terça-feira, 14 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Amazônia sob o jugo do crime organizado

O Globo

A busca pelo indigenista e funcionário da Funai Bruno Pereira e pelo jornalista britânico Dom Phillips tem confirmado as piores suspeitas sobre o desaparecimento da dupla, que navegava no dia 5 de junho pelo Vale do Javari, na Amazônia, mas não chegou ao destino. De acordo com a família de Dom e diplomatas britânicos, os corpos dos dois foram achados mortos na floresta. A Polícia Federal (PF) desmentiu a informação, mas as autoridades descobriram documentos, roupas e objetos pessoais perto da casa do principal suspeito pelo desaparecimento, que continua preso.

Diante da repercussão internacional, o governo federal mobilizou Marinha, Exército, Força Nacional, Polícia Federal e Funai na busca. O presidente Jair Bolsonaro chegou a citá-la no discurso que fez na Cúpula das Américas. Infelizmente, os fatos não o eximem da responsabilidade por ter amplificado os conflitos numa região convulsionada por disputa de terras, desmatamento, garimpo e pesca ilegais. O aumento na devastação da floresta neste governo está comprovado por todos os levantamentos científicos.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro defendia intervir no Ibama e no ICMBio para acabar com o que chamou de “indústria de multas”, tida como ameaça aos “empreendedores” — os que desmatam para extrair madeira ilegal, depois queimam a floresta para transformá-la em pasto e envenenam os rios com o mercúrio usado em garimpos.

No Planalto, Bolsonaro contou com a ajuda inestimável do então ministro Ricardo Salles, para desmantelar as estruturas de fiscalização e punição de madeireiros e garimpeiros. Só em 2020 houve 41 casos de afastamento e aposentadorias de servidores de órgãos ambientais, de acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU). Houve recorde de processos administrativos disciplinares instaurados para pressionar a fiscalização: até setembro, 123 tramitavam no Ibama, maior número em 20 anos.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) constataram queda de 93% nas multas quitadas nos dois primeiros anos de gestão Bolsonaro, na comparação com a média anterior. Isso se reflete na impunidade que fez da Amazônia terreno acolhedor ao crime organizado. Ante a leniência do Estado, facções criminosas passaram a operar na região — onde funciona intensa rota de tráfico — como se estivessem numa favela carioca.

Apesar de Bolsonaro tentar negar a devastação, os satélites continuaram a registrá-la. No primeiro trimestre, a Amazônia perdeu 941 km2 de cobertura vegetal, batendo o recorde de 797 km2 nos primeiros três meses de 2020. Para ter uma ideia da conivência do governo com o crime, basta lembrar que a PF fez, no final de 2020, uma apreensão de 43.700 toras, a maior da História. Salles, ainda ministro, saiu em defesa dos responsáveis, entrou em choque com o superintendente da PF no Amazonas, e o desfecho do caso foi o inaceitável afastamento dele do cargo.

Cientistas afirmam que o desmatamento se aproxima do ponto a partir do qual a floresta não conseguirá mais se regenerar e temem a savanização da Amazônia. Bolsonaro é atacado dentro e fora do Brasil. Sobre Bruno e Dom, afirmou que provavelmente “fizeram alguma maldade a eles”. Pudera. Com a omissão do Estado, o animal mais perigoso na Amazônia e em seus rios hoje são os criminosos. Eis mais uma sequela da gestão antiambiental do governo.

Brasileiro mais pobre é resultado da maré global e de política social errática

O Globo

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na semana passada traduzem em números uma realidade conhecida: o brasileiro está mais pobre. O rendimento domiciliar mensal per capita de 2021 foi o menor desde o começo da série histórica da PNAD Contínua, em 2012. A reabertura da economia no ano passado e a recuperação de parte dos empregos foram incapazes de evitar o pior. A maré baixou para todos os barcos, mas os mais pobres sofreram mais. A população na metade inferior da pirâmide social passou a receber menos que R$ 415 per capita, redução de 15% em relação ao patamar de 2020. Comparada a 2012, a queda entre os 5% mais pobres foi de 48%. Sob qualquer ângulo que se olhe, é uma tragédia.

A pandemia provocou um retrocesso global na renda e aumentou a pobreza no mundo todo. O Brasil não foi exceção. Logo no começo da crise sanitária, em 2020, o governo de Jair Bolsonaro tornou-se destaque positivo ao lançar o Auxílio Emergencial, programa de renda mínima para mitigar os impactos econômicos da Covid-19. Países de tamanho e estágio de desenvolvimento comparáveis ao brasileiro, como o México, não incrementaram a transferência de renda e sofreram mais.

