sábado, 18 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Gritaria farsesca

Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Lira agravam crise enquanto encenam indignação contra alta dolorosa

O novo reajuste dos preços dos combustíveis representa, sem dúvida, um flagelo para a população brasileira, em especial, como deveria ser desnecessário dizer, para os estratos de renda mais baixa.

Mesmo antes da majoração anunciada nesta sexta-feira (17), os combustíveis já mostravam alta acumulada de quase 30% no período de 12 meses encerrados em maio, segundo o IBGE. O encarecimento não impacta apenas quem usa automóvel, ônibus ou caminhão —os custos do transporte são repassados às mercadorias e aos serviços.

Como a Folha noticiou, o peso de gasolina, diesel, etanol e gás veicular no IPCA, índice que serve de referência para a política do Banco Central, saltou de 5,4%, há dois anos, para 8,1% no mês passado. Dito de outro modo, os preços desse grupo de produtos têm subido acima dos demais, num contexto de inflação já elevada.

Os reajustes promovidos pela Petrobras, portanto, contribuem decisivamente para forçar o Banco Central a elevar os juros, o que dificulta o crédito, reduz o emprego e deprime a atividade econômica.

Tudo isso considerado, resta buscar as melhores maneiras de enfrentar o problema e minorar suas consequências nefastas para o bem-estar social. O presidente da República, infelizmente, está preocupado apenas com os efeitos da crise em suas chances de reeleição.

A esta altura, Jair Bolsonaro (PL) mergulha no ridículo ao inventar teses persecutórias e fazer pressão pública sobre a Petrobras.

Depois de três trocas no comando da estatal, está claro que a política de preços não obedece à vontade de chefetes de ocasião. A alta do petróleo é global, e não cabe a uma empresa listada em Bolsa de Valores fazer política de governo.

Como escudeiro do Planalto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), participa ativamente do teatro da indignação, enquanto concorre para a ofensiva irresponsável de corte de impostos federais e estaduais sobre os combustíveis que empurrará a conta para o próximo governo.

Todo esse espalhafato esconde a inépcia do governo no que é mais essencial. O combate à inflação será mais eficaz e menos doloroso se as finanças públicas forem bem geridas e houver confiança na política econômica —tudo o que Bolsonaro e centrão fazem erodir.

Cumpre, ademais, reforçar tanto quanto possível o aparato de proteção social. Criado de maneira apressada, o Auxílio Brasil demanda aperfeiçoamento nas normas e redução da fila de espera.

A gritaria inútil e farsesca de Brasília só faz fragilizar a maior estatal do país. A Petrobras merece a privatização, mas até lá deve ser tratada —e principalmente bem gerida— como patrimônio público.

No fim da fila

Folha de S. Paulo

Ranking econômico mostra carências crônicas do Brasil, com destaque para ensino

Sem progressos relevantes nos últimos anos, o Brasil continua mal posicionado nas comparações internacionais de competitividade econômica. No mais recente relatório do IMD, prestigiosa escola de negócios da Suíça, o país ficou em 59º lugar entre 63 países, duas posições abaixo do ano anterior.

O índice do IMD agrega 333 critérios, dos quais 163 baseados em números da economia e o restante obtido em pesquisas qualitativas com cerca de 6.000 executivos de empresas nacionais e estrangeiras, uma amostra representativa da estrutura econômica de cada país. No Brasil foram ouvidas 134 pessoas pela Fundação Dom Cabral.

Por certo, a agregação dos critérios numa escala comparável entre países não é trivial, e o exercício sempre deve ser considerado como uma entre muitas indicações.

Mesmo com tal ressalva, é inegável que a posição brasileira é ruim, com notável destaque negativo para a qualidade da educação, em que o país aparece em último lugar. Apenas 23,5% das pessoas entre 25 e 34 anos tem acesso ao ensino superior, ante uma média de 44,2% das demais economias.

