quarta-feira, 1 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Pouco a apresentar

Folha de S. Paulo

Impopularidade de Bolsonaro se correlaciona à baixa atenção ao interesse público

É da natureza do governo Jair Bolsonaro (PL) a fidelidade aos interesses de grupos aliados —sejam policiais, militares, defensores de armas, ruralistas, evangélicos ou caminhoneiros— em detrimento da atenção ao interesse público.

Entre inúmeros exemplos, nesta terça-feira (31) a administração federal esteve novamente às voltas com o impasse criado pela insistência do mandatário em conceder reajustes salariais para as carreiras da área de segurança pública.

Como um governo previdente seria capaz de prever, a benesse injustificada despertou demandas das demais corporações do funcionalismo, cujos protestos e paralisações hoje prejudicam a prestação de serviços à sociedade.

Previu-se, então, um reajuste linear de 5% para todos os servidores, e a conta para os cofres públicos saltou do R$ 1,7 bilhão inicial para algo mais próximo dos R$ 8 bilhões —dinheiro que terá de ser remanejado de outras áreas.

Agora, muito tardiamente, constata-se o óbvio: para elevar os salários de profissionais que dispõem de estabilidade no emprego e remunerações das mais elevadas do país, é preciso retirar recursos da saúde, da educação, da ciência. E o presidente hesita diante de uma crise criada por ele próprio.

Boas políticas públicas dependem de providências cotidianas e invisíveis para a maioria. Trata-se de cotejar custos e resultados, fixar metas, negociar com os envolvidos, persistir nos rumos traçados, aprender com a experiência.

Avesso ao trabalho, Bolsonaro prefere o barulho. Troca duas vezes o comando da Petrobras em poucas semanas a fim de parecer fazer algo contra a alta dos combustíveis, assim como empilha ministros na Saúde e no MEC. Mesmo o Auxílio Brasil, de objetivos corretos, foi introduzido sem os devidos cuidados de elaboração e gestão.

O programa não tem sido capaz de reverter a impopularidade do presidente entre os eleitores de renda mais baixa. Segundo o Datafolha, 50% dos que ganham até dois salários mínimos consideram o governo ruim ou péssimo, e 20%, ótimo ou bom. Na faixa acima de dez mínimos, aprovação (45%) e reprovação (44%) são equivalentes.

Que fiquem claras, porém, as proporções: o primeiro contingente corresponde a 52% da amostra da população utilizada pelo instituto, e o grupo mais rico, a apenas 3%.

A maioria pobre ou mal remediada sofre os efeitos mais dolorosos da inflação acelerada, que ora parece o maior obstáculo às pretensões eleitorais de Bolsonaro.

A escalada de preços é fenômeno global, decerto, mas seu controle é dificultado aqui pelo enfraquecimento da disciplina orçamentária e pelo abandono das reformas.

Na campanha, o mandatário terá pouco a apresentar além da dedicação a pautas de aceitação minoritária na sociedade —do acesso a armas ao ensino domiciliar, do combate a multas de trânsito à recusa dos cuidados contra a Covid. Precisará apostar, ao que parece, na rejeição ao principal adversário.

Lamento sertanejo

Folha de S. Paulo

Em foco por celeuma entre artistas, gasto cultural de cidades merece escrutínio

A demonização dos mecanismos públicos de incentivo à produção cultural, simbolizados pela Lei Rouanet, foi uma das apostas da campanha presidencial de Jair Bolsonaro (PL) há quatro anos.

De maneira rasa e enviesada, o tema se converteu em bandeira da militância bolsonarista, sob o mote de que tais instrumentos constituiriam "mamata" em benefício de artistas engajados à esquerda.

Tal distorção, sob o efeito da polarização política neste novo ano eleitoral, está na raiz do entrevero em curso entre cantores da música sertaneja e a estrela pop Anitta. A polêmica foi deflagrada por uma provocação do cantor Zé Neto, da dupla Zé Neto e Cristiano, durante uma apresentação na cidade de Sorriso, em Mato Grosso.

