O Globo
1977 só foi um bom ano para a liberdade de
expressão no Brasil do ponto de vista simbólico. Estávamos em uma ditadura
militar e, portanto, havia censura nos meios de comunicação e nas artes. Mas
havia uma incipiente, porém resistente, brisa soprando para lado certo.
Ao assumir a Presidência, Ernesto Geisel
deixou saber que o compromisso do governo era com a abertura do país, embora
“lenta e gradual”. O papel da imprensa, submetida a uma censura rígida, seria
fundamental no projeto, que tinha, dentro dos próprios militares, seus
adversários.
Ao mesmo tempo em que o secretário de
imprensa, Humberto Barreto, ampliava seus contatos com jornalistas, os meios de
comunicação tentavam alargar o espaço democrático da informação publicando
análises e comentários que iam ficando mais explícitos.
Dois manifestos foram fundamentais para empurrar à frente a roda da História. Um, de intelectuais, pedindo o fim da censura nas artes. Outro, de jornalistas, contra a censura e a favor da liberdade de imprensa. A censura foi ficando cada vez mais anacrônica, até desaparecer.
Os jornais nasceram no século XIX, com a
Revolução Industrial e a democracia representativa. A opinião pública surgiu
por meio, principalmente, da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade
civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas
reivindicações no campo político.
Não é à toa, portanto, que o surgimento da
opinião pública está ligado ao surgimento do Estado moderno. Também não foi à
toa que a censura à imprensa foi parte substantiva do controle da ditadura
sobre a opinião pública. Assim como permitir a liberalização gradativa da
liberdade de imprensa contribuiu para criar um ambiente propício para a
abertura política.
É justamente essa a atribuição da imprensa:
fazer com que o Estado conheça os desejos e as intenções da nação, e com que
esta saiba os projetos e desígnios do Estado. A definição do teatrólogo americano
Arthur Miller, de que “um bom jornal é uma nação conversando consigo mesma”,
explica por que os governos ditatoriais ou autoritários não querem essa
conversa republicana entre as diversas faces da nação.
No sistema democrático, a representação que
sai das urnas é fundamental, mas a legitimidade dessa representação depende
fundamentalmente da informação. O jornalismo, seja em que plataforma se
apresente, continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em
torno do projeto democrático.
Justamente por isso é que, superada a
ditadura, nos vemos agora às voltas com um governo autoritário, que tenta
cercear a liberdade de expressão, seja nas artes ou no jornalismo. O governo
Bolsonaro serve de exemplo dos problemas que governantes criam para incentivar
a desmoralização dos meios de comunicação. O espírito dos manifestos de 1977
continua sendo necessário para defender a democracia.
Bolsonaro é contra a liberdade de expressão apenas de quem fala a verdade.
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