sexta-feira, 10 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Queda da inflação não acaba com preocupações

O Globo

Junho começa com alento no front econômico. Após quatro meses de alta e de subir ininterruptamente ao longo de todo o ano de 2021, com exceção apenas de dezembro, enfim a inflação acumulada em 12 meses deu sinal de trégua em maio: caiu de 12,13% para 11,73% e ficou abaixo das projeções. Mais de metade dos 40 analistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico previa alta acima de 0,59% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do mês. O indicador apurado ficou em 0,47%.

A notícia da inflação veio logo depois de outro dado encorajador. Em maio, o IBGE anunciara que a taxa de desemprego caiu para 10,5% no trimestre encerrado em abril, recuo de 0,6 ponto percentual em relação ao trimestre anterior. Os resultados merecem celebração, mas é preciso ser realista. O Brasil lembra uma casa de dois andares que ficou submersa. As águas podem ter baixado, mas ainda batem no meio da parede do segundo piso.

Os quase 12% anuais ainda fazem do país a quarta economia com maior inflação no grupo das 20 maiores (G20), atrás apenas de Turquia, Argentina e Rússia. Ninguém em sã consciência acredita que o Banco Central cumprirá a meta deste ano (3,5%, podendo oscilar 1,5 ponto percentual para mais ou menos).

Quanto à taxa de desocupação, a queda não apaga a realidade: o Brasil ainda tem 11,3 milhões de desempregados. No trimestre encerrado em abril, a renda média do trabalhador sofreu queda de 7,9% ante mesmo período do ano anterior. Para completar, 33 milhões passam fome, 14 milhões deles a partir do último ano. Toda celebração, portanto, precisa ser posta nesse contexto.

É verdade que a recuperação precisa começar de algum lugar. Entre economistas, existe a expectativa de que o desemprego siga em queda, até o patamar considerado não inflacionário, ao redor de 9%. Para o indicador cair abaixo disso sem pressionar os preços, são necessárias reformas estruturais que o Congresso teima em não levar adiante.

O ponto de interrogação é como a economia reagirá no segundo semestre. O cenário internacional não ajuda. A recuperação da atividade na China e a crise do petróleo derivada da guerra na Ucrânia pressionam os preços no mundo todo. A economia global está diante da possibilidade de repetir uma situação que não se via desde os anos 1970: a estagflação, que mistura inflação em alta com crescimento baixo. O Banco Mundial reduziu sua previsão de crescimento global de 4,1% para 2,9% neste ano.

É impossível que a economia brasileira não sinta os efeitos da onda contracionista que vem de fora. A isso, acrescente-se a política de alta dos juros do Banco Central para deter a inflação, e as consequências são previsíveis: desaceleração e deterioração do mercado de trabalho.

É até possível que o pacote dos combustíveis levado pelo governo ao Congresso tenha, como resultados imediatos, queda de preços e algum estímulo para a economia. Mas as medidas equivalem a jogar álcool na fogueira, pelo efeito inexorável na dívida pública e nas expectativas do mercado financeiro. Não há mágica. A conta virá dobrada no ano que vem. Os eleitores brasileiros continuam com motivo para preocupação.

É preciso investigar atuação de filho de Queiroga no Ministério da Saúde

O Globo

Passou da hora de investigar a acintosa participação do filho do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em assuntos internos da pasta, que incluem a intermediação de demandas dos municípios na área de saúde. Estudante de medicina, Antônio Cristóvão Neto, de 23 anos, ou Queiroguinha, como é conhecido, está empenhado em se eleger deputado federal na Paraíba pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

Como revelou reportagem do GLOBO, Queiroguinha tem percorrido municípios do interior do estado prometendo recursos para comprar equipamentos e ambulâncias. Devido ao livre acesso ao gabinete do pai, as ações vão além das promessas de um político qualquer. Na semana passada, ele abriu as portas do ministério a três prefeitos, que saíram de lá com a previsão de R$ 1,25 milhão para seus municípios depois de falar com seu pai ministro.