Outras mazelas muito conhecidas dos brasileiros também respondem pelo fiasco. No quesito eficiência do governo, o país subiu um degrau, mas ainda permanece na antepenúltima posição da amostra.

O padrão se repete em outros fatores determinantes para a competitividade e a solidez econômica, como segurança jurídica, indicadores de pobreza, estrutura tributária, barreiras tarifárias e infraestrutura. Neste último item, aparecemos na 53ª posição, uma abaixo da obtida em 2021, com piora em infraestrutura básica e científica, saúde e meio ambiente.

Mesmo onde houve avanço, como no quesito desempenho econômico, em que o Brasil subiu três colocações e está na 48ª, o resultado deriva de fatores que não dependem tanto de avanços locais.

No caso, o que houve foi ampliação do comércio internacional, notadamente de matérias-primas em que o Brasil é tradicionalmente competitivo, num contexto de alta demanda mundial.

No agregado, não se vê novidade no trabalho. Sem perspectiva de crescimento sólido, preso a um padrão de baixa produtividade, amarrado em ineficiências institucionais e regulatórias, indeciso para fazer avançar de forma célere um conjunto de reformas essenciais amplamente conhecidas, o país segue a perder oportunidades.

Bolsonaro, Lira e a política do grito

O Estado de S. Paulo

Ataques violentos do governo e seus aliados aos executivos da Petrobras não têm outro objetivo senão o de fazer da estatal o bode expiatório da inflação

A virulenta reação do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados no Congresso ao reajuste dos combustíveis anunciado pela Petrobras é despropositada sob qualquer aspecto que se observe – menos, é claro, o eleitoral.

Há 99 dias segurando os preços da gasolina, mesmo diante da forte alta no mercado internacional, a companhia anunciou um aumento de 5,2%. Para o diesel, congelado há 39 dias, o reajuste foi de 14,2%. Nos dois casos, os índices foram inferiores ao necessário para alinhar os preços internos aos praticados no exterior.

Do ponto de vista da estatal, era a coisa certa a fazer, pois, por determinação estatutária e legal, a empresa não pode deliberadamente represar seus preços se isso significar perdas aos acionistas – entre os quais, recorde-se, está a União, que é majoritária. Ademais, o adiamento do reajuste poderia levar a desabastecimento, uma vez que cerca de um terço do diesel consumido no Brasil é importado – e, por razões óbvias, os importadores se recusam a comprar combustível para vendê-lo com prejuízo no mercado interno.

Nenhum desses argumentos racionais, contudo, impediu a ofensiva de Bolsonaro e do presidente da Câmara, Arthur Lira, contra a Petrobras. O mais recente ataque começou na quinta-feira, quando o governo pressionou o Conselho de Administração a não aprovar o reajuste. Nesse mesmo dia, Bolsonaro disse que um aumento logo após a aprovação do teto do ICMS pelo Congresso – elaborado e aprovado a toque de caixa por irresistível pressão bolsonarista, a despeito dos imensos danos que causará aos Estados – não teria justificativa a não ser um “interesse político” para atingir o governo. 

Ontem, numa interferência absolutamente descabida, Arthur Lira admitiu ter telefonado para o presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho, para advogar contra o reajuste. Além disso, o presidente da Câmara cobrou a renúncia imediata de Ferreira Coelho: “Saia daí, saia já! Esse lugar não é seu. É do Brasil”, escreveu Lira no Twitter. O diversionismo chegou a ponto de incluir a ameaça de instauração de uma CPI para investigar os conselheiros e executivos da Petrobras – que, em um processo quase kafkiano, estão sendo acusados de fazer precisamente o trabalho para o qual foram contratados.

