Editoriais
Bolsonaro faz mais investidas contra urnas
eletrônicas
Valor Econômico
O ponto é que só Bolsonaro julga que falta
transparência a um processo eleitoral limpo e rápido, elogiado em todo o mundo
Jair Bolsonaro nunca teve problemas com as
urnas, só depois de obter o maior trunfo de sua carreira política e chegar à
Presidência da República. A atual aversão motivada, que inspira uma campanha
com potenciais consequências perturbadoras, é tanto maior quanto mais o
presidente suspeita que as pesquisas eleitorais possam estar falando a verdade
e ele será derrotado em outubro. O presidente de antemão não aceita o veredito
das urnas, que não julga confiáveis, e quer permanecer no poder. Em um regime
democrático, isso não é possível.
O temor de ter de abandonar o Palácio do
Planalto, e depois se envolver em um turbilhão judicial que pode lhe ser
desfavorável, alimenta a imaginação paranóica do presidente. Com o Executivo na
mão e o Legislativo na retaguarda, há uma instituição que pode frustrar seus
desejos: o Judiciário. Bolsonaro afirma que o anterior, o atual e o futuro
presidente do Tribunal Superior Eleitoral - Luís Barroso, Edson Fachin e
Alexandre de Moraes - estão empenhados em eleger seu adversário, Luiz Inácio
Lula da Silva. Fachin por um motivo especial: seria “marxista-leninista”.
Mas a trajetória de Bolsonaro em direção a causar um grande tumulto nas eleições nada tem de subjetivo. Ele dá sempre novos passos nessa direção. O ministro Barroso convidou as Forças Armadas a fazerem parte do Comitê de Transparência das Eleições, que logo foi utilizada pelo comando militar para enviar uma saraivada de 88 questões sobre tudo que poderia dar errado nas urnas eletrônicas - mas nunca deu -, várias delas na linha das suspeitas do presidente, como a da existência da “sala secreta” em que Bolsonaro acha que as eleições são de fato decididas. Em reunião com empresários, em 13 de maio, Bolsonaro disse que os militares apontaram “mais de 600 vulnerabilidades” nos aparelhos de votação. Já havia também ameaçado virar a mesa se não fosse possível auditá-los.
Para isso, o presidente convenceu o
comandante de seu atual partido, o PL, Valdemar Costa Neto, que cumpriu pena de
prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a contratar uma empresa que
se submeta ao aval do TSE para essa missão, o Instituto Voto Legal, criado em
2021, portanto sem experiência nessa missão. Carlos Rocha, presidente do Voto
Legal, em entrevista, chegou à sugestiva conclusão sobre maracutaias com as
urnas eletrônicas, implantadas desde 1996: “Não dá para afirmar nem que houve
fraude nem que não houve porque não existem auditores independentes para
afirmar isso”. Não deixa de ser excêntrico - mais de duas décadas se passaram e
ninguém reclamou.
O ministro da Defesa, Paulo Sérgio de
Oliveira, ex-comandante do Exército, tem se mostrado plenamente alinhado aos
desígnios de Bolsonaro, como ocorreu em ofício por ele enviado ao ministro
Edson Fachin na semana passada. Oliveira usa a mesma cantilena, ao defender
auditoria para “melhorar a transparência do processo” que, por sinal, nunca foi
contestado, nem mesmo pelos militares. Desde que as urnas eletrônicas foram
implantadas, as Forças Armadas jamais colocaram em dúvida o sistema, como
revela levantamento da Folha de S. Paulo (13-6).
O ministro da Defesa escreveu que “até o
momento as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas”, como se
tivessem algum motivo para isso em relação aos demais participantes da
Comissão. Todos seus questionamentos foram respondidos, mas Oliveira vai além
das funções que competem aos militares. Segundo ele, os militares querem
“assegurar que o processo eleitoral tenha a máxima segurança, transparência e
confiabilidade”, prosseguiu, “e possa ser “auditável em todas as suas fases”. A
Constituição não tem uma palavra sobre essas “missões” ou desejos. O fecho
intimidatório da peça do ministro veio com a frase: “Eleições transparentes são
questão de soberania nacional”.