Infelizmente, o sucesso inicial deu lugar ao oportunismo eleitoreiro. A inflação de dois dígitos já corroía a renda dos brasileiros havia meses quando as tropas russas invadiram a Ucrânia, em fevereiro, provocando um choque nos mercados de combustíveis e grãos. Enquanto o Banco Central lutava contra a alta de preços, Bolsonaro fazia o jogo contrário. Preocupado em aumentar suas chances de reeleição, só queria saber de abrir o cofre para os políticos do Centrão esbanjarem verbas em obras de prioridade e seriedade questionáveis.

Não satisfeito, Bolsonaro decidiu mexer no Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo federal. O Auxílio Brasil, que o substituiu, aumentou o valor médio transferido, mas é regido por regras confusas e de difícil execução, como resultado de inúmeros movimentos erráticos. A vida do pobre piorou.

Mesmo que os eleitores decidam se livrar de Bolsonaro, a renda domiciliar não deverá melhorar de forma significativa tão logo. O Banco Mundial estima que a soma de pandemia, guerra na Ucrânia e inflação em alta aumentará, no final deste ano, o número daqueles vivendo em extrema pobreza no planeta em 75 milhões acima das projeções feitas antes do aparecimento da Covid-19.

Em 40% dos países pobres e emergentes, a renda per capita em 2023 deverá ficar abaixo do nível pré-pandemia. O Brasil, que já foi destaque positivo em políticas de transferência de renda e combate à pobreza, hoje sofre as consequências da maré global e da inépcia do governo Jair Bolsonaro.

Defesa e ataque

Folha de S. Paulo

Fachin evita embate após pasta dar mostra preocupante de alinhamento a Bolsonaro

Capitão reformado que deixou o Exército devido ao comportamento indisciplinado, Jair Bolsonaro (PL) sempre procurou associar-se ao estamento fardado, ora em busca de legitimidade, ora como instrumento de intimidação.

Ao longo de seu embate com as instituições, que chegou ao paroxismo no Sete de Setembro passado e está colocado como uma variável central da eleição de outubro, o presidente sempre buscou usar as Forças Armadas em seu favor.

Bolsonaro azeitou seu esforço com benesses, como cargos e reformas previdenciária e de carreira próprias. Porém houve atritos, como na crise que derrubou toda a cúpula militar e também o ministro da Defesa, em março de 2021.

Já o titular seguinte da pasta, general Walter Braga Netto, adaptou-se tão bem que hoje é o favorito a ocupar a vaga de vice na chapa presidencial de Bolsonaro.

Ele foi substituído pelo ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que agora reforça a recorrente carga bolsonarista contra o sistema eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral tentou desarmar o presidente da República ao chamar no ano passado os militares para participar de uma comissão sobre a transparência do pleito deste 2022.

O ministro Oliveira retirou o Exército, representado na comissão por um general, do embate —e avocou a si a interlocução. Àquela altura, o estrago estava feito: 88 perguntas haviam sido enviadas pelos fardados, boa parte delas em tom conspiratório descabido.

O TSE tentou dar o assunto por encerrado, tendo acatado uma dezena de sugestões dos militares. Não deu certo: na sexta (10), a Defesa retomou o ataque com um ofício à corte eivado de insinuações sobre os rumos da eleição e com uma reclamação de desprestígio.

"Até o momento, não houve a discussão técnica mencionada, não por parte das Forças Armadas, mas pelo TSE ter sinalizado que não pretende aprofundar a discussão", dizia o texto tortuoso.

A pasta não fala por toda a caserna, mas o ruído de lá emanado não deixa de causar desconforto. O ministério se rebaixa ao servir de linha auxiliar da estratégia bolsonarista de espalhar suspeitas sobre as urnas eletrônicas, mesmo sem dispor de uma mísera evidência.

O presidente do TSE, ministro Edson Fachin, preferiu contemporizar. Evitou o embate com as Forças Armadas, que tratou como uma das entidades habilitadas a acompanhar as eleições, e enalteceu o "diálogo interinstitucional".

O mesmo equilíbrio é esperado de Oliveira, ocupante de um posto fundamental da administração pública que não deveria estar envolvido na aventura do chefe que teme a derrota em outubro.