O prefeito de São José da Lagoa Tapada, Cláudio Antonio Marques, o Coloral (PSDB), disse ter aproveitado a reunião para pedir aparelho de raios X, equipamento de ultrassonografia e laboratório na cidade. Outros foram menos explícitos. O prefeito de Marizópolis, Lucas Gonçalves Braga (PSDB), que reivindicou R$ 250 mil para medicamentos e postos de saúde, afirmou ao GLOBO que o encontro com Queiroga foi só para tirar uma foto.

Em suas agendas oficiais, Queiroga tem se revelado um generoso cabo eleitoral do filho, levado a eventos do ministério em que são anunciadas verbas a prefeituras da Paraíba. Nos últimos três meses, houve pelos menos cinco solenidades do tipo. A situação é tão escandalosa que, numa delas, Queiroguinha representou o pai e fez até discurso. Não só as portas do Ministério da Saúde se abrem para ele. Na semana passada, participou de ato em que foram anunciados R$ 368 milhões para duplicar o trecho paraibano da BR-230 entre Campina Grande e Pocinhos.

Mais uma vez se repete a situação em que prefeitos precisam recorrer a intermediários para conseguir verbas federais em setores vitais como educação e saúde, que deveriam estar imunes a qualquer investida política e ser regidos por critérios exclusivamente técnicos. Em março, veio à tona a denúncia de que pastores sem vínculo com o MEC, apesar do trânsito livre no ministério, intermediavam verbas públicas mediante propina.

Ainda que a campanha eleitoral, na prática, já esteja a todo vapor, o ministro da Saúde, que não é candidato, tem mais com que se ocupar. Os casos de Covid-19 voltaram a subir e já pressionam a rede pública. Preocupado com a reeleição de Bolsonaro, Queiroga se precipitou ao decretar o fim da emergência em saúde. Deveria saber que novas ondas são previsíveis. Além disso, a varíola dos macacos já chegou ao Brasil. Embora não atinja tanta gente, é preciso estratégias para enfrentá-la.

As ações de Queiroguinha no governo têm de ser investigadas. Ser filho do ministro da Saúde não lhe dá o direito de usar a pasta como trampolim para alavancar sua pré-candidatura à Câmara dos Deputados.

A vez de Congonhas

Folha de S. Paulo

Aeroporto de SP encabeça nova rodada de concessões, que têm melhorado serviços

Com a aprovação do edital de concessão pelo Tribunal de Contas da União, o leilão de mais três blocos de aeroportos com potencial para atrair R$ 7,3 bilhões em investimentos foi marcado para 18 de agosto.

Será a sétima rodada da privatização do setor, que incluirá 15 unidades em São Paulo, Minas Gerais, Rio, Mato Grosso do Sul, Pará e Amapá, que respondem por quase 16% dos passageiros domésticos no país, com mais de 30 milhões de embarques e desembarques.

O principal bloco conta com o terminal mais movimentado do país, o de Congonhas, em São Paulo, além de outros dez ativos com valor de outorga de R$ 255 milhões e investimentos esperados de R$ 5,9 bilhões. Os outros dois blocos perfazem outorgas de R$ 195 milhões e aportes de R$ 1,4 bilhão.

O plano original do governo federal era leiloar nesta rodada também o Santos Dumont, no Rio de Janeiro, mas houve adiamento por objeções das autoridades cariocas, temerosas de que a operação pudesse resultar em concorrência predatória a ponto de inviabilizar o retorno do Galeão, hoje mais direcionado ao transporte de cargas.

A privatização deste, realizada em 2014, não foi bem-sucedida e está em processo de devolução pela atual concessionária. De fato, é necessário considerar Galeão e Santos Dumont em conjunto para um melhor resultado para a sociedade. O plano é fazer o leilão numa rodada subsequente, que não deve ocorrer antes de 2024.