O artista decidiu atacar a cantora carioca e vangloriar-se de não precisar da renúncia fiscal prevista pela Lei Rouanet. Ocorre que o show que serviu de palco para a diatribe estava sendo bancado por dinheiro público do município.

O episódio colocou sob holofotes uma realidade já conhecida: prefeituras pelo Brasil afora contratam shows com seus recursos orçamentários —assim como promovem festas populares, atividades esportivas, feiras e outros eventos. Se o dinheiro é bem utilizado ou não é questão que não deve estar imune a investigações.

Todas as despesas governamentais precisam estar submetidas a critérios que atendam aos interesses da sociedade. O princípio, nem sempre aplicado, vale de cachês para artistas a desembolsos com saúde, educação, segurança, obras, emendas parlamentares ou incentivo à atividade econômica.

No caso da cultura, levantamentos mostram que os municípios são os maiores responsáveis pelos gastos públicos no setor —seguidos pelos estados e, depois, pela União.

O tão comentado fomento pela Lei Rouanet, que tem caído de maneira significativa desde a pandemia, representa parcela diminuta do bolo e inclui o custeio de museus e outras instituições.

Trata-se de um mecanismo que tem um papel a cumprir, mas, como esta Folha tem defendido, não deveria enfatizar atividades que possam sustentar-se comercialmente.

São inaceitáveis cortes de verbas em áreas vitais

O Globo

O bloqueio de R$ 14 bilhões no Orçamento previsto pelo governo seria uma operação corriqueira de administração financeira da União se não misturasse três das características mais deletérias da gestão Jair Bolsonaro: o descaso com as necessidades reais do país, o oportunismo eleitoreiro e as obsessões ideológicas.

Admitamos, apenas à guisa de argumento, que seja mesmo necessário dar o reajuste linear de 5% que Bolsonaro prometeu ao funcionalismo público — algo que está longe de consensual. De onde tirar o dinheiro? Qualquer gestor minimamente capaz bloquearia as emendas do relator, o famigerado “orçamento secreto” estimado em R$ 16,5 bilhões neste ano. Não foi o que Bolsonaro fez, para não desagradar a sua base parlamentar do Centrão. Em vez disso, demonstrando seu descaso com as necessidades do Brasil, resolveu cortar em áreas essenciais como Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia.

A escolha também foi feita com objetivo nitidamente eleitoreiro: educação, saúde e ciência estão em segundo plano em relação ao público que em tese traria votos a Bolsonaro nas eleições presidenciais — em particular as corporações policiais, a quem ele prometera aumento, despertando as reivindicações no resto do funcionalismo.

Finalmente, é evidente o componente ideológico da decisão. Pouco importa que o MEC seja responsável por resgatar a educação brasileira do naufrágio com o fechamento prolongado das escolas na pandemia, pelo Enem, pelo nível do ensino superior, pelas bolsas de estudos dentro e fora do Brasil, pela gestão dos hospitais universitários e pelas universidades federais. Para o bolsonarismo, o ministério é apenas um campo de batalha na “guerra cultural” contra a esquerda, portanto alvo legítimo dos cortes.

Em nenhum momento os quatro ministros que passaram pela pasta manifestaram qualquer preocupação com a qualidade do ensino. Está claro que o atual ministro, Victor Godoy Vieira, não brigará pela revisão dos cortes, mesmo que a Educação precise de recursos para recuperar os estragos da pandemia. Tampouco o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, cuja pasta necessita de verbas não só para a vacinação contra a Covid-19, mas também para reforçar a vigilância sanitária em virtude do ressurgimento de doenças como sarampo, rubéola, caxumba ou catapora. Nada disso importa diante do desejo de manter o poder.

É inconcebível, por fim, o corte no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. O país precisa investir mais em pesquisa e desenvolvimento, e não menos. Centros de excelência têm de ser preservados e ampliados. A pandemia tem ressaltado a importância da capacidade científica. O próprio êxito brasileiro no agronegócio não ocorreria sem laboratórios especializados. A facada de R$ 2,9 bilhões na pasta retira 45% do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), abalando a espinha dorsal do financiamento público à ciência. Em nota, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, considerou o corte “um evidente ataque do governo federal à ciência brasileira”.