O viável contra armas

Folha de S. Paulo

Acordo bipartidário oferece esperança de maior controle sobre produtos nos EUA

Na esteira da comoção causada pelos mais recentes morticínios nos Estados Unidos, um grupo de senadores democratas e republicanos anunciou um raro acordo bipartidário para restringir, ao menos parcialmente, o permissivo comércio de armas naquele país.

Trata-se de passo significativo num tema que está entre os mais divisivos da sociedade americana.

Em geral, os conservadores de lá veem nas armas um símbolo de autonomia individual, consagrado pela segunda emenda da Constituição. Qualquer tentativa de restringir esse direito é entendido como ingerência indevida do Estado na vida privada e uma violação de garantias fundamentais.

Já as forças mais à esquerda defendem o aumento das restrições aos produtos. Seu principal e mais persuasivo argumento são as repetidas matanças de civis, crianças em particular, cometidas por atiradores que, sem maiores dificuldades, adquirem até rifles de assalto.

A população apresenta-se dividida, com pequena maioria (52% na mais recente pesquisa Gallup) favorável a ampliar os controles, embora outros levantamentos tenham registrado percentuais mais elevados após os últimos ataques.

No Congresso, onde o lobby armamentista tem presença forte, a cizânia partidária vem bloqueando há décadas qualquer avanço maior em torno da questão.

Daí a importância do acordo consagrado no domingo (12). Assinada por dez senadores de cada legenda, a proposta é um caminho do meio entre as ambições democratas e as restrições republicanas.

Dentre as medidas, a mais relevante talvez seja a que aumenta o rigor na verificação de antecedentes de menores de 21 anos, incluindo pela primeira vez registros de saúde mental e comportamento.

O plano prevê ainda incentivos federais para que os estados promulguem as chamadas leis de bandeira vermelha, destinadas a retirar armas de fogo de pessoas consideradas uma ameaça a si mesmas ou a outros, além de ações de combate ao comércio ilegal.

As intenções ainda precisam ser concretizadas em legislação, e discordâncias acerca de alguns detalhes podem atravancar o processo —para nada dizer da oposição de grupos pró-armas e de parlamentares refratários a mudanças.

A despeito dos obstáculos, o acordo é visto como a melhor oportunidade em décadas para sustar o armamentismo no país. Cumpre fazer o possível, não aguardar o ideal.

Bolsonaro é ruim para os negócios

O Estado de S. Paulo

Empresários precisam perceber que a ameaça do presidente de desobedecer ao STF e convulsionar o País é incompatível com um ambiente propício para empreender

O presidente Jair Bolsonaro foi aplaudido várias vezes por empresários reunidos em almoço na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) durante um discurso em que voltou a mentir sobre o sistema eleitoral, a atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a afirmar que não cumprirá decisões judiciais das quais discorda. 

Bolsonaro é o que é – um caso perdido. Mas é bastante preocupante, até mesmo contraditório, que um grupo de empresários compactue com essa retórica desestabilizadora. O interesse explícito de Bolsonaro em convulsionar o Brasil, investindo no caos institucional e social, é incompatível com um ambiente propício para o desenvolvimento dos negócios.

Referindo-se ao julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas, ainda a ser julgado pelo STF, o presidente tornou a afirmar que não cumprirá a ordem judicial a depender do que a Corte decida. “Se aprovar isso (a constitucionalidade do marco), o que eu faço? Decisão do Supremo não se discute, se cumpre. É isso?”, perguntou Bolsonaro à plateia. Em coro, os comensais reunidos na ACRJ responderam “não”. 

É o caso de perguntar se aqueles empresários, de fato, concordam com essa desabrida ode à insegurança jurídica, tão nefasta para o florescimento da atividade econômica em qualquer país, feita por ninguém menos do que o presidente da República – que pretende ficar mais quatro anos no poder. Decerto é possível discordar de decisões judiciais, e aí está o extenso rol de recursos à disposição das partes de uma lide; descumpri-las, no entanto, é algo inconcebível à luz do Estado Democrático de Direito consagrado desde o preâmbulo da Constituição. Se a desobediência parte do presidente da República em pessoa, trata-se de grave ruptura da ordem constitucional.