Na narrativa mambembe que o governo tenta emplacar, o motivo do mais novo aumento dos combustíveis seria uma “retaliação” de Ferreira Coelho e de membros do Conselho de Administração da Petrobras contra a decisão de Bolsonaro de substituí-los. No mundo real, contudo, as commodities minerais e agrícolas continuam a ser influenciadas pela guerra entre Rússia e Ucrânia, e o aumento dos preços dos combustíveis era mais do que previsível. Ademais, já se sabia que o teto para o ICMS seria meramente paliativo e provavelmente inútil, anulado à medida que novos reajustes fossem anunciados.

Nenhuma dessas considerações refreou o ímpeto demagógico de Bolsonaro e Arthur Lira, concentrados exclusivamente nas eleições de outubro. Pouco importa se isso significar a ruína da Petrobras, exatamente como aconteceu no desastroso governo de Dilma Rousseff, que, igualmente por imperativos eleitorais, impôs controle de preços sobre os combustíveis, causando rombo de mais de R$ 100 bilhões à estatal.

Em sua cruzada para segurar os preços dos combustíveis na esperança de conter a inflação, que ameaça lhe tirar a reeleição, Bolsonaro já demitiu três presidentes da Petrobras, trocou o ministro das Minas e Energia, mobilizou mundos e (principalmente) fundos para aprovar o teto do ICMS sobre combustíveis e agora quer uma CPI para intimidar os executivos da estatal.

Tudo isso tem sido em vão – e assim continuará a ser, salvo se forem alterados os estatutos e as leis criados justamente para impedir que a Petrobras volte a servir a um projeto de poder, como nos tempos do PT. Afinal, é improvável que algum executivo ou conselheiro da Petrobras em seu juízo perfeito se arrisque a ter problemas na Justiça por permitir que a empresa se dobre aos interesses de Bolsonaro e de seus sócios, causando prejuízo aos acionistas e ao País.

Réquiem para dois amigos do Brasil

O Estado de S. Paulo

Bruno Pereira e Dom Phillips morreram por ter a coragem de acreditar no valor de seu trabalho para a construção de um mundo melhor, a despeito das ameaças

A Polícia Federal (PF) e a Polícia Civil do Estado do Amazonas investigam as circunstâncias em que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram brutalmente assassinados no Vale do Javari. Conhecer a dinâmica desse crime que entristeceu o mundo é fundamental, mas a verdade é que Bruno e Dom morreram porque ousaram prosseguir com o trabalho que realizavam na região, a despeito das ameaças que recebiam e do absoluto abandono pelo Estado. Malgrado todas as adversidades, ambos seguiram adiante porque acreditavam na relevância do que faziam para a construção de um futuro melhor, para o País e para o mundo. São raros os que têm a coragem que tiveram esses dois amigos do Brasil e das boas causas.

Por ora, tem-se a confissão de Amarildo Oliveira, conhecido como “Pelado”, um pescador envolvido com diversas atividades ilegais no Vale do Javari. Contudo, não se sabe exatamente a motivação para o crime; se “Pelado” agiu por conta própria ou a mando de alguém; se matou e ocultou os corpos sozinho ou se teve a ajuda de comparsas. A Justiça, por sua vez, ainda terá de analisar todas as provas colhidas pelas autoridades policiais e trazidas a julgamento pelo Ministério Público. Ou seja, ainda há um caminho pela frente até que o duplo homicídio seja esclarecido, provado e punido. Mas é certo que Bruno e Dom foram assassinados por lançar luz sobre um Brasil e sobre brasileiros abandonados pelas autoridades. Com destemor e determinação, os dois tentaram mostrar, cada um à sua maneira, que em pleno território nacional há uma espécie de enclave sob o jugo do crime organizado, e não das leis e da Constituição.

Poucas manifestações desse absoluto abandono e descaso com os povos daquela região e com os que se põem a defendê-los foram tão eloquentes quanto as declarações desumanas do presidente Jair Bolsonaro. Fiel à sua natureza, desde a primeira informação sobre o desaparecimento de Bruno e Dom na Amazônia, Bolsonaro atribuiu algum grau de culpa às próprias vítimas por seu infortúnio. Depois, prestou solidariedade às famílias das vítimas, possivelmente orientado por algum assessor preocupado com o desdobramento eleitoral do caso.