O ponto é que só Bolsonaro, e, pelo visto, o comando militar com ele, julga que falta transparência a um processo eleitoral limpo e rápido, elogiado em todo o mundo. Bolsonaro, defensor da ditadura, não liga muito para isso, a menos quando sente a possibilidade de perder uma eleição. Os militares não têm expertise aproveitável para exigir transparência nas eleições, porque quando estiveram por duas décadas no poder proibiram que os brasileiros votassem para escolher seu presidente. Agora parecem dar apoio a um presidente da República que não tem intenção de entregar a faixa a seu sucessor em uma competição limpa.
Pressão sobre o juro
Folha de S. Paulo
Risco fiscal com intervenção no ICMS
dificulta combate à inflação no longo prazo
Preços de combustíveis, energia elétrica,
comunicações e transporte urbano devem baixar ou passar por reajustes menores
nos próximos meses. É difícil estimar o efeito das medidas do governo Jair
Bolsonaro (PL) e do Congresso na conta que chegará ao consumidor.
É certo, porém, que o pacote eleitoral terá
impacto nas contas públicas, na inflação futura e na taxa de juros. O Banco
Central e a próxima administração terão problemas ainda maiores para gerir.
Não por acaso, discute-se no mercado financeiro
se o Comitê de Política Monetária do BC —que deve anunciar nesta quarta (15)
nova alta da taxa Selic, hoje em 12,75% anuais— fará um
alerta sobre o aumento do risco fiscal, isto é, da probabilidade de
que desequilíbrios orçamentários forcem juros mais elevados e por mais tempo.
O projeto que implica a redução de
alíquotas do ICMS e estipula compensações federais para os estados passou no
Senado e retornou para a ratificação
pela Câmara dos Deputados. Afora embaraços judiciais, deve entrar em
vigor e provocar baixas transitórias e permanentes de receitas.
Além do mais, a desoneração tributária
aumenta a renda disponível de consumidores, o que pressiona a demanda e os
preços.
Tudo o mais constante, a dívida pública
tende a subir, outro fator de alta das taxas de juros. E os problemas não param
por aí.
O projeto que baixa o ICMS sobre
combustíveis, eletricidade, comunicação e transporte urbano também suspende,
para seus fins, parte de leis fiscais e orçamentárias, aquelas que exigem
compensações para perdas de receita e punições para quem promove buracos na
contabilidade pública.
No ano passado, uma canetada na
Constituição já ampliara o teto de gastos, minando a credibilidade da política
econômica —e dificultando o controle da inflação.
O recém-divulgado IPCA de maio foi menor
devido ao fim da cobrança da bandeira tarifária de escassez de eletricidade. No
mais, o indicador apontava carestia ainda preocupante, com altas muito
disseminadas de preços.
Parte dos descontos de impostos vencerá no
final deste ano. Haverá, então, nova rodada de reajustes de preços —ou, quem
sabe, novos improvisos tributários a desorganizar mais a economia e o
Orçamento.
A expectativa de que a inflação fique
próxima da meta oficial de 3,25% em 2023 perde força. Nesse cenário, ou o BC
eleva os juros além do nível de 13,25%, para onde devem ir nesta quarta, ou os
mantém elevados por mais tempo, até meados do próximo ano.
Como o país já deveria ter aprendido, o
populismo fiscal, de esquerda ou de direita, sempre gera custos elevados mais à
frente.
Amazônia poluente
Folha de S. Paulo
Desmatamento e pecuária são a contribuição
singular do Brasil à crise climática
Quando se consideram os países que mais
emitem gases-estufa no mundo, o caso do Brasil é singular. Por aqui as
principais fontes de poluição climática não provêm, como é usual nas maiores
economias, de atividades industriais e da queima de combustíveis fósseis, mas
do desmatamento e da pecuária.