A mera menção à hipótese de descumprimento de ordens judiciais por parte do presidente deveria ser objeto de pronto e manifesto repúdio por parte dos empresários. Para quem investe tempo e capital para abrir ou expandir seus negócios, não há nada mais sagrado do que o respeito aos contratos – e o mais importante dos contratos numa sociedade genuinamente democrática é aquele pactuado entre os cidadãos na forma de sua Constituição.

Nesse contrato, está escrito, no artigo 102, que a “guarda da Constituição” é competência precípua do Supremo Tribunal Federal. Assim, goste-se ou não, a interpretação final dos termos do contrato constitucional é do Supremo. Desrespeitar ordens do Supremo, portanto, equivale a desrespeitar a Constituição. Se o “guardião da Constituição” é desacatado, “a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas”, como salientou em decisão de 1999 o então ministro Celso de Mello.

Logo, como se vê, um presidente da República não poderia nem cogitar de desacatar ordens do Supremo, pois somente a menção a essa possibilidade tem o condão de causar instabilidade. Por esse motivo, é incompreensível que empresários, que deveriam desejar a estabilidade, aplaudam a mera hipótese de uma ruptura, por mais fundados que sejam seus receios em relação a uma possível vitória do principal adversário de Bolsonaro, o petista Lula da Silva.

O movimento racional que é esperado de empresários ciosos da situação do País foi visto em setembro do ano passado. À época, mais de 240 importantes entidades representativas de diversos segmentos econômicos subscreveram um manifesto externando suas preocupações com a rusga entre Poderes da República e os reiterados ataques de Bolsonaro às instituições democráticas. São empresários que compreendem que a instabilidade política e jurídica pode ser muito boa para os interesses eleitorais do presidente-candidato, mas é péssima para o País e para os brasileiros. Vale dizer, são empresários que sabem muito bem que Bolsonaro é ruim para os negócios.

O perigo na sala de aula

O Estado de S. Paulo

Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP sobre esgotamento profissional mostra que professores precisam de apoio para solucionar conflitos nas escolas

A violência, infelizmente, está presente nas escolas do País. E não é de hoje. Casos de bullying, brigas entre alunos e agressões verbais ou físicas contra professores aparecem com frequência em levantamentos realizados nas redes de ensino. As consequências, por óbvio, são negativas para todos: além de prejudicar o convívio e a aprendizagem, uma rotina de violência pode afetar também o bem-estar emocional e a saúde dos profissionais da educação. De súbito, quem tem a missão de ensinar e de servir de exemplo vê-se esgotado, o que leva muitos professores, não raro, a faltar ao trabalho ou a sair de licença médica, interferindo no funcionamento das escolas.

O esgotamento profissional, chamado também de burnout, é frequente em diversas profissões, como o magistério. Administrar as tensões da sala de aula, deparar-se com falta de infraestrutura e lidar com problemas de gestão já são desafios suficientes. O que dizer, então, quando entra em cena a variável da violência, seja na forma de agressões físicas ou verbais por parte de alunos, pais, responsáveis e colegas de trabalho? Considerando que o Brasil tem 2,2 milhões de professores na educação básica, atuando em 178 mil escolas, percebe-se o tamanho do desafio.

A propósito dessa realidade muito conhecida, mas pouco estudada, uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) é bastante esclarecedora. A partir de entrevistas com 93 professores da rede municipal de São Paulo orientados a buscar apoio psicoterápico e que efetivamente procuraram o ambulatório de saúde mental do Hospital do Servidor Público Municipal, o levantamento identificou variáveis ligadas ao esgotamento profissional. Entre elas, ruídos em sala de aula, problema mencionado por 87% dos professores com algum grau de burnout, e incômodos com alunos, variável citada por 70%, conforme o Jornal da USP.

A violência física ou psicológica, claro, está na lista. E apresenta elevada correlação com casos graves de burnout. Dos 93 participantes do estudo, a maioria mulheres, 25 foram identificados com quadro grave de esgotamento em dois testes com metodologias distintas aplicados durante a pesquisa. Dos professores com burnout grave, 60% relataram ter sofrido agressões físicas ou verbais, principalmente ameaças ou constrangimentos, dentro da escola, nos 12 meses anteriores à entrevista. 