Bruno Pereira era um servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), considerado um dos maiores especialistas do Brasil em indígenas isolados e de recente contato. Seu genuíno interesse pelo bem-estar dos povos nativos o fez ser profundamente respeitado pelos indígenas. Seus restos mortais, junto com os de Dom Phillips, dificilmente teriam sido encontrados sem a participação de seus “irmãos de mata” nas buscas.

Como agente do Estado, Bruno coordenou as maiores operações de destruição de dragas de garimpo ilegal no Vale do Javari nos últimos anos. Também realizou operações que implicaram enormes prejuízos aos pescadores ilegais da região. Um servidor público com esse grau de comprometimento deveria ser exaltado, mas Bruno foi punido. Após sofrer retaliações como servidor da Funai, licenciou-se do órgão e, em vez de voltar para o conforto de casa e da família, passou a trabalhar diretamente com os indígenas por meio da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Isso dá a dimensão da entrega à causa que se pôs a defender. Na Univaja, Bruno ensinou aqueles que não sabiam se defender a protegerem suas vidas e suas terras. Pagou com a própria vida por sua abnegação e altruísmo.

Dom Phillips vivia no Brasil havia 15 anos. Aqui fez amigos e construiu uma família. O jornalista também poderia estar na segurança e no conforto de sua terra de origem, em Londres ou nos arredores de Liverpool, onde foi criado. Mas decidiu vir para o País a fim de explicar a Amazônia e seus conflitos para o mundo. Dom estava na floresta em pesquisa para um livro que pretendia escrever sobre a importância da preservação do bioma. Bruno o auxiliava no contato com as fontes.

Em vida, Bruno e Dom foram exemplos de fidelidade à função social do trabalho que realizavam, a despeito dos riscos. Na morte, lembram-nos do valor da coragem de defender o que é certo quando a covardia parece prevalecer.

A grande família

O Estado de S. Paulo

Sem cargo oficial, ‘Queiroguinha’ fala não só em nome do pai, mas como ‘representante’ do governo

O estudante de medicina Antônio Cristovão Neto, de 23 anos, é filho do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Por essa razão, é conhecido como “Queiroguinha” – e essa é sua credencial para circular por municípios do interior da Paraíba falando não só em nome do pai, mas “enquanto representante do governo”. 

Foi o que aconteceu recentemente durante visita de “Queiroguinha” à cidade de Sumé (PB). Como “representante” do Ministério da Saúde, o filho do ministro Queiroga participou de um ato político em que foi anunciada a liberação de R$ 12 milhões em recursos da pasta para a região do Cariri, no sul paraibano. “Queiroguinha” estava tão confortável no papel que concedeu entrevistas como se membro do governo fosse, sem qualquer constrangimento, embora não exerça qualquer cargo público. Como não foi desautorizado pelo pai ministro ou pelo presidente Jair Bolsonaro, presume-se que, para os padrões bolsonaristas, filhos de ministro ou do presidente são automaticamente considerados parte do governo. 

O princípio da impessoalidade na administração pública, referido no caput do art. 37 da Constituição, tem sido pisoteado pelo governo Bolsonaro, a começar pelo comportamento do próprio mandatário. Bolsonaro nem sequer se esforça para disfarçar o modo obsceno com que sobrepõe seus interesses particulares e familiares ao interesse público. Exemplos dessa mixórdia não faltam.

Na ausência de um referencial superior de probidade, e com suas próprias bússolas morais descalibradas, alguns ministros de Estado se sentem autorizados a fazer o mesmo, ou seja, usar os cargos públicos para defender interesses próprios, de familiares ou de amigos. Assim sucedeu com Milton Ribeiro, que, quando era ministro da Educação, conforme revelou o Estadão, franqueou o acesso ao MEC a uma dupla de pastores obscuros – os “amigos do pastor Milton” – que, como se também fossem representantes do governo, agiam como intermediários de prefeitos no acesso aos bilionários recursos da Educação.