Daí não ser exatamente uma surpresa que a
lista das cidades brasileiras que mais contribuem para o aquecimento
global destaque a
região amazônica, como mostrou a nova edição do Sistema de
Estimativas de Emissões de Gases de Efeito
Estufa, iniciativa do consórcio de organizações não governamentais Observatório
do Clima.
Nesse ranking inglório, o primeiro lugar
cabe ao município de Altamira (PA) —e, das 10 cidades que mais poluem, nada
menos que outras 7 estão na Amazônia.
São, pela ordem, São Félix do Xingu (PA),
Porto Velho (RO), Lábrea (AM), Pacajá (PA), Novo Progresso (PA), Colniza (MT) e
Apuí (AM). Completam a lista, em quinto e oitavo, respectivamente, as
metrópoles São Paulo e Rio de Janeiro.
De acordo com o estudo, Altamira emitiu em
2019 35,2 MtCO2e (milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, uma
medida que unifica os gases-estufa). Fosse um país, o município mais extenso do
Brasil (159,5 mil km²), mas com apenas 117 mil habitantes, seria o 108º do
mundo em emissões, à frente de Suécia e Noruega.
As duas cidades mais emissoras são também
aquelas em que mais se desmata. Em 2019, Altamira registrou 575 km² de perda
florestal, segundo dados do Inpe. Em São Félix do Xingu encontra-se, ademais, o
maior rebanho bovino do Brasil.
A floresta tombada libera na atmosfera todo
o carbono armazenado na madeira, nas folhas e nas raízes quando é queimada ou
apodrece sobre o solo. Já a atividade pecuária, além de relevante indutor do
desmatamento, libera, por meio da digestão dos ruminantes, o metano, um dos
gases que mais potencializam o efeito estufa.
A característica predatória de boa parte
das emissões nacionais ao menos confere ao país uma vantagem comparativa no
inadiável esforço mundial de reduzir o aquecimento. Basta controlar o
desmatamento e recuperar as pastagens degradadas para que nossa contribuição à
crise climática despenque.
Mas, como sabem até —ou sobretudo— as
árvores da Amazônia, não será sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) que o país
verá esse ciclo virtuoso acontecer.
Não há liberdade sem Justiça independente
O Estado de S. Paulo
A proposta do Centrão para autorizar o Congresso a rever decisões do STF viola a separação dos Poderes e agride a democracia. Por isso, não pode prosperar
O Estadão revelou que lideranças
do Centrão estudam apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
conferindo a deputados e senadores o poder de anular decisões não unânimes do
Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia é atribuir ao Congresso uma nova função,
a de revisor do Supremo.
A proposta é um atentado contra o Estado
Democrático de Direito, violando frontalmente uma das cláusulas pétreas da
Constituição. “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir a separação dos Poderes”, diz o texto constitucional. Não cabe ao
Legislativo revogar, seja por que motivo for, decisão do Judiciário. E a razão
é cristalina: a aplicação da Constituição e das leis não é uma questão
política, decidida por maiorias parlamentares. Trata-se de um dos cernes da
teoria da separação dos Poderes, que configura e estrutura todo o Estado. O que
os líderes do Centrão estão debatendo afronta de forma radical o regime
democrático, extinguindo de uma só vez a independência e a autonomia do
Judiciário. É estrito golpe antiliberal.
O documento do Centrão, a que o Estadão teve
acesso, tem poucas chances de prosperar. Além de o conteúdo da proposta ser
inconstitucional, o Legislativo não tem poderes para propor uma tal mudança,
transformando o Judiciário em um subpoder. De toda forma, é sintomático da
confusão dos tempos atuais que lideranças parlamentares aventem a ideia de
uma capitis diminutio da Justiça. A ideia é completamente
estapafúrdia, mas – eis um dos grandes desafios dos dias de hoje – parte da
população considera justificada e legítima a perda de independência do
Judiciário.
