quarta-feira, 29 de junho de 2022

Márcio G. P. Garcia*: Muita inflação pela frente


Valor Econômico

Reduzir impostos aumenta o déficit fiscal, o que tende a dar mais alento ao dragão inflacionário

No Brasil e no mundo, a inflação tornou-se o principal problema econômico. É impressionante a rapidez com que as previsões de inflação se deterioraram. Há poucos meses, ainda havia analistas importantes que defendiam ser a inflação nos EUA um fenômeno temporário. Hoje, está claro que o dragão inflacionário não pretende ir embora tão cedo. Ao combatê-lo, é importante que não se cometam erros já conhecidos.

É preciso deixar claro, desde o início, que as principais políticas públicas para lidar com a inflação são as políticas monetária e fiscal. E combate à inflação se faz apertando ambas as políticas: elevando juros e cortando déficit público. Terem vários dos choques inflacionários vindo pelo lado da oferta, primeiro, com os efeitos da pandemia sobre as cadeias produtivas e, depois, com a guerra na Ucrânia, não modifica o plano básico de combate ao dragão.

Um dos principais culpados pela alta generalizada de preços é o petróleo, cujo preço disparou desde o início da guerra na Ucrânia. O impacto dos derivados de petróleo sobre o custo de vida é grande o suficiente para que vários governos ao redor do globo tenham se mobilizado para mitigar a alta de preços. Corte de impostos para baixar o preço dos combustíveis é medida que vem sendo gestada nos EUA, no Brasil e em vários outros países.

Ainda que vários impostos sejam excessivos, como o ICMS sobre combustíveis em vários estados brasileiros, a medida paliativa está longe de ser boa solução. Reduzir preços aumenta a demanda por combustíveis, inclusive das parcelas mais ricas da população, o que agrava o problema. Muito melhor é aumentar as transferências para os mais pobres, que não conseguem comprar gás para cozinhar. E não se pode esquecer que há uma emergência climática no planeta, e subsídios ao consumo de derivados de petróleo vão na direção oposta do que se precisa fazer. E que, claro, reduzir impostos aumenta o déficit fiscal, o que tende a dar mais alento ao dragão inflacionário.

Uma medida que ajudaria a conter a alta de preços e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade da economia, é a redução de impostos sobre importações. Recentemente, no Brasil, foram reduzidas as alíquotas do imposto de importação sobre diversos produtos. Seria bom aproveitar mais este momento para avançar na agenda de abertura da economia brasileira.

Mas, ao fim e ao cabo, o papel central no combate à inflação cabe sempre à política monetária. Os bancos centrais dos países avançados, tendo acordado tarde, estão tentando tirar o atraso, aumentando os juros mais rapidamente e fazendo o aperto quantitativo (venda ou vencimento de títulos em carteira nos bancos centrais). Será difícil dosar o aperto de forma a obter o almejado “soft landing” (aterrisagem suave), sendo muito provável que acabe ocorrendo uma recessão.

No Brasil, o Banco Central recuperou-se da redução excessiva dos juros, elevando-os rapidamente. A taxa Selic saiu de 2%, em março de 2021, para o atual nível de 13,25%, devendo ainda o ciclo de alta continuar pelo menos até agosto. Uma elevação notável sob qualquer critério. E, se os juros forem mantidos nesse elevado patamar por vários meses, à medida que a inflação e as expectativas de inflação começarem a cair, subirão os juros reais, ajudando no combate à inflação.

Ainda que as previsões de mercado indiquem alto risco de que a meta para a inflação em 2023 não seja atingida, a inflação deve, de fato, cair significativamente nos próximos meses. Se cairá mais ou menos rapidamente vai depender em grande medida de novas surpresas que virão a ocorrer. Dada a instabilidade do ambiente internacional e nacional, é esperada a ocorrência de surpresas, boas ou más, embora não saibamos quais serão. Seja lá o que o futuro nos aguarda, a autonomia do BC, cujo presidente tem mandato até 2024, dá credibilidade à promessa de que a inflação será mantida sob controle.

A principal ameaça ao sucesso da estratégia antinflacionária do Banco Central continua sendo a política fiscal. Em que pese o fato de que o que restou do sistema de freios e contrapesos da política fiscal ter conseguido, até aqui, impedir um estouro das despesas, convivemos diariamente com ameaças de novas expansões de gastos, quase sempre eleitoreiras. Trata-se de situação peculiar: as estatísticas fiscais, que refletem o passado, mostram melhora, mas os indicadores de risco fiscal, que refletem previsões para o futuro, apontam na direção oposta.

A conjuntura internacional para o início do próximo mandato presidencial é bastante desafiadora, tendo em conta a alta probabilidade de um ambiente de estagflação (recessão com inflação) e juros altos nos países avançados. Uma combinação muito ruim, especialmente para mercados emergentes, como o Brasil. Nesse quadro, renasce o fascínio por ideias desastrosas de política econômica, que tantos danos já nos causaram no passado.

Mesmo num país com reservas internacionais elevadas e sem dívida externa ou déficit em conta corrente relevantes, não convém relaxar. Nossa história recente recomenda que, para 2023, melhor se inspirar em 2003 do que em 2011.

*Márcio G. P. Garcia, pesquisador visitante na MIT Sloan School of Management, é professor Titular do Departamento de Economia da PUC-Rio, Cátedra Vinci Partners, 

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