Mesmo assim, é possível constatar que a estratégia de conceder ativos rentáveis em conjunto com outros de menor potencial em cidades menores tem apresentado resultados positivos.

São notáveis as melhorias nos principais aeroportos do país nos últimos anos, com a presença de operadores internacionais experientes e de investidores profissionais, sob modelagem sólida.

É um quadro diferente do que vigia antes, quando as empreiteiras tradicionais tinham participação destacada. Os incentivos eram mais voltados para aditivos contratuais, como ainda se observa em obras direcionadas politicamente.

Também há bons resultados em outras áreas, como portos, rodovias e saneamento —desde a aprovação do novo marco legal.

Embora no último caso tenha havido objeção das forças de esquerda à abertura do mercado para o capital privado, as concessões tendem a enfrentar menos obstáculos ideológicos do que as vendas de empresas estatais, talvez porque o impacto favorável para o usuário seja ainda mais imediato.

Num país com carência de investimentos e de infraestrutura, é preciso continuar buscando capital privado para que sejam providos serviços de interesse público.

Saúde com justiça

Folha de S. Paulo

STJ segue racionalidade ao fixar obrigações de planos; lista deve ser reavaliada

Era sem dúvida difícil a decisão que cabia ao Superior Tribunal de Justiça acerca das obrigações dos planos de saúde perante seus clientes. Tratava-se de definir se as empresas precisam pagar apenas pelos procedimentos e terapias já listados pela agência reguladora da atividade, a ANS, ou se esse rol é meramente exemplificativo.

Estavam em jogo, afinal, as aflições de famílias que dependem de tratamentos custosos, não incluídos na relação da Agência Nacional de Saúde Suplementar e obtidos por meio de processos judiciais. Pais de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em particular, manifestaram com eloquência sua preocupação.

Por 6 votos a 3, o STF escolheu o caminho da racionalidade —o rol taxativo. Por compreensíveis que sejam as demandas de inúmeros usuários, uma regra que abrisse caminho para a cobertura de qualquer procedimento recomendado por um médico resultaria, pela lógica, em judicialização permanente e encarecimento dos planos.

Quando se deixa a lista em aberto, afinal, renuncia-se a controles de segurança, efetividade e de custo-benefício. A pandemia de Covid-19 mostrou, por exemplo, que não são poucos os médicos dispostos a acreditar em medicamentos sem comprovação científica.

Assegurar que os tratamentos que profissionais de saúde podem prescrever tenham passado por algum teste de validação não garante, obviamente, uma boa medicina, mas é o básico a fazer.

Outro problema é que laboratórios são rápidos e eficientes em levar novos produtos ao mercado. Por vezes uma nova terapia é de fato melhor que as demais, mas apenas marginalmente e a um custo significativamente maior. Nesses casos, é melhor ficar com a técnica velha.

É claro que, para o sistema funcionar, atendendo às necessidades dos usuários, é imperioso evitar que a comissão que decide o que será incorporado ao rol de procedimentos e eventos seja capturada pelos interesses das operadoras.

O objetivo da comissão precisa ser o de oferecer tratamentos comprovados com uma boa relação custo-benefício para todas as doenças, não tornar-se um braço das empresas encarregado de cortar custos bloqueando inovações.

À luz do novo entendimento da Justiça, que dificulta os questionamentos judiciais, cumpre reexaminar a lista da ANS e as obrigações impostas aos planos, como a oferta adequada de clínicas e serviços.

O cheque sem fundos de Lula

O Estado de S. Paulo

Rascunho de programa econômico confirma que o PT quer reeditar políticas que afundaram o País, mas numcenário muito pior do que quando esteve no poder

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mantinha evasivo a respeito do plano de governo de sua candidatura. Qualquer manifestação espontânea de sua parte, marca de sua trajetória como dirigente sindical e político, colocava em risco o discurso que pretendia encarnar: o de líder de uma frente ampla em defesa da democracia que deixou as divergências de lado ao se aliar a um antigo adversário político, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Mas se nos eventos em que prega para convertidos Lula já havia deixado escapar suas convicções, o rascunho de seu plano de governo só confirma que o PT não aprendeu nada com o passado.