Mas Bolsonaro não está nem aí para ciência, educação, saúde, nem para os setores vitais do governo, muito menos para a população prejudicada. Importa apenas manter os recursos para o Centrão e garantir o dinheiro necessário para o projeto de reeleição.

Não dá mais para pôr a culpa em São Pedro pela tragédia das chuvas

O Globo

A cada tempestade de grandes proporções que provoca destruição e morte, o país repete um ciclo conhecido: o presidente sobrevoa a região num helicóptero, lamenta a “catástrofe”, enquanto se esforça para pôr a culpa no oponente político. O último exemplo é Pernambuco, onde mais de cem morreram desde o final de semana em virtude dos temporais. Levando em conta os casos recentes do Rio, Minas Gerais e Bahia, o Recife logo sairá da agenda. Até o próximo temporal. É lamentável, porque, embora se saiba que os eventos extremos se tornarão mais frequentes em razão das mudanças climáticas, o Brasil tem plena condição de enfrentar o desafio.

Não partimos do zero. Há no país 1.038 municípios com propensão a enchentes e desmoronamentos. Juntos, reúnem 29.554 áreas de risco, onde vivem 6,3 milhões, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Só neste ano, mais de 2 mil alertas foram enviados a eles — evolução notável em comparação aos 18 enviados em 2011 a apenas 56 municípios monitorados.

Apesar do avanço, passou da hora de o governo federal apresentar um plano nacional informando quantas moradias em áreas de risco precisam ser reforçadas e quantas deveriam ser destruídas, com realocação dos moradores. Não se trata de reurbanizar todos os bairros periféricos e favelas. Com uma estimativa de custo, ficaria mais fácil dimensionar as fontes de financiamento público, além de obter apoio técnico para as prefeituras tocarem os projetos. Governadores e prefeitos dariam uma contribuição inestimável se evitassem a chegada de mais gente às áreas mais perigosas. É uma vergonha que nada disso aconteça.

Dada a recorrência das tragédias, não bastará ter um bom plano. Enquanto casas não são reforçadas ou removidas, serão necessárias ações de mitigação. As equipes da Defesa Civil precisam de reforço e cobrança para ser mais ágeis. Campanhas de comunicação voltadas para conscientizar a população são imprescindíveis. Há relatos de áreas que já têm sirenes, mas de onde ninguém sai quando soam. “Evitar danos de desastres naturais é um desafio para os responsáveis por políticas públicas. É duro para um prefeito impedir que um cidadão que não tem onde cair morto construa seu barraco. Mas, como mostra o número de mortos, é preciso encarar a questão”, afirma Sergio Margulis, ex-economista da área ambiental do Banco Mundial.

Dados da Confederação Nacional de Municípios atribuem um prejuízo de R$ 55,5 bilhões às chuvas entre outubro de 2017 e janeiro deste ano. No mesmo período, meio milhão de habitações sofreram danos, e 16 mil vieram abaixo. As mortes passaram de 600, e os desalojados beiraram os 900 mil. Não dá mais para culpar São Pedro. Chega de passeios de helicóptero de autoridades sobre áreas inundadas apenas para fazer um vídeo de propaganda. Chega de inação irresponsável nas três esferas de governo antes dos desastres. Há soluções para reduzir as mortes e os danos. Elas precisam ser postas em prática o ano inteiro.

Recife e a catástrofe brasileira

O Estado de S. Paulo

As mais de 100 mortes pelas chuvas não são uma fatalidade, como diz Bolsonaro, e sim resultado da negligência do poder público, mais preocupado com eleição

Talvez aconselhado por algum assessor mais esperto a evitar passeios de jet ski em meio a tragédias nacionais, como tem sido seu hábito, o presidente Jair Bolsonaro se dignou a ir a Recife, cidade em que mais de cem pessoas morreram em temporais. Mas Bolsonaro não sujou os pés: limitou-se a fazer um rápido sobrevoo da região mais afetada e, depois, no seco, transformou a ocasião em comício de campanha com aliados e com candidatos que têm seu apoio em Pernambuco.

