O Globo
O Banco Central disse que há incerteza sobre o futuro do arcabouço
fiscal e que o corte de impostos reduz a inflação a curto prazo mas eleva no
futuro. Disse ainda que aumentaram os riscos globais. De fato, ontem foi o
dia de ver isso. O Fed elevou a taxa de juros, em 0,75 ponto, pela primeira vez
em três décadas, o BCE se reuniu e há muitas dúvidas sobre a economia da China.
O BC avisou que os juros vão subir mais até que haja “ancoragem” das
expectativas. O Brasil está vivendo um violento choque de juros. Há pouco mais
de um ano a Selic estava em 2%.
O debate no mercado é se o Banco Central foi duro ou não em seu recado após a reunião. Acho que deixou sim um forte recado. O país está crescendo um pouco mais que o previsto, e isso o comunicado pontuou, mas ele alertou para os problemas certos. Dúvidas fiscais, mudanças nos impostos agora que vão rebater nos preços mais adiante e um cenário global totalmente imprevisível. Não disse, mas no cenário brasileiro tem ainda o momento decisivo do conflito institucional que Jair Bolsonaro alimenta sem cessar há três anos e meio.
Há inflação no mundo inteiro, mas no Brasil
existem causas locais. O que há de comum entre Brasil e Estados Unidos, onde os
bancos centrais subiram os juros ontem, são os choques provocados pela
pandemia, pela guerra na Ucrânia e pelo fechamento da China para evitar uma
nova onda de Covid. Isso teve efeitos em todos os países.
Na entrevista coletiva do presidente do
Fed, Jerome Powell, ontem, ficou claro que lá há muitas pressões inflacionárias
vindas do mercado de trabalho. No Brasil, isso não acontece. O desemprego nos
Estados Unidos está em 3,6%, com aumentos de salários e ofertas de vagas que
não conseguem ser preenchidas. Por aqui, a taxa de desocupação caiu, mas
permanece em dois dígitos (10,5% em abril) e o rendimento médio real recuou 7,9%
sobre o mesmo mês do ano passado.
A inflação brasileira subiu mais do que a
da maioria dos países durante a péssima gestão de saúde na pandemia, e também
pelos ataques à democracia desfechados por Bolsonaro. Ontem o câmbio caiu. Mas
um olhar mais amplo mostra o tamanho do problema. O dólar saiu de R$ 4,02, no
início de 2020, chegou a R$ 5,87 e recuou para R$ 5,02 no fechamento de ontem.
Isso quer dizer que a moeda americana subiu 25% nesse período e empurrou para
cima a inflação brasileira.
Apesar do aumento dos juros pelo Fed, a
reação dos mercados ontem foi positiva porque o receio era de que o comunicado
do banco fosse ainda mais duro. Um economista disse que foi “0,75 p.p. com viés
dovish”, ou seja, ele avisou que não vai continuar apressando o passo. Powell
disse que um aumento de 0,75 ponto não será usual.
O mercado piora na expectativa e melhora no
fato. Todo mundo com medo do 0,75 ponto de alta do juro americano e, quando ele
acontece, as bolsas sobem, caem os juros no mercado futuro, valorizaram-se as
moedas de países emergentes. Parece estranho, mas assim é. Permanece o desafio
americano de trazer a inflação para a meta sem que o país entre em recessão. A
previsão do crescimento está sendo revista para baixo. Era 4% no início do ano,
foi para 2,8% e ontem caiu a 1,7%.
A economia continuará nos próximos meses em
ambiente bem negativo. Estados Unidos tentando derrubar a inflação, mantendo
algum crescimento. Europa tentando evitar inflação e recessão. China crescendo
bem menos do que tem sido a sua média. E o Brasil vai atravessar meses difíceis
na mais tumultuada eleição desde a redemocratização. Em 2018, houve bastante
tensão, mas agora o próprio presidente é o conspirador em chefe nos ataques à
democracia brasileira. Bolsonaro segue fielmente o mesmo roteiro de agressões
que outros autocratas comandaram. Alguns com grande sucesso.
A inflação deve cair nos próximos meses, como disse o Banco Central, pelo efeito das reduções do ICMS dos combustíveis e outras quedas de impostos federais. Isso tem pouca chance de ter efeitos eleitorais. Até porque o petróleo subiu para o patamar de US$ 120 e o dólar permanece instável. Os preços estão sendo manipulados na Petrobras, mas não se sabe até quando. Para Bolsonaro a economia não vai melhorar a tempo, mas ele pode piorar bastante o cenário para o futuro próximo. O BC continua sozinho na luta contra a inflação.
Míriam Leitão escreve sobre economia com uma clareza impressionante!
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