Uma coisa é discordar de decisões
judiciais, fazendo as críticas que cada um julgue pertinentes. No entanto, tem
havido no Brasil coisa muito diferente. Assim como ocorreu na Venezuela com
Hugo Chávez e vem ocorrendo em outros países com governos populistas
antiliberais, observa-se uma campanha de enfrentamento e desmoralização da
Corte constitucional, com o declarado objetivo de sujeitar o Judiciário aos
outros dois Poderes. E, infelizmente não é nenhuma surpresa, essa campanha de
retrocesso institucional e civilizatório tem conquistado muitos corações. Basta
ver que Jair Bolsonaro, quando promete descumprir decisões judiciais – esse é o
patamar das promessas do presidente da República –, recebe aplausos do público.
Não há democracia sem Poder Judiciário
independente. Não há liberdade sem Poder Judiciário independente. Isso não
significa que a Justiça não erre ou que o STF dê sempre a melhor aplicação do
texto constitucional. Há muitos desacertos por parte do Supremo, com decisões
que causam danos, geram insegurança e produzem não pequena perplexidade. Com
frequência, neste espaço, criticamos com contundência muitas interpretações da
Constituição feitas por ministros do STF. Nada disso, no entanto, significa que
se deva interferir na independência do Judiciário, alçando o Congresso à
condição de revisor do STF.
A defesa do Judiciário não representa
nenhum tratamento especial em relação aos outros dois Poderes. Reconhecer o
equívoco frequente de tantas decisões do Legislativo não autoriza pleitear o
fechamento do Congresso ou a redução de sua independência. O mesmo ocorre com o
Executivo. Por mais que alguém discorde do presidente da República, tal
oposição não legitima privá-lo das competências presidenciais previstas no art.
84 da Constituição.
Em vez de instituir a tutela do Judiciário
pelo Legislativo, cabe ao Congresso cumprir suas atribuições constitucionais em
relação ao Supremo. Nenhum ministro do STF assumiu o cargo sem a aprovação dos
senadores. Se há uma insatisfação com a atuação da Corte constitucional, ao
contrário de pleitear um atentado contra a separação dos Poderes, cabe exigir
do Senado a realização, com a devida seriedade, da sabatina dos nomes indicados
pelo presidente da República para compor o STF.
Não se faz uma República com omissões ou
golpes. Faz-se com respeito à lei e cumprimento dos respectivos deveres
institucionais.
O presidente que calculava
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro diz que ele mesmo fez as contas e anuncia queda de R$ 2 na gasolina por conta da redução do ICMS; se não cair, já sabe a quem atribuir a culpa
A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de
que, com o teto para a cobrança do ICMS aprovado pelo Congresso, o preço do
litro da gasolina no posto cairá R$ 2 e o do diesel diminuirá R$ 1 tem um
significado revelador. “Eu mesmo fiz a conta”, garantiu. De repente, o País
descobre um presidente que conhece todos os componentes dos custos dos
combustíveis e sabe determinar quanto cairá o preço caso este ou aquele item
sofra tal ou qual alteração, coisa que ninguém no mercado hoje é capaz de
estimar com tamanha precisão.
A única aritmética que Bolsonaro domina
como poucos no País, no entanto, é a eleitoral. O presidente está obcecado com
a alta dos combustíveis – determinada não pela tributação, mas pelas oscilações
da cotação do petróleo no mercado internacional – porque é um dos principais
fatores a impulsionar uma inflação que se tornou a principal ameaça à sua
reeleição. Muito mais do que o sofrimento da população, é sua recondução ao
cargo que o preocupa. Em sua luta obstinada, e até agora infrutífera, para reduzir
o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, Bolsonaro ganhou no
Congresso aliados igualmente preocupados com as urnas.
Assim, também o Senado aprovou o projeto de
lei complementar que estabelece alíquota máxima de 17% para o Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre itens considerados essenciais, como
combustíveis, energia, telecomunicações e transporte coletivo. O projeto já
tinha sido aprovado pela Câmara, mas, como sofreu alterações em sua tramitação
no Senado, será reexaminado pelos deputados.
