O Globo
'A lanterna na popa’ é o título do
excelente livro de memórias escrito pelo ex-ministro e embaixador Roberto
Campos, editado pela Topbooks em 1994. Tem a ver justamente com a visão do
passado aos olhos do presente. A metáfora, desse modo, é virtuosa. A proposta
de programa divulgada nestes dias pelo PT está baseada na versão perniciosa da
lanterna na popa. Tenta voltar a um passado de glórias e se esquece do futuro.
Certa vez, em 1983, com o país ansiando por eleições diretas, uma entrevista
coletiva do então governador de São Paulo, Franco Montoro, foi interrompida por
alguém que gritou do fundo da sala, incomodado com a obviedade das propostas:
“Farol alto, Montoro, farol alto”. Era o jornalista e escritor Otto Lara
Resende, que faria 100 anos neste ano e será celebrado pela Academia Brasileira
de Letras (ABL), de que fez parte. E ele provocou: “Por que você não lidera uma
campanha pelas eleições diretas? ”. O resto é História.
Pois o farol do PT, em vez de alto, ilumina o passado. Quando é um passado virtuoso,
como a política de meio ambiente, muito bem. Mas o ex-presidente Lula deixa de
ser uma contraposição ao atual presidente Bolsonaro quando não resiste a
medidas populistas. Como faz agora, ao falar da crise do preço dos
combustíveis. Desafiou ontem, numa entrevista, Bolsonaro a ter coragem de dizer
“basta” à Petrobras, determinando, “com uma canetada”, que a estatal deixe de
repassar a alta internacional dos preços do petróleo aos consumidores:
— Vocês vão ver que toda essa briga da redução do ICMS não vai resultar na
bomba nem no botijão de gás nem no diesel, aquilo que ele [Bolsonaro] está
criando de expectativa.
Lula deu sua receita:
— O que poderia fazer era o subsídio em cima desse lucro enorme da Petrobras.
Ora, tudo de que Bolsonaro gostaria seria resolver essa questão “com uma
canetada” e subsidiar o preço dos combustíveis com os dividendos da Petrobras,
que, segundo Lula, teve “lucros enormes”. Já mudou o presidente da Petrobras
três vezes, mas esbarra sempre na legislação e nas normas internas, criadas com
rigor justamente para evitar que o governo, acionista majoritário, abusasse de
seu poder como aconteceu nos governos petistas.
Nada mais parecido que o raciocínio dos dois para resolver um problema
complexo: uma solução simplista e errada. Bolsonaro quer torrar a privatização
da Eletrobras, mais os dividendos da Petrobras, para subsidiar um combustível
do passado. A declaração, que parecia improvisada, de Lula dizendo que vai
“abrasileirar” o preço dos combustíveis está reproduzida no programa de
governo, em linguagem mais elaborada:
— No caso dos preços dos combustíveis e tarifas de energia elétrica, é
necessário implementar políticas que envolvam a consideração dos custos de
produção no Brasil, os efeitos sobre os orçamentos dos consumidores e a
expansão da capacidade produtiva setorial.
A mágica de regulação dos preços já foi tentada no governo Dilma e resultou
numa crise econômica que enfrentamos até hoje. No programa do PT há apenas
citações passageiras sobre os combustíveis do futuro: “mudar o padrão de
consumo de energia no país, participando do esforço mundial para combater a
crise climática”; “avanço da transição ecológica e energética para garantir o
futuro do planeta, apoiando o surgimento de uma economia baseada na biodiversidade
de todos os biomas brasileiros”.
Quanto ao papel da Petrobras nessa transição, poucas linhas, a não ser a
indicação de que a estatal “será colocada de novo a serviço do povo brasileiro,
e não dos grandes acionistas estrangeiros”. Como “de novo?”. Os fatos
demonstram que a estatal foi colocada a serviço dos petistas e de seus aliados
políticos, além de ajudar na política externa dos países esquerdistas vizinhos,
como no caso da refinaria Abreu e Lima, feita para agradar a Chávez, o
protoditador venezuelano que nos deu um calote bilionário.
O PT se gaba, em seu projeto de governo, de ter instituído “uma política de
Estado de prevenção e combate à corrupção e de promoção da transparência e da
integridade pública”. Mas “se esquece” de mencionar o mensalão e o petrolão,
esquemas corruptos financiados com dinheiro desviado. O PT volta a apostar no
pré-sal, antes chamado de “bilhete premiado”, agora de “passaporte para o
futuro”, que “ajudará o desenvolvimento brasileiro e a transição energética,
tanto no desenvolvimento tecnológico como nos próprios projetos de expansão de
fontes renováveis de energia”.
Merval Pereira e sua antipatia-lulista.
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