originários, já identificados com o significado da defesa
da Amazõnia em termos planetários, e capazes de estabelecer interlocução direta
com a opinião pública mundial assim como com as suas populações autóctones.
Bruno Pereira e Dom Philipps, com histórias
e trajetórias de vida, distintas que o amor comum pela natureza amazônica
aproximou, defensores da integridade da região e de suas populações, como é
sabido, estão desaparecidos há 5 dias sem que se saiba o destino deles. O fato
é que saíram em missão investigativa numa singela embarcação, motivados pelo
zelo de apurar malfeitos que em relatórios já tinham apurado e que agora são de
conhecimento público. Conhecedores daquelas inseguras vias de comunicação
fluvial, a possibilidade de que se tenham perdido é remota, e com o passar dos
dias afirmam-se como prováveis as hipóteses de que tenham sido vítimas de um
crime. De quem é o que se pergunta, e todos os olhos se voltam para o que é a
suspeita de todos, como sempre camuflado embora qual na história do gato deixe
o rabo de fora.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
Muito triste a história dos dois.
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