Depois de um legado de recessão econômica, é inacreditável que o partido continue a insistir nos mesmos erros cometidos em período tão recente da história brasileira. Entre as ideias centrais do documento está a revogação do teto de gastos, fundamental para conter a gastança desenfreada do governo Dilma Rousseff. Outro alvo é a reforma trabalhista de 2017, que assegurou o trabalho a distância durante a pandemia de covid-19 e teve vários de seus dispositivos já reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Cabe então uma pergunta: o que PT e Lula pretendem colocar no lugar? Basta ler o teor do documento para vislumbrar um futuro enraizado em um passado supostamente glorioso. Uma das premissas é “colocar o pobre outra vez no Orçamento” e taxar os mais ricos, mas não há nenhuma explicação sobre o que impediu os petistas, na longa década em que estiveram no poder, de aprovar uma reforma tributária.

No lugar do teto de gastos, o programa propõe um “novo regime fiscal que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade, que possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica”. Na falta de esclarecimentos sobre o que essa frase significa, é bom lembrar que as medidas anticíclicas petistas foram precisamente a causa da ruína fiscal em que o País se meteu. Economistas são unânimes ao apontar que o ciclo de alta de preços das commodities, que coincidiu com o governo Lula, foi fundamental para garantir o crescimento do PIB e a queda do desemprego ao longo da primeira década de 2000. O problema é que, quando esse período vantajoso para a economia brasileira se encerrou, os governos petistas mantiveram a aposta em políticas caras, mal desenhadas e pouco efetivas.

Mesmo diante de sinais claros de uma economia excessivamente aquecida, a taxa de juros foi mantida em níveis excessivamente baixos. O governo, por sua vez, ampliou o gasto público de maneira imprudente, com o uso de bancos públicos para bancar uma política industrial de empréstimos subsidiados aos “campeões nacionais”, aumento real de servidores, expansão sem critérios do programa de financiamento estudantil Fies, represamento artificial de preços de combustíveis e de energia e investimentos com retornos “patrióticos” assumidos pela Petrobras, Eletrobras e fundos de pensão. São medidas, entre muitas outras iniciativas questionáveis, que contribuíram para empobrecer o País, já devidamente destrinchadas por economistas e convenientemente esquecidas pela classe política.

O PT reitera agora a defesa da recomposição do “papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais” no desenvolvimento e da necessidade de “fortalecimento dos bancos públicos”, e prega que a Petrobras seja “colocada de novo a serviço do povo brasileiro”. Ou seja, é um grande salto para trás. 

Como bem definiu o jornalista argentino Joaquín Morales de Sá, não há populismo que sobreviva sem talão de cheques – isto é, o populismo requer muito dinheiro, inclusive de recursos que pertencem a gerações futuras, e precisa de uma conjuntura muito favorável, como foi o caso do ciclo das commodities, que criou a falsa sensação de uma “era dourada” do petismo. Hoje, com a terrível conjunção de guerra, pandemia e toda a razia bolsonarista que maltratou o País, o único cheque que Lula terá condições de passar, se eleito, provavelmente não terá fundos. 

Fora do mapa da modernização

O Estado de S. Paulo

A indústria mundial de semicondutores começa a redesenhar seu mapa de investimentos, mas o Brasil foideixado de lado nesse rearranjo de um setor crucial

O Brasil escolheu ficar fora do mapa mundial das grandes transformações que o avanço tecnológico vem desenhando. O mundo, como mostrou o Estadão (7/6), “refaz o mercado de chips para a indústria”. A despeito da pandemia, ou por causa dela – e da guerra na Ucrânia –, a cadeia global de produção de semicondutores está mudando para reduzir a escassez desse item essencial para uma imensa rede de produtos. Investimentos estimados em US$ 140 bilhões em dois anos foram decididos pelos principais produtores. É dinheiro importante para estimular a atividade econômica nos países produtores e reduzir o impacto da pandemia e da guerra na economia mundial.