O ICMS é o principal tributo estadual, e
entre alguns dos itens que terão sua alíquota limitada estão os que
proporcionam as maiores receitas para os governos estaduais. Por isso, a
proposta aprovada pelo Congresso vinha sofrendo grande resistência de
governadores e secretários estaduais de Fazenda. Mesmo assim, esse vendaval de
interesses eleitorais em que Bolsonaro transformou a questão dos preços dos
combustíveis parece ter arrastado todos, até o Senado, cujo papel constitucional
é o de representar os Estados e o Distrito Federal para assegurar o equilíbrio
federativo.
É do interesse do crescimento econômico,
reconheça-se, a redução da tributação excessiva que incide sobre insumos
essenciais, sobretudo a energia elétrica. Em alguns Estados, na prática da
cobrança chamada “por dentro”, em que o tributo incide sobre si mesmo, a
alíquota real sobre energia pode chegar a 34%, embora nominalmente não passe de
27%. Desse modo, a energia pode representar mais de um terço do preço final de
produtos essenciais, como o pãozinho. A incidência do ICMS é muito alta também
sobre combustíveis.
São dados que necessariamente devem fazer
parte de qualquer estudo ou proposta de reforma do sistema tributário. Mas não
é com a modernização da economia que o presidente está preocupado quando ataca
a tributação estadual sobre combustíveis. Quer apenas ganhar popularidade com
sua luta contra a alta da gasolina.
Como em outras ocasiões, Bolsonaro
transferiu responsabilidades. Já culpou a Petrobras pela “insensibilidade” de
sua política de preços baseada no comportamento do mercado mundial de petróleo
e derivados. Também “insensíveis” são os governadores que não reduziram por
iniciativa própria o ICMS dos combustíveis, e agora serão obrigados a fazê-lo
por lei.
Mas a redução do ICMS terá implicações
pesadas. Os governadores falam em perdas de receita de mais de R$ 100 bilhões.
Qualquer que seja o montante, a queda de arrecadação afetará a capacidade
financeira dos Estados e dos municípios para executar seus programas em áreas
vitais para a população, como saúde, segurança e educação. Para o governo
federal, o impacto fiscal só neste ano está estimado em R$ 46,4 bilhões.
Já o efeito sobre o preço da gasolina
poderá não ser nada do que foi calculado com precisão por Bolsonaro. Mas, se
não for, ele já sabe o que fará: dirá que a culpa é do dono do posto, do
governador ou de qualquer um, nunca dele.
O Brasil diante do quadro externo ruim
O Estado de S. Paulo
Enfraquecimento da economia global pode ser problema adicional para um país com alta inflação e pouco dinamismo
Já afetado por graves desajustes internos,
o Brasil enfrenta um cenário internacional de insegurança, com as grandes
economias perdendo impulso num ambiente de inflação elevada, juros em alta e
comércio ainda contaminado pelos efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia. Na
maior economia do mundo, a americana, onde os preços ao consumidor subiram 1%
em maio e 8,6% em 12 meses, o risco de uma recessão já está nas contas do
mercado. O ritmo da atividade vai depender do aperto monetário imposto pelo
Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, para deter a onda
inflacionária.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já se
referiu às condições externas para fanfarronear sobre a recuperação econômica
do Brasil. Os brasileiros poderão ter algum ganho se ele deixar suas fantasias
e pensar em como garantir algum crescimento neste ano difícil.
Na maior parte do mundo a atividade já se
enfraqueceu no primeiro trimestre. Nesse período,
o Produto Interno Bruto (PIB) do Grupo dos 20 (G-20) foi 0,7% maior que o dos
três meses anteriores, quando havia crescido 1,3%. O Brasil avançou
1% no período de janeiro a março, com desempenho melhor que o da maior parte
dos países desse conjunto. Mas o padrão brasileiro tem sido bem mais modesto há
vários anos, notadamente nos três e meio do atual mandato presidencial.
A comparação do primeiro trimestre de 2022
com o último de 2019, anterior à pandemia, mostra um crescimento acumulado de
1,6% para o Brasil. Para o conjunto do G-20, a expansão nesse período foi de
4,8%. Essa média inclui 15,9% para a Turquia, 8,3% para a China, 5,9% para a
Índia, 5,4% para a Arábia Saudita, 4,5% para a Austrália e 3,9% para a Coreia
do Sul.