Sem dar sequer um telefonema ao governador Paulo Câmara (PSB), com quem deveria articular as providências para ajudar a população afetada e evitar novas tragédias no futuro, fez uma grosseira exploração política da catástrofe. No mórbido comício, falou sobre o auxílio emergencial e o Auxílio Brasil, e aproveitou para atacar os governadores pelo isolamento social na pandemia.

Adicionando insulto à injúria, Bolsonaro, em entrevista à TV Bandeirantes, sugeriu, no seu dialeto peculiar, que os moradores evitem construir casas “em locais que é sabidamente provável, em havendo um excesso de precipitação, a tragédia se fazer presente” – como se os pobres tivessem muitas outras opções. Fiel à sua necropolítica (“todo mundo morre”, “não sou coveiro”), deixou à população aterrorizada uma mensagem: “Infelizmente essas catástrofes acontecem”.

Bolsonaro, porém, não é exceção. Ele é apenas cândido: diz com todas as letras o que muitos outros só pensam. É a expressão crua de uma mentalidade que persiste no poder público, enquanto as pessoas vulneráveis continuam morando exatamente onde não podem morar. “Vivemos a síndrome do ‘céu azul’”, diagnosticou o bispo d. Gregório Paixão, por ocasião da tragédia recente em Petrópolis. “Depois que a chuva, a catástrofe passa, depois de alguns meses (...) a vida volta mais ou menos à normalidade e as coisas muitas vezes são esquecidas.” O que a população espera é ser surpreendida por governos que considerem isso inaceitável. 

A morte de mais de 100 pessoas no Recife, ao contrário do que diz Bolsonaro, não é uma fatalidade, é uma tragédia social. As três esferas federativas no Brasil precisam planejar urgentemente a implementação de uma reforma urbana que garanta o reassentamento de populações em áreas de risco e a regularização imobiliária apta a prover infraestrutura para áreas vulneráveis.

Segundo a ONU, o Brasil ocupa a 15.ª posição no ranking de países com maior população exposta aos riscos de inundação. Estima-se que, entre 2000 e 2019, 70 grandes inundações afetaram diretamente 7 milhões de pessoas e prejudicaram 70 milhões. Desde 2021, mais de 500 brasileiros morreram vitimados por temporais.

A vulnerabilidade das populações em áreas de risco é um problema sistêmico que, além dos impactos climáticos, envolve dimensões sociais, econômicas, tecnológicas e políticas. A minimização do risco é um desafio igualmente multidimensional.

A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, de 2012, estabeleceu os princípios de proteção e prevenção, como o estímulo a cidades resilientes e processos sustentáveis de urbanização; ao ordenamento da ocupação do solo, com vistas à sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos e da vida humana; ao combate a ocupações de áreas de risco; e a iniciativas de destinação de moradia em local seguro. Os entes municipais são os grandes protagonistas, conforme as diretrizes do Estatuto da Cidade, de 2011.

Até agora, no entanto, pouco se avançou com ferramentas básicas, como o cadastro nacional de municípios com áreas de alto risco e a elaboração das cartas geotécnicas de aptidão à urbanização. Ainda assim, um estudo da Fundação João Pinheiro identificou 821 municípios prioritários, que representam 94% das mortes e 88% das pessoas afetadas. Desses, 286 respondem por 89% das mortes e 58% das pessoas afetadas.

A CNM estima que, a cada R$ 1 investido em prevenção, se economizam R$ 7 na resposta. Entre 2010 e 2021, a União autorizou R$ 36,5 bilhões para os municípios, mas liberou apenas R$ 21 bilhões.

Sabe-se quais são as áreas de maior risco. Não faltam leis. Não faltam recursos. Falta vontade política. 