Não há registro de que uma parcela minimamente significativa dos investimentos previstos tenha o Brasil como o destino. A sensação que esse quadro deixa é a de que o País, depois de ter largado muito mal na corrida pela inserção no mercado dos produtos industriais de alta tecnologia, está sem forças para se recuperar. A demanda desses produtos é a que mais cresce no mundo.

A interrupção de linhas de produção de eletrodomésticos, comandos eletrônicos de uso doméstico, equipamentos de segurança e, sobretudo, de veículos em todo o mundo por falta de semicondutores é a prova mais evidente da importância que esse item assumiu na atividade industrial e na vida moderna. Estima-se, por exemplo, que, por falta de chips, o Brasil deixou de produzir quase 350 mil automóveis no ano passado. No mundo, a quebra de produção pode ter alcançado 10 milhões de unidades.

Com a suspensão ou o encerramento de atividades de unidades industriais por falta de componentes como os semicondutores, governos de diversos países lançaram programas de apoio financeiro para novos investimentos na fabricação desses itens. Ainda assim, e com os investimentos já anunciados pelos maiores produtores, prevê-se que a escassez, mesmo mitigada, se estenda até 2025.

É um quadro que projeta o crescimento continuado da produção de semicondutores, que hoje são o quarto produto mais comercializado no mundo, atrás de petróleo, veículos e derivados de petróleo.

Mesmo não tendo tido papel relevante no período inicial de crescimento desse segmento industrial, que vem puxando a expansão da economia mundial, o Brasil poderia inserir-se nessa onda e dela se aproveitar. Mas o rearranjo desse setor produtivo em escala mundial apenas vai aumentar o peso de alguns centros em operação em relação a outros. E esses centros estão em países e regiões como Estados Unidos, Europa Ocidental, China, Coreia do Sul e Taiwan. Já com um setor industrial altamente sofisticado e de grande produtividade, essas áreas ampliarão sua distância em relação ao resto do mundo quanto ao avanço tecnológico.

A participação do Brasil nesse mundo se limita ao segmento final da montagem. Como mostrou o Estadão, o Ministério da Economia promete apresentar proximamente um programa de estímulo à produção local de semicondutores, por meio de desoneração da cadeia produtiva, apoio a pesquisa e desenvolvimento, formação e capacitação de profissionais e facilitação de importações.

Tudo isso é importante. Mas, ainda que tudo comece a ser feito já – o que parece pouco provável no mandato do atual presidente da República –, será tardio. “O Brasil não tem como competir com os mercados maiores e, infelizmente, não tem política séria de exportação de produtos de alto valor agregado”, reconhece o analista do mercado automotivo José Augusto Amorim.

A indústria de transformação continua sendo o principal indutor da modernização do setor produtivo no Brasil, mas vive uma crise que já dura décadas. A redução notável de seu peso no Produto Interno Bruto (PIB) é a síntese perfeita de sua involução nos últimos anos. Há problemas estruturais graves, sobre os quais já se manifestaram todos os segmentos produtivos, mas que persistem. O agudo déficit de mão de obra qualificada, que se estende para diversos segmentos da produção, reflete o fracasso de políticas públicas no campo da educação. Há muito a fazer. 