Esse quadro é compatível com o padrão
observado a partir do mandato da presidente Dilma Rousseff, marcado pela
recessão em 2015-2016, pela explosão inflacionária e pelo enorme desarranjo das
contas públicas. A partir desse mandato o crescimento anual médio da economia
brasileira foi pouco superior a 1%.
Para os próximos seis a nove meses as
perspectivas são desfavoráveis. Os chamados indicadores antecedentes – como
encomendas, expectativas empresariais e investimentos – sugerem perda de
impulso no conjunto dos países-membros da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para os Estados Unidos estima-se crescimento
estável, mas a partir de um resultado fraco nos primeiros meses do ano. Essa
avaliação é mais favorável que a de boa parte do mercado financeiro. As
expectativas também são de menor expansão em grandes economias externas ao
grupo, como a China. Para o Brasil, a avaliação é de crescimento mais lento.
No mercado brasileiro, as projeções têm
convergido para 1,5%, uma taxa muito modesta para uma grande economia
emergente. Com inflação ainda elevada, a terapia dos juros altos deve ser
mantida por muitos meses, dificultando a expansão dos negócios. Enquanto isso,
o ministro da Economia se concentra em limitar os possíveis danos fiscais
produzidos por medidas eleitoreiras.
Ativismo do STF representa risco
preocupante
O Globo
Afirmar que o governo Jair Bolsonaro
representa riscos à democracia se tornou lugar-comum. A campanha contra as
urnas eletrônicas e o Judiciário, a apologia da ditadura, os elogios a
torturadores transformaram Bolsonaro na nêmesis de democratas mundo afora.
Outro risco para nossa democracia, porém, tem passado despercebido. É mais
insidioso e permanecerá entre nós mesmo que ele perca a eleição e transfira o
poder ao sucessor. Trata-se da politização do Supremo Tribunal Federal (STF). A
Corte, que deveria manter-se equidistante e alheia às paixões, parece a cada
dia mais contaminada pelo noticiário, como se devesse prestar contas à opinião
pública, não à lei ou à Constituição.
O ministro Luís Roberto Barroso deu até
prazo para o governo tomar providências nas buscas do indigenista e do
jornalista desaparecidos na Amazônia, como se isso tivesse algum poder de
acelerá-las — ou algum cabimento. O ministro Edson Fachin, presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se esforça para desvencilhar-se da desavença
insólita que ele próprio alimentou com os militares em torno das urnas
eletrônicas. E o ministro Gilmar Mendes teve nesta semana de reafirmar o óbvio,
dizendo que o Supremo não é “partido de oposição ao governo”. Não é mesmo, nem
jamais deveria ser.
A impressão que tem transmitido, contudo, é
a oposta. Não é de hoje que o STF invade competências de outros Poderes. “Tenho
a impressão de que, qualitativamente, o STF brasileiro, ao lado dos tribunais
constitucionais colombiano e sul-africano, está entre os mais ativistas do
mundo”, diz o jurista Gustavo Binenbojm. Mesmo que, na maioria dos casos, o
Supremo mantenha seu papel de tribunal constitucional e última instância do
Judiciário, nos poucos em que se arroga missão que o extrapola, dá argumento
aos bolsonaristas e aos que promovem campanhas infames e despiciendas contra a
Corte.
Nas palavras de um constitucionalista:
“Conflito entre Poderes sempre vai existir, mas é difícil achar racionalidade
em certas decisões”. Para citar exemplos, nem é preciso recorrer a casos
rumorosos, em que o tribunal assumiu papel nitidamente político, como os
inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, a prisão do deputado
Daniel Silveira (PTB-RJ) ou os esforços por disciplinar as redes sociais. As
decisões contaminadas pelo ativismo podem ser as mais corretas e proteger
direitos essenciais, mas isso não impede que abram precedentes perigosos.