Os resultados foram publicados no artigo Violência contra professores da rede pública e esgotamento profissional, em março deste ano. As autoras, a doutoranda Elaine Cristina Simões e a professora da USP Maria Regina Alves Cardoso, defenderam que a violência nas escolas seja considerada também como dano ocupacional, já que se insere entre as prováveis causas de esgotamento. Outro ponto interessante é que as agressões, sem dúvida, contribuíram para o diagnóstico que deu origem à recomendação de que os profissionais buscassem apoio psicológico. Mas, conforme as autoras, a violência parece tão arraigada no ambiente escolar que as agressões não ensejaram, isoladamente, a procura por tratamento psicoterápico.

As pesquisadoras jogaram luz sobre como pode ser difícil, para professores, lidar com a violência de que são vítimas nas escolas, considerando que se trata de ambiente diversificado, onde, em princípio, caberia ao docente fazer a mediação. “É esperado que o educador lide com os conflitos na perspectiva da formação dos alunos, portanto, quando o alvo da violência é o próprio professor, a agressão pode ser vista por ele como sinal de seu fracasso”, escreveram elas.

As conclusões das pesquisadoras da Faculdade de Saúde Pública da USP precisam chegar aos gabinetes não apenas da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, mas das demais redes de ensino em todo o País. É notório que a educação enfrenta desafios multifacetados e que seus profissionais precisam de apoio para enfrentá-los. A resolução de conflitos, uma das causas de burnout, tem que fazer parte da formação inicial e continuada de professores. Pela saúde dos profissionais e de seus alunos e pelo bem da educação. 

Vendendo o futuro com desconto

O Estado de S. Paulo

Projeto do governo que antecipa receitas de petróleo é eleitoreiro e merece ser ignorado e arquivado pelo Congresso

O envio de um projeto de lei ao Congresso para permitir que a União venda sua parte do óleo extraído das áreas do pré-sal a quatro meses das eleições resume a que ponto o governo chegou para tentar tirar a candidatura de Jair Bolsonaro de uma persistente estagnação. O fato de que a administração atual herdou uma proposta de privatização pronta da gestão anterior – o da capitalização da Eletrobras – e, ainda assim, levou três anos e meio para conseguir viabilizá-la já seria argumento suficiente para não levar a sério os planos para a PPSA, estatal responsável por gerir os contratos de partilha de petróleo. Mas o oportunismo atingiu um novo nível de desfaçatez nesse caso em particular.

São remotas as chances de que o Congresso aprove um projeto desse porte no último ano de mandato de um presidente que corre considerável risco de não se reeleger. A forma leviana como o governo tem tratado a temática do petróleo e gás tampouco ajuda a vender a proposta. Mesmo na improvável hipótese de a União obter autorização do Legislativo para vender sua parte nos contratos, teria que conquistar o aval não apenas da Petrobras, mas de outras 15 sócias na exploração das áreas, todas petrolíferas que ouvem o presidente Bolsonaro vociferar diariamente pelo controle de preços de combustíveis.

Pela proposta, segundo a exposição de motivos, seria possível receber, de uma só vez, e não mais ao longo de 30 anos, R$ 398,4 bilhões em receitas para o Orçamento de 2022. Se o País ainda respeitasse o arcabouço fiscal, esse dinheiro entraria para compor o superávit primário e abater a dívida pública, reduzindo seu custo. Mas há poucas dúvidas de que o próximo passo seria criar mais uma exceção para contabilizar despesas fora do teto de gastos. Algo que convenientemente não foi mencionado foi o deságio que o Executivo teria que aceitar nessa operação de antecipação de recebíveis – se o desconto fosse de 5%, já seriam quase R$ 20 bilhões a menos nos cofres do Tesouro.

Grandes produtores de commodities, como a Noruega, possuem contas equilibradas e uma preocupação de não drenar receitas de futuras gerações. O Brasil, por sua vez, não consegue prover o mínimo para milhões de pessoas que passam fome todos os dias, e mais da metade da população enfrenta algum grau de insegurança alimentar. Mas é essencial destacar que a miséria brasileira não advém da falta de dinheiro, como quer fazer crer o Executivo, e sim das péssimas escolhas da administração federal e do Legislativo, fielmente traduzidas em um Orçamento que se presta a abastecer campanhas políticas e preservar emendas paroquiais de qualquer corte em detrimento dos interesses da coletividade. 

O histórico da gestão Bolsonaro permite afirmar que as necessidades básicas da população serão usadas como mero pretexto para destroçar as contas públicas e manter arranjos políticos. Neste momento, portanto, toda e qualquer iniciativa deste governo merece ser desprezada pelo Congresso e arquivada pela atual legislatura, inclusive a relacionada à PPSA. 

