Valor Econômico
Com ódio, fome e pressa, o Brasil emparedou
o bolsonarismo e o deixou sem saída à vista
Os mais pobres declararam oposição ao
governante de plantão. Nunca o haviam feito de maneira tão acachapante a esta
altura da campanha. Bolsonaro conseguiu ganhar em 2018 sem o voto majoritário
deles. Feito inédito. O problema é que, ao aumentar a pobreza do país que governou,
o próprio presidente colocou tijolos a mais no muro que agora parece
intransponível. Com ódio, fome e pressa, o Brasil emparedou o bolsonarismo.
Cedo demais?
Aos números - do Datafolha, que permite a
comparação desde 2002, e com a intenção de votos espontânea, a menos poluída de
todas. É quando o eleitor, sem pegadinhas e listas por ordem alfabética ou
escalafobética, responde de bate pronto em quem vai votar. Nesta última rodada,
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem 38% e o presidente Jair Bolsonaro,
22%. Nunca houve, nos últimos 20 anos, uma rodada do instituto que tenha
detectado uma intenção de voto espontânea tão polarizada - e tão alta para o
líder - a esta altura do campeonato.
O eixo que divide os dois polos é renda. E isso não poderia estar mais claro. Entre aqueles que ganham até dois salários mínimos, Lula vai a 43% e Bolsonaro cai para 15%. Está melhor que em 2018, quando tinha metade disso entre os mais pobres no início de junho. O problema, para Bolsonaro, é que o PT está muito melhor.
Lula elegeu-se em 2002 com uma vantagem
maior entre os mais aquinhoados e de maior instrução. Mudou este perfil
eleitoral em 2006, quando pôs o Bolsa Família na vitrine. De lá pra cá, os mais
pobres nunca mais deixaram de ser o abre-alas do PT. Mas nunca haviam tomado a
avenida como agora. Bolsonaro reverterá? Difícil. Tentou o Auxílio Brasil, mas
a outra rodada do Datafolha já havia mostrado que sua avaliação é até pior
entre os beneficiários.
E se o governo resolvesse despejar gasolina
de helicóptero? Paulo Guimarães, professor de estatística aposentado da
Unicamp, está na estrada desde 1989, quando fez a campanha de Leonel Brizola.
Este ano, já fez rodadas qualitativas para quase todos os candidatos, é o
analista de pesquisas da campanha à reeleição de Rodrigo Garcia (PSDB-SP) e tem
sido consultado por Sidônio Pereira, marqueteiro de Lula e seu parceiro no
atendimento ao governo da Bahia.
“Já passou do ponto de retorno”. Primeiro
porque o governo não tem como dar um subsídio que faça diferença. A carência é
tamanha que as pessoas que tiveram acesso ao vale-gás continuam a cozinhar com
lenha e usaram dinheiro para comprar comida. E depois porque estão com ódio
mesmo. Nos grupos que conduz, Guimarães só ouve xingamento. Quanto mais pobres
e mais precarizados, mais xingam. Na foto do Datafolha isso aparece no
cruzamento que contrasta a intenção de voto espontânea para Bolsonaro entre os
assalariados sem registro (18%) com aquela colhida entre empresários (49%).
Por mais que temas como a morte, sob
tortura da Polícia Rodoviária Federal, de Genivaldo Santos, tenham mobilizado a
opinião pública, Guimarães não vê impacto da violência policial sobre o voto.
Quanto mais endêmico o problema, menor capacidade tem de pautar o eleitor. A
violência seria um desses. As polícias nunca pegaram leve no Brasil. Ninguém
vai acreditar se alguém prometer que vai controlá-las. O que faz a cabeça do
eleitor é ser desprovido de algo de que tinha ou vice-versa. Quando o adversário
é aquele que já ofereceu algo que hoje lhe falta, aí o incumbente está perdido.
Por isso, o foco de Lula é na renda.
É da renda - e dos eleitores de Ciro Gomes
- que Guimarães vê a chance de a fatura ser liquidada no primeiro turno. Diz
que, da mesma forma que em 2018, quando Bolsonaro fez escada nos costumes para
tentar evitar a segunda rodada, Lula tem de encontrar a urgência da vez. As
pesquisas sugerem que a encontrará na desesperança do eleitor face à melhoria
de vida sob o bolsonarismo.
Professor da Universidade Federal de Minas
Gerais e diretor do Quaest, Felipe Nunes vê menos chances de a disputa ser
encerrada no primeiro turno. Não apenas pelo histórico das disputas
presidenciais - apenas duas (FHC I e FHC II), de oito, se encerraram no primeiro
turno - como pela resiliência daquele quarto do eleitorado que, nos seus
levantamentos, ainda resistem a Lula ou Bolsonaro.
À raiva pelo empobrecimento soma o medo da
violência que, desta vez, trocou de sinal. Em 2018 uma das alavancas de
Bolsonaro foi o impacto da criminalidade sobre pobres e ricos, indistintamente.
Desta vez, Nunes vê indícios de que o medo permanece, mas é da polícia e vem
dos mais pobres. Por isso, a truculência da PRF ressoou.
Nunes reitera a radicalidade da polarização
dos eleitores que já se definiram mas não a circunscreve ao viés de renda. De
fato, nos cruzamentos do Datafolha, a eleição está polarizada de A a Z. Basta
ver a vantagem de Lula sobre Bolsonaro na intenção de voto espontânea entre
eleitores com ensino fundamental (43% x 17%), mulheres (39% x 18%), do Nordeste
(49% x 15%) e pretos (44% x 17%).
Essa polarização não parecia estar nos
planos do PT que tenta afastar Lula de carimbos como “pai dos pobres” com a
transversalidade de temas como a defesa da democracia. A julgar pelo que se vê
no Datafolha, porém, a paternidade arrisca se estender às mulheres, aos
eleitores de baixa escolaridade, aos pretos e nordestinos.
Nunes teme a extensão, no Brasil, para o
fenômeno da “polarização afetiva” que, nos Estados Unidos, transformou
democratas e republicanos, pró-vacina e antivacina, abortistas e não
abortistas, pró-armas e antiarmas, de adversários em inimigos. Vê nesta divisão
a semente para comportamentos autoritários.
A polarização mostrada pelo Datafolha,
porém, sugere uma brecha para que o fenômeno não se repita aqui. A intenção de
voto de Lula sobre Bolsonaro alarga-se, de fato, em determinados segmentos, mas
o candidato petista não vai mal nos demais. Ganha também entre homens brancos.
Apertado, mas ganha. Chega perto do presidente no Centro-Oeste, região mais
chapa-branca, e está melhor entre os evangélicos do que o PT esteve em 2018.
O fosso maior, mesmo, é na renda. Em nenhum
recorte, a diferença na intenção do voto lulista é tão grande quanto entre
pobres e ricos. Visto que os primeiros são a maioria do eleitorado, a
polarização favorece Lula. O que se eleva é o preço de um estelionato eleitoral
em 2023. Mas esta é outra história. O que resta saber é o que Bolsonaro e seus
sócios farão com indícios tão claros de um comportamento desfavorável do
eleitor a quatro meses da eleição.
Pois é,os mais pobres estão com mais medo da polícia que da criminalidade.
ResponderExcluir