Valor Econômico
Reduzir impostos aumenta o déficit fiscal,
o que tende a dar mais alento ao dragão inflacionário
No Brasil e no mundo, a inflação tornou-se
o principal problema econômico. É impressionante a rapidez com que as previsões
de inflação se deterioraram. Há poucos meses, ainda havia analistas importantes
que defendiam ser a inflação nos EUA um fenômeno temporário. Hoje, está claro
que o dragão inflacionário não pretende ir embora tão cedo. Ao combatê-lo, é
importante que não se cometam erros já conhecidos.
É preciso deixar claro, desde o início, que as principais políticas públicas para lidar com a inflação são as políticas monetária e fiscal. E combate à inflação se faz apertando ambas as políticas: elevando juros e cortando déficit público. Terem vários dos choques inflacionários vindo pelo lado da oferta, primeiro, com os efeitos da pandemia sobre as cadeias produtivas e, depois, com a guerra na Ucrânia, não modifica o plano básico de combate ao dragão.
Um dos principais culpados pela alta
generalizada de preços é o petróleo, cujo preço disparou desde o início da
guerra na Ucrânia. O impacto dos derivados de petróleo sobre o custo de vida é
grande o suficiente para que vários governos ao redor do globo tenham se
mobilizado para mitigar a alta de preços. Corte de impostos para baixar o preço
dos combustíveis é medida que vem sendo gestada nos EUA, no Brasil e em vários
outros países.
Ainda que vários impostos sejam excessivos,
como o ICMS sobre combustíveis em vários estados brasileiros, a medida
paliativa está longe de ser boa solução. Reduzir preços aumenta a demanda por
combustíveis, inclusive das parcelas mais ricas da população, o que agrava o
problema. Muito melhor é aumentar as transferências para os mais pobres, que
não conseguem comprar gás para cozinhar. E não se pode esquecer que há uma
emergência climática no planeta, e subsídios ao consumo de derivados de
petróleo vão na direção oposta do que se precisa fazer. E que, claro, reduzir
impostos aumenta o déficit fiscal, o que tende a dar mais alento ao dragão
inflacionário.
Uma medida que ajudaria a conter a alta de
preços e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade da economia, é a redução de
impostos sobre importações. Recentemente, no Brasil, foram reduzidas as
alíquotas do imposto de importação sobre diversos produtos. Seria bom
aproveitar mais este momento para avançar na agenda de abertura da economia
brasileira.
Mas, ao fim e ao cabo, o papel central no
combate à inflação cabe sempre à política monetária. Os bancos centrais dos
países avançados, tendo acordado tarde, estão tentando tirar o atraso,
aumentando os juros mais rapidamente e fazendo o aperto quantitativo (venda ou
vencimento de títulos em carteira nos bancos centrais). Será difícil dosar o
aperto de forma a obter o almejado “soft landing” (aterrisagem suave), sendo
muito provável que acabe ocorrendo uma recessão.
No Brasil, o Banco Central recuperou-se da
redução excessiva dos juros, elevando-os rapidamente. A taxa Selic saiu de 2%,
em março de 2021, para o atual nível de 13,25%, devendo ainda o ciclo de alta
continuar pelo menos até agosto. Uma elevação notável sob qualquer critério. E,
se os juros forem mantidos nesse elevado patamar por vários meses, à medida que
a inflação e as expectativas de inflação começarem a cair, subirão os juros
reais, ajudando no combate à inflação.
Ainda que as previsões de mercado indiquem
alto risco de que a meta para a inflação em 2023 não seja atingida, a inflação
deve, de fato, cair significativamente nos próximos meses. Se cairá mais ou
menos rapidamente vai depender em grande medida de novas surpresas que virão a
ocorrer. Dada a instabilidade do ambiente internacional e nacional, é esperada
a ocorrência de surpresas, boas ou más, embora não saibamos quais serão. Seja
lá o que o futuro nos aguarda, a autonomia do BC, cujo presidente tem mandato
até 2024, dá credibilidade à promessa de que a inflação será mantida sob
controle.
A principal ameaça ao sucesso da estratégia
antinflacionária do Banco Central continua sendo a política fiscal. Em que pese
o fato de que o que restou do sistema de freios e contrapesos da política
fiscal ter conseguido, até aqui, impedir um estouro das despesas, convivemos
diariamente com ameaças de novas expansões de gastos, quase sempre
eleitoreiras. Trata-se de situação peculiar: as estatísticas fiscais, que
refletem o passado, mostram melhora, mas os indicadores de risco fiscal, que
refletem previsões para o futuro, apontam na direção oposta.
A conjuntura internacional para o início do
próximo mandato presidencial é bastante desafiadora, tendo em conta a alta
probabilidade de um ambiente de estagflação (recessão com inflação) e juros
altos nos países avançados. Uma combinação muito ruim, especialmente para
mercados emergentes, como o Brasil. Nesse quadro, renasce o fascínio por ideias
desastrosas de política econômica, que tantos danos já nos causaram no passado.
Mesmo num país com reservas internacionais
elevadas e sem dívida externa ou déficit em conta corrente relevantes, não convém
relaxar. Nossa história recente recomenda que, para 2023, melhor se inspirar em
2003 do que em 2011.
*Márcio G. P. Garcia, pesquisador visitante na MIT Sloan School of Management, é professor Titular do Departamento de Economia da PUC-Rio, Cátedra Vinci Partners,
Deus nos livre de uma inflação como a do passado!
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