A guerra e a transição energética

O Estado de S. Paulo

Invasão da Ucrânia pela Rússia eleva os preços de petróleo, algo que favorece tecnologias verdes e que pode criar oportunidades para o Brasil

A invasão da Ucrânia pela Rússia completa três meses sem sinal de acordo para um cessar-fogo por parte de Vladimir Putin, com consequências desastrosas em termos de vidas perdidas, cidades destruídas e uma economia devastada, com alguns dos maiores polos industriais e portuários ainda nas mãos dos russos. Para a economia mundial, o principal resultado do conflito tem sido a explosão das cotações de petróleo, com preços sustentadamente acima de US$ 100 pressionando a inflação e levando a reflexões acerca da redução no ritmo da transição energética e a um consequente aumento nas emissões de carbono.

Se antes da eclosão da guerra analistas projetavam o fim da era do petróleo em 30 anos, o avanço nos preços do barril no mercado internacional tem sido um incentivo para a retomada de leilões em diversos países. Reportagem do Estadão mostrou que 15 licitações para exploração de petróleo e gás devem ser realizadas ao longo deste ano em países como Indonésia, Malásia, Angola e Estados Unidos, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Para ter uma ideia, houve apenas seis leilões em 2021 – dois deles no Brasil. Na outra ponta, membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) se recusam a aumentar a produção mesmo com preços mais altos, uma maneira de sustentar as cotações elevadas e a própria exploração de óleo por mais tempo. Essa postura tem beneficiado Putin de forma direta – nos dois primeiros meses da guerra, as exportações russas de petróleo para a União Europeia renderam o dobro do valor faturado no mesmo período de 2021, ainda que os volumes vendidos tenham sido praticamente iguais.

No curto prazo, a União Europeia precisará enfrentar um inverno rigoroso sem poder contar com o gás natural russo. O pragmatismo europeu permitiu a reativação de usinas a gás, óleo e carvão – principal alvo dos ambientalistas – e até a uma maior aceitação da energia nuclear, alternativa que vinha sendo rejeitada após o acidente em Fukushima, em 2011. O bloco europeu, no entanto, não alterou sua meta para redução das emissões – a tendência é que apenas o prazo para atingi-la seja relativamente esticado – e dobrou a aposta nas renováveis. Prova disso é o RePowerEU, pacote de mais de 300 bilhões de euros lançado nos últimos dias para tornar a região independente da energia russa até 2027. O plano prevê 12 bilhões de euros para a construção de estruturas de escoamento de gás natural e infraestrutura de petróleo, mas a maior parte dos recursos será investida em energia limpa e ações de incentivo à racionalização do consumo. O objetivo do plano é que as fontes renováveis atinjam 45% da matriz do bloco até 2030.

A explosão dos preços do petróleo e de seus derivados tem sido um duro golpe para o bolso dos consumidores em todo o mundo, mas, paradoxalmente, ela também favorece a competitividade de tecnologias verdes. Quando tudo está caro, investimentos em baterias, eletrificação, hidrogênio e combustíveis sintéticos para a aviação e transporte marítimo deixam de ser alternativas inviáveis. Nesse sentido, há quem diga que a guerra entre Rússia e Ucrânia pode até mesmo impulsionar a transição energética.

Todo esse contexto traz oportunidades enormes para o Brasil, que tem uma posição de liderança em energia limpa entre as maiores economias do mundo. Em recente entrevista ao Estadão, o presidente da consultoria de energia PSR, Luiz Barroso, destacou que este potencial é uma alavanca que pode acelerar o rumo para uma economia de baixo carbono global. Segundo ele, novas tecnologias, como o hidrogênio e amônia verde, podem contribuir até mesmo para reduzir a dependência nacional de importações de fertilizantes. O hidrogênio é a principal aposta da Europa para substituir o gás russo e, eventualmente, pode se tornar um dos principais itens da nossa pauta de exportações. Com algum nível de planejamento e ações coordenadas, o País poderá aproveitar essa janela para finalmente retomar um crescimento econômico sustentável. Que, desta vez, ela não seja perdida. 