Políticas erradas causam queda da renda e aumento da fome

Valor Econômico

Renda média per capita dos 5% mais pobres acumulou queda de 48% em dez anos

Dois indicadores sociais bastante negativos foram divulgados nos últimos dias, sem que o governo esboçasse reação. Um deles mostrou que 125,2 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar, que chega a ser grave e causar fome para 33,1 milhões deles, de acordo com levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O IBGE registrou o aumento da desigualdade em 2021 e a queda do rendimento médio mensal domiciliar da população para o menor patamar em dez anos.

A fome voltou a patamares registrados pela última vez nos anos 1990, de acordo com o segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 do Penssan, e a insegurança alimentar atinge mais da metade da população - 58,7%. O número dos que não têm o que comer aumentou 14 milhões em relação ao ano passado, mais do que a população da cidade de São Paulo (11,2 milhões) e mais de duas vezes o município do Rio (6,3 milhões). Em 2021, 19,1 milhões de pessoas estavam nessa situação, quase o dobro dos 10 milhões de 2018.

O levantamento mostra que a situação é mais grave entre a população rural, no Norte e Nordeste, em domicílios liderados por pretos, pardos e mulheres; e em famílias com crianças pequenas. Ficou para trás a conquista celebrada em 2013, quando o Brasil saiu do mapa da fome mundial ao circunscrever o problema a 4,2% dos domicílios, após uma década de políticas públicas de combate à pobreza e à miséria. O desmonte dessas medidas, o desemprego, a queda de renda, o agravamento da crise econômica, o acirramento das desigualdades sociais, dois anos de pandemia e, agora, a alta da inflação, sobretudo dos alimentos, contribuíram para a situação regredir.

Complementa o quadro a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2021: Rendimento de todas as fontes, levantamento do IBGE, que mostrou que a renda média do brasileiro foi de R$ 1.353 no ano passado e nunca esteve tão baixa desde quando o levantamento começou a ser feito, em 2012. Entre esse primeiro ano de pesquisa e 2014, a renda média do brasileiro cresceu 6,2%, mas começou a recuar em 2015 com o início da recessão no governo de Dilma Rousseff. Só voltou a crescer entre 2017, registrando um aumento de 5,2% até 2019. Com a pandemia, despencou 4,3% no primeiro ano e 6,9% em 2021, a maior queda da série na comparação com o ano anterior, acumulando perda de 11% nos dois anos.

Quando analisada a renda média de acordo com as classes de renda, o estudo mostra que houve queda no ano passado em todas as faixas de renda, mas os mais pobres foram mais penalizados. A renda média per capita dos 5% mais pobres acumulou um tombo de 48% em dez anos. Já o 1% mais rico da população teve perda de 6,9% no período.

A pesquisa também mostra um aumento da desigualdade em 2021, após queda no indicador em 2020 e estabilidade em 2019. Esse movimento é medido pelo índice de Gini, que retomou o patamar de dois anos antes (0,544). Quanto maior o Gini, maior a desigualdade. Em 2020 e 2019, o índice era de 0,524 e 0,544, respectivamente.

A queda da renda influencia diretamente o aumento da fome no país e foi consequência da deterioração do mercado de trabalho durante a pandemia por conta do isolamento social causado pela demora do governo em implementar a vacinação da população. Foi provocada também pelas hesitações do governo em relação ao auxílio emergencial.

A redução do valor do benefício e do número de pessoas atendidas pelo auxílio emergencial em 2021, em um momento em que o mercado de trabalho capengava e a inflação começava a escalar, fez a renda recuar ainda mais. A inflação fechou 2021 em 10,06%, o que não ocorria desde 2015.

O governo segue cometendo erros neste ano, quando a invasão da Ucrânia pela Rússia acentuou o problema da fome, agora em escalada global. Um dos problemas é o negacionismo. Na recente Cúpula das Américas, o presidente Jair Bolsonaro vangloriou-se de que o Brasil pode alimentar o número discutível de 1 bilhão de pessoas, ignorando o elevado número de famintos em seu próprio país. O ministro Paulo Guedes jogou no colo do setor de supermercados a responsabilidade por combater a carestia e não corrige os erros do Auxílio Brasil. Além de não tomar providência alguma, o governo, em plena pré-campanha eleitoral, simplesmente ignora esses problemas e erra ao subsidiar a gasolina em vez de revisar o Auxílio Brasil.

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