Inflação menor, mas ainda cruel

O Estado de S. Paulo

Custo de vida subiu menos em maio, mas sobre patamar muito alto e num cenário de desemprego alto e empobrecimento

Quem anda ansioso por uma notícia positiva pode até festejar a inflação de maio, 0,47%, a menor em 13 meses. Os mais entusiasmados podem até celebrar a redução da taxa acumulada em 12 meses, de 12,13% em abril para 11,78% no mês seguinte. Mas é prudente comemorar com moderação. Há um surto inflacionário global, mas a situação é pior no Brasil do que na maior parte do planeta. O desemprego brasileiro é um dos maiores, a distribuição de renda é muito desigual e milhões de famílias têm dificuldade até para comprar gás de cozinha. Uma pesquisa recente apontou 33 milhões de pessoas com fome. Mas o quadro geral, com 125 milhões sujeitos a algum grau de insegurança alimentar, é ainda mais contrastante com os padrões das economias emergentes e desenvolvidas.

Além desses dados, é preciso levar em conta um fato nem sempre destacado pelos analistas. A inflação mensal medida pelo IBGE diminuiu de 1,06% para 0,47% entre abril e maio, mas sem anular os aumentos acumulados no ano ou em períodos mais longos.

Nos 12 meses até maio o custo da alimentação subiu 13,51%. Os combustíveis domésticos, incluído o gás, encareceram 29,56%. As tarifas de transporte público subiram 17,43%. Os preços dos produtos farmacêuticos aumentaram 13,41%. Os combustíveis de veículos ficaram 29,12% mais caros. Foi uma alta enorme, de fato, mas muito mais importante, para a maioria dos brasileiros, foi o encarecimento da comida, do gás, do transporte público e dos medicamentos. Enquanto isso, o presidente da República parece ter notado apenas a variação dos custos de gasolina e do diesel.

Para os desempregados, subempregados e outras pessoas mal situadas no mercado de trabalho, a alta do custo de vida tem sido especialmente cruel. Não há, no Brasil, redes de segurança social para garantir condições minimamente decentes às pessoas em dificuldades. O Auxílio Brasil, sucessor eleitoreiro do velho programa Bolsa Família, funciona mal e tem sido incapaz de absorver o enorme número de novos candidatos à ajuda.

O aumento da insegurança alimentar – fome, nos casos mais graves – combina com as condições de trabalho dominantes nos últimos anos. Os desempregados eram 11,3 milhões, 10,5% da força de trabalho, no trimestre móvel encerrado em abril. Os desalentados eram 4,5 milhões e os subocupados por insuficiência de horas de trabalho, 6,6 milhões. Somados, esses três grupos compunham, nesse período, 22,4 milhões de trabalhadores em péssima situação, sem condição de sustentar ou de contribuir para o sustento das famílias.

O crescimento da economia tem sido insuficiente para atenuar de forma significativa essas dificuldades. O aumento dos negócios tem sido puxado pelos serviços, conhecidos como geradores de postos de trabalho, mas nem isso tem atenuado os problemas. Geradora de empregos decentes, a indústria continua travada.

Com a inflação ainda alta, crédito caro e economia sem rumo, o desemprego, na melhor hipótese, diminuirá lentamente até o fim do ano, e o consumo familiar, mesmo com algum aumento, continuará muito modesto.

BCE inicia aperto e indica ritmo maior de alta de juros

Valor Econômico

Uma inflação, inédita em 40 anos, empurra os BCs na direção do aumento de juros

O Banco Central Europeu finalmente decidiu se mover para combater a inflação na área do euro, que atingiu 8,1% em maio. A reunião foi precedida de vários sinais de descontentamento da ala ortodoxa do banco, que exigiu um comportamento mais agressivo, e a decisão do banco, ontem, indica que houve um compromisso que contempla essa posição. O BCE vai elevar os juros em 0,25 ponto percentual em sua próxima reunião, mas, para setembro, indicou que o aumento pode ser maior, de 0,5% ponto percentual.