Agora, ao que parece, é a vez de Marcelo Queiroga fazer o mesmo, tendo o filho na posição de intermediário privilegiado. “Queiroguinha”, recém-filiado ao PL, partido de Bolsonaro, é pré-candidato a deputado federal pela Paraíba. Com evidente interesse eleitoral, o rebento tem usado o livre acesso ao gabinete do pai, em Brasília, para organizar caravanas de prefeitos que querem despachar suas demandas com o ministro da Saúde. A informação foi revelada pelo jornal O Globo. Como contrapartida, é lícito inferir, esses prefeitos atuariam como cabos eleitorais de “Queiroguinha” em sua campanha por um assento na Câmara dos Deputados em 2023.

Faz parte do trabalho de ministros de Estado receber prefeitos e governadores e ouvir suas demandas, atendendo aos pleitos, quando possível, ou negando, quando for o caso. Tudo com a mais absoluta transparência e respeito às leis e à moralidade pública. O que é inconcebível é essa relação, que deve ser institucional e republicana, ser estabelecida por laços familiares ou de amizade. É a esculhambação da administração pública.

É estapafúrdia a proposta do 14º para aposentados

O Globo

A pressão de deputados em favor de um projeto de lei para conceder um 14º salário a aposentados e pensionistas do INSS é tão estapafúrdia que até o governo de Jair Bolsonaro, célebre pelo populismo também na economia, parece ser contrário à ideia. O objetivo, ninguém esconde, é a Câmara promover mais uma bondade em ano eleitoral para conquistar votos. O custo da brincadeira nos próximos dois anos seria de pelo menos R$ 50 bilhões, o equivalente aproximadamente a todos os investimentos da União ao longo de um ano.

O projeto seria apenas mais uma dessas ideias folclóricas que circulam pelo Congresso e não dão em nada, não tivesse sido aprovado nas comissões de Seguridade Social e Finanças da Câmara. Está agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de onde poderá ir a plenário. Caso os deputados não tenham a lucidez necessária para liquidar essa demagogia nada barata, a responsabilidade de recobrar a sensatez recairá sobre os senadores.

É verdade que os aposentados e pensionistas vivem em lares abalados pela insegurança alimentar e pela corrosão na renda provocada pela inflação alta e continuada. Trata-se de um problema real, que deveria ser do interesse dos congressistas. Só que dá trabalho analisar em detalhes quem está realmente em situação crítica, e os deputados que apoiam o 14º salário não parecem ter a disposição necessária para essa tarefa.

Se quisessem realmente atenuar o sofrimento dos aposentados e pensionistas que sofrem, deveriam identificar aqueles que fazem parte dos milhões de brasileiros que não têm o que comer. Parece óbvio que essa parcela considerável da população deveria ser a primeira na lista de prioridades de deputados e senadores.

Embora as famílias em que ninguém recebe aposentadoria sejam mais propensas a passar fome, há aposentados e pensionistas em situação de penúria. Mas, antes de pensar em soluções, é preciso saber quem são e onde vivem. Uma vez feito o levantamento, a melhor alternativa não seria aumentar aposentadoria e pensões, medida impossível de conceder a apenas um grupo específico. A saída é fortalecer programas sociais existentes ou formular medidas de emergência com foco nos necessitados. Tudo isso exige dedicação e competência, artigos escassos no Parlamento.

Em vez disso, os deputados, entre os quais aliados de Bolsonaro, apoiam a medida demagógica e perdulária: conceder o 14º salário de forma indiscriminada para aposentados e pensionistas que ganham um salário mínimo. O deputado Ricardo Silva (PSD-SP), relator do projeto na CCJ, expôs sua lógica em entrevista ao GLOBO: “Quero ver quem vai ter a coragem de votar contra o aposentado a poucos meses da eleição”.