Quando o Supremo tornou a homofobia e a
transfobia crimes, formulou, sem aval do Legislativo, um tipo penal por
analogia — um absurdo, pois o Direito Penal é literal. Quando equiparou os
crimes de racismo e injúria racial, alterou definições de leis aprovadas no
Congresso. Quando determinou condições para operações policiais nas favelas
cariocas, invadiu competência do Executivo fluminense e determinou uma política
pública. Nada disso estava errado em si. Mas criou-se um caminho para arbítrios
futuros.
Noutras situações, o STF soube agir com
comedimento. Ficou anos sem tomar decisão sobre o Fundo Garantidor de Créditos
para não invadir competência do Legislativo. No caso da reeleição para as
presidências da Câmara e do Senado, apenas mandou cumprir o que estava na
Constituição. Casos assim mostram que os ministros têm plena noção da atitude
exigida de juízes que concentram tanto poder. Precisam ter a sabedoria de
mantê-la.
Trocas sucessivas na coordenação do PNI
expõem descaso com vacinação
O Globo
O pouco-caso do governo com o outrora
respeitado Programa Nacional de Imunizações (PNI) fica evidente quando se
constata a rotatividade no comando do órgão, que tem a importante missão de
elaborar as políticas públicas voltadas à vacinação dos brasileiros. Desde que
Marcelo Queiroga assumiu o Ministério da Saúde, em março do ano passado, o PNI
já teve quatro coordenadores — média de três meses e meio no cargo.
Sob responsabilidade do PNI, por décadas
referência mundial, estão a coordenação da distribuição de vacinas a estados e
municípios, o desenvolvimento de campanhas de imunização para diversas doenças
e o estabelecimento de normas (que vacinas devem ser aplicadas, em que período
e quem está apto a tomá-las). Tarefas que, obviamente, são afetadas pelo
troca-troca.
Reportagem do GLOBO mostrou que a
rotatividade acarreta prejuízos como a perda de memória da gestão do órgão e
falhas na interlocução com as secretarias estaduais e municipais, fundamental
para o bom funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Historicamente, não
são comuns tantas trocas. A epidemiologista Carla Domingues esteve à frente do
programa de 2011 a 2019, passando pelos governos Dilma Rousseff, Michel Temer e
Jair Bolsonaro (início).
O desinteresse do governo pelo PNI é tal
que o programa ficou sem titular entre junho do ano passado, quando a
enfermeira Francieli Fantinato pediu exoneração (ela disse na CPI da Covid que
estava insatisfeita com a politização da vacinação), e outubro, quando foi
nomeado para o cargo o pediatra Ricardo Gurgel. Mas ele nem assumiu. Foi
desconvidado, provavelmente por ter feito críticas ao governo. Somente em
janeiro foi nomeada a farmacêutica Samara Carneiro, que ficou apenas três
meses. Foi sucedida por Adriana Lucena, atual titular.
Outra demonstração do esvaziamento do PNI é
a vacinação contra o novo coronavírus estar a cargo da Secretaria
Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Secovid).
Até parece que as campanhas de imunização
no Brasil vão bem. Os baixíssimos índices de cobertura, especialmente na
vacinação infantil, são uma preocupação das autoridades sanitárias nos três
níveis de poder, pelo risco de ressuscitar doenças erradicadas, como a
poliomielite. O governo não ajuda, seja pela falta de campanhas para informar e
estimular a população a ir aos postos, seja pelos inaceitáveis ataques do
presidente Bolsonaro às vacinas.
Não se podem atribuir os baixos índices de
imunização exclusivamente à gestão claudicante do PNI no governo Bolsonaro.
Sabe-se que são influenciados por movimentos antivacina, por problemas de
logística (como mostrou pesquisa encomendada pelo próprio Ministério da Saúde),
pela hesitação da população etc. Mas sem dúvida o desafio de recuperar a
cobertura vacinal e proteger a população de doenças é ainda mais complexo com o
PNI à deriva.
Se Bolsonaro estivesse na frente nas pesquisas não estaria questionando a lisura das urnas eletrônicas,simples assim.
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