O BCE comunicou que espera aumentar os juros em setembro, mas que a calibragem do aumento dependerá “das perspectivas da inflação no médio prazo. Se ela se mantiver ou deteriorar, um aumento superior (a 0,25 pp) será apropriado”. Depois de setembro, o banco considera que será necessário um “gradual, mas sustentado, caminho de aumentos nas taxas de juros”.

Não será mais do que isso porque a posição da presidente, Christine Lagarde, divide o comunicado, quando diz que o conselho do BCE “manterá opções em aberto, orientação de acordo com os dados, gradualismo e flexibilidade na condução da política monetária”.

O ponto de partida do ciclo de aperto monetário do BCE é, em alguns aspectos, bem menos favorável do que o do Federal Reserve americano. As taxas de juros na zona do euro são negativas (-0,5%) para uma inflação que não difere muito da dos Estados Unidos: 8,1% em maio, ante 8,3% (projeção). Ambos estão com juros reais absurdamente negativos. O BCE interromperá seu último programa de compra de ativos em julho, mas, segundo a reunião de ontem, continuará reinvestindo o dinheiro dos títulos que forem vencendo. A farta liquidez existente para de crescer, mas não é reduzida, ao contrário da ação do Fed, de enxugar US$ 47,5 bilhões por mês agora e US$ 90 bilhões mensais em três meses.

Os ativos do BCE subiram para € 4,9 trilhões, pouco mais da metade do Fed (US$ 9 trilhões). O programa de compra de títulos emergencial durante a pandemia, de € 1,7 trilhão, manterá as reinversões pelo menos até o fim de 2024. O programa de refinanciamento de longo prazo, maior (TLTRO) termina daqui a duas semanas.

Mais atrasado no combate à inflação, se considerado o índice cheio, o BCE não se prepara para um aperto muito intenso, como os investidores agora esperam nos Estados Unidos. Quando se retiram os pesos dos aumentos da energia (39,2% em 12 meses até maio) e de alimentos (7,5%) no mesmo período, o núcleo da inflação na zona do euro cai 4 pontos percentuais e alcança 4%. O núcleo de gastos pessoais de consumo (PCE), medida preferida do Fed, foi maior, de 4,9% em maio. Parte da explicação pode estar nas causas da inflação: a europeia é primordialmente importada, enquanto que na dos EUA fatores domésticos têm influência preponderante, como os enormes estímulos durante a pandemia, a taxa muito baixa de desemprego e os aumentos salariais (Robert Armstrong, Financial Times, 1-6).

O desemprego na zona do euro é de 6,8% em maio, o menor desde antes de a união monetária ser criada, em 1999. Não há sinais preocupantes de uma corrida dos salários para alcançar a inflação. Há pressão dos serviços, setor que tem puxado a demanda e continuará assim, com a chegada do primeiro verão em três anos sem que a covid-19 seja um ator principal de restrição relevante e custosa às atividades.

A visão da trajetória dos juros e das perspectivas econômicas na zona do euro, já sob aperto monetário, como traçadas pelo BCE, parecem tão idílicas quanto as do Fed. Se os preços da energia e das commodities recuarem e o conflito na Ucrânia não causar mais estragos do que já fez, o PIB perderá muito o fôlego este ano (2,8% ante 3,7% nas projeções de março) e a inflação fechará 2022 em 6,8% (ante 5,1 projetado em março). Nos dois anos seguintes, o ritmo de crescimento na zona do euro será de 2,1%, enquanto que o da variação dos preços será menos favorável, de 3,5% em 2023 e de 2,1% em 2024, ainda acima da política do banco de ter inflação próxima, mas não superior, a 2%.

A maior parte dos analistas vê, com boas razões, um risco maior de recessão na Europa do que nos Estados Unidos - mas não a descarta em ambos. Esse é o dilema atual dos BCs em estado quase puro: uma inflação, inédita em 40 anos, os empurra na direção do aumento de juros, enquanto que a economia, vítima de uma sequência de choques excepcionais, caminha para a exaustão.

 

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