O espaço público sitiado

O Estado de S. Paulo

Arrastões na Virada Cultural mostram o hiato entre o ideal de ocupação do espaço público e a realidade da violência

O espaço público, por definição, é de todos. E a população só tem a ganhar quando pode usufruir de ruas, praças e demais áreas da paisagem urbana. Ainda mais quem vive em uma cidade do tamanho de São Paulo e se vê diante da oportunidade de, gratuitamente, ir a shows com músicos renomados. Por isso mesmo, são bem-vindas iniciativas que convidem pessoas de todas as idades a sair de casa e a se divertir com uma programação variada.

Eis a proposta da Virada Cultural, iniciativa da Prefeitura de São Paulo que ganhou novamente as ruas no último fim de semana, após dois anos de pandemia. Oito bairros da cidade receberam atrações. Na região central, porém, o que era para ser uma festa ao ar livre deu lugar a lamentáveis cenas de violência e crime, com arrastões, roubos e brigas no Vale do Anhangabaú. 

A plateia de milhares de pessoas, no fim da tarde de sábado, incluía famílias com crianças − o que, por si só, é revelador da demanda por opções de lazer e cultura, especialmente baratas ou gratuitas. Nas ruas de acesso à área de shows, o policiamento revistou quem chegava, procedimento inédito para impedir a entrada de armas e garrafas de vidro, conforme relatou o Estadão

Por volta das 21 horas, porém, no show da cantora Margareth Menezes, cerca de 20 homens entraram em fila, no meio da multidão, e promoveram o primeiro de uma série de arrastões na área do Palco Viaduto do Chá. À exceção das vítimas, demorou até que mais gente entendesse o que estava acontecendo. Houve pânico e correria. Mais tarde, brigas ampliaram a confusão. A reportagem do Estadão testemunhou o momento em que um homem ferido à faca foi levado de ambulância − segundo testemunhas, ele faria parte de um grupo que roubava celulares. Pelo menos seis pessoas foram presas por esse tipo de crime durante a noite.

Após a violência no primeiro dia, a Guarda Civil Metropolitana reforçou seu efetivo e a Polícia Militar passou a ter presença mais ostensiva. Ainda assim, no domingo à tarde, a cantora Luísa Sonza interrompeu sua apresentação diversas vezes, para chamar a atenção para furtos e brigas que ocorriam à vista de todos. A cantora, segundo relato do Estadão, chegou a dizer, na tentativa de conter roubos e agressões: “Aqui só temos espaço para amor.”

Ora, a julgar pelo que se viu nesta última Virada Cultural, batizada de Virada do Pertencimento, há um enorme hiato entre o ideal de ocupação do espaço público, cuja premissa básica é a segurança, e a dura realidade das ruas. Não à toa, policiais se referem à Virada Cultural como “Virada Criminal”, conforme relato do Estadão

Se a proposta é levar a população a compartilhar momentos de alegria em uma área que é de todos, ficou evidente que algo precisa ser feito. A começar pela melhor articulação entre a Prefeitura e as forças policiais. Assegurar a todos o usufruto do espaço público é desejável e necessário. Mas, por melhores que sejam as intenções, isso requer a garantia de segurança. Como demonstraram as lamentáveis cenas de violência registradas no último fim de semana, essa garantia não existe.

Cortes podem acentuar viés antissocial do orçamento

Valor Econômico

O orçamento desse que pode ser seu último ano de governo, manejado pelo Centrão, é um desastre e poderá ficar ainda pior com novos cortes

Movido a rompantes, o presidente Jair Bolsonaro não para de criar problemas evitáveis para si próprio. Os dilemas do bloqueio do orçamento são frutos do amadorismo do presidente, que mais uma vez pensou em privilegiar forças policiais - desta vez a Polícia Rodoviária Federal - com um reajuste salarial. Instigou a fúria do funcionalismo, que iniciou greves. Então Bolsonaro levantou a ideia de conceder 5% para os servidores - desagradando a todos. Até o início da noite de ontem, estava em dúvida se reajustava o funcionalismo ou aumentava o ticket refeição dos servidores em R$ 600.

