O Globo
Tanques do Exército na avenida Presidente
Vargas, no Rio, carretas blindadas escoltadas por viaturas da Polícia num
cortejo que foi até o Galeão, onde fardos foram descarregados nos aviões da FAB
que partiram para todo o Brasil. Aquele aparato era visto com esperança de um
novo tempo na vida do país. Na quinta feira, 30 de junho, o desafio logístico
tinha sido cumprido e, com alegre expectativa, o país foi dormir esperando a
sexta-feira, primeiro de julho. O real nasceu após vários fracassos das
políticas de controle ou de congelamentos de preços.
Isso foi há 28 anos. Aquela movimentação bélica no centro do Rio, que pôde ser vista no mês de junho de 1994, era a distribuição das novas cédulas que amanheceriam no dia primeiro de julho em todo o Brasil. O que se queria era ganhar também a guerra das expectativas. A visão das novas notas de real tinha que sepultar as cédulas do dinheiro velho. Aquela seria a quinta troca de nome da moeda em oito anos. Mas o que os formuladores do plano queriam é que fosse a última. E o nome ficasse, assim como a moeda. Por isso a promessa era de trocar todo o meio circulante do país e encomendaram à Casa da Moeda 1,15 trilhão de cédulas e 330 bilhões de moedas. Hoje, o mundo monetário mudou radicalmente e já se aposta no fim do dinheiro físico. Mas a inflação voltou a assombrar.
Quando escrevi o livro “Saga Brasileira”
contando a luta do país contra a hiperinflação, que consumiu a primeira década
após a redemocratização, sabia que o preço dessa estabilidade era a vigilância
permanente. Escrevi na quarta capa. “Nessa saga, o inimigo foi vencido. Mas não
morreu. Ele está à espreita, atento a qualquer descuido do país.”
O fim da hiperinflação foi conquista da
democracia. É bom sempre lembrar. A proposta do desenvolvimento autoritário
fracassou redondamente e os militares saíram deixando a herança de uma superinflação
indexada como uma bomba que estouraria no colo dos governos civis. As várias
tentativas de acabar com a dinâmica da autorreprodução da inflação levaram as
taxas a patamares cada vez mais altos. A armadilha monetária foi criada pelos
governos militares e foi desarmada pelos civis.
A democracia estabilizou a moeda,
equacionou a dívida externa, acumulou reservas, colocou as crianças de 7 a 14
anos na escola, criou o SUS, iniciou o processo de inclusão dos negros,
demarcou terras indígenas, modernizou o ato de votar com a urna eletrônica. Há
uma longa lista de conquistas para mostrar aos que, ainda hoje, desprezam a
democracia.
Atualmente enfrentamos um surto
inflacionário, mas nada que se pareça com o passado que foi derrotado naquele
plano. O Real usou nova engenharia monetária, especialmente brilhante, com a
criação de uma unidade de conta virtual, a URV, que carregava a semente da nova
moeda. Mas não foi apenas isso. Os anos que se seguiram foram desafiadores com
crises bancária, cambial, fiscal e externa. Mudanças incrementais e reformas
tiveram que ser encaradas. As privatizações, feitas principalmente no governo
Fernando Henrique, aceleraram a modernização econômica, como na área de
telecomunicações.
Na reta final deste infeliz mandato
presidencial de Bolsonaro, o que se vê é a volta de truques e controles de
preços para tentar conter a inflação. Sabemos de vida vivida que nada disso
funciona e provoca perversos efeitos colaterais. Em desespero para reverter o
quadro adverso nas pesquisas, o presidente e seus asseclas, na política e na
equipe econômica, preparam medidas demagógicas que ferem as leis fiscais e
eleitorais do país.
O que ficará do atual governante é o ataque
à institucionalidade e a busca de soluções autoritárias que atingiram todas as
áreas da vida nacional. Na economia, também. Este governo descumpriu a Lei de
Responsabilidade Fiscal muitas vezes mais do que a presidente Dilma Rousseff,
que sofreu impeachment por isso. Rompeu o teto de gastos tantas vezes que o
limite fiscal virou uma abstração. Está intervindo na Petrobras para controlar
preços de combustíveis como antigamente.
O entendimento que esse tempo distópico deixa é que o autoritarismo que está na alma deste governo contamina todas as suas decisões. Suas propostas para o Brasil são obsoletas e provocam retrocessos na política, na área social, na economia.
Míriam Leitão sabe das coisas.
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