O detalhamento do contingenciamento orçamentário depende dessas definições. Já há R$ 1,7 bilhão reservados para os policiais rodoviários e, segundo decreto publicado no Diário Oficial de ontem, contingenciamento de R$ 8,2 bilhões e outro, “preventivo”, de R$ 5,5 bilhões, para conceder os 5% ao funcionalismo - se essa for mesmo a solução final. A necessidade de bloqueio situa-se então entre R$ 14 bilhões e R$ 16 bilhões para acomodar essas duas intenções, mais os recursos necessários ao Plano Safra e pagamento de precatórios.

Se optar pelo reajuste de 5%, dificilmente os bloqueios fugirão aos padrões das prioridades do presidente. A julgar pela escolha dos titulares das pastas e pelo comportamento deles, Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia passam longe das preocupações de Bolsonaro e perderão ainda mais recursos do que já perderam no atual governo, que fez o que pôde para destruir essas três áreas.

Quando enxerga a nação, o presidente parece ver apenas a pátria fardada. O Ministério da Educação teve um corte total de R$ 3,18 bilhões no orçamento de 2022, o segundo maior entre todos os ministérios. A diminuição de recursos deixou à míngua vários programas educacionais, menos o das escolas cívico-militares, que vem aumentando de tamanho e cujas dotações passaram de R$ 18 milhões para R$ 64 milhões, figurando entre as 10 maiores despesas discricionárias do ministério, ainda que somem só 0,15% das escolas públicas (O Globo, 14 de maio). A expectativa agora é de novo enxugamento de R$ 3,2 bilhões.

Como diretriz para os cortes em ano eleitoral, o presidente definiu que as emendas parlamentares são intocáveis. Até o fim do ano, serão R$ 16,8 bilhões, com liberação de quase R$ 14 bilhões até o mês de outubro, quando os brasileiros irão as urnas. Não se sabe se as emendas do relator, não mencionadas no decreto do Diário Oficial, terão o mesmo tratamento.

O Congresso também elevou os repasses para as transferências diretas entre parlamentares e municípios, conhecidas como “cheque em branco”. Elas competem em astúcia e falta de transparência com as emendas secretas. Seu montante este ano equivale ao corte no orçamento da Educação, R$ 3,2 bilhões, livres de compromissos (O Estado de S. Paulo, ontem). O destinatário pode gastar o dinheiro como quiser, em pleno período eleitoral, sem que seja submetido a priori a qualquer fiscalização de qualquer órgão público. Os casos que se conhecem seguem a trilha usual - envio de verbas para familiares e parentes no comando de prefeituras.

Seria natural que a questão dos salários do funcionalismo, congelados há dois anos, fosse equacionada em 2023. Com sua obsessão por cativar policiais e militares, Bolsonaro mobilizou contra si a elite do funcionalismo público, que já recebe salários muito acima do que os dos contribuintes que os pagam.

As bases de apoio de Bolsonaro, de qualquer forma, poderiam esperar mais, pois que são bem remunerados e não podem ser demitidos. Levantamento do economista Daniel Duque, do Centro de Liderança Público, mostrou que entre 2012 e o primeiro trimestre de 2022, isto é, em uma década, os militares tiveram aumento real de 29,6% (O Estado de S. Paulo, 29 de maio), os maiores depois dos professores municipais, beneficiados pela criação de um piso salarial. Em terceiro lugar entre os maiores reajustes estão os policiais e bombeiros estaduais, com 25%. Boa parte desse avanço ocorreu na atual gestão.

Bolsonaro ignora preocupações sociais e desdenha a educação, apontada por 10 entre 10 especialistas como fundamental para o crescimento do país e de sua produtividade. Seu governo cortou em 35,5% as verbas da defesa civil, para prevenir catástrofes como as do Recife, por exemplo. O orçamento desse que pode ser seu último ano de governo, manejado pelo Centrão, é um desastre e poderá ficar ainda pior com novos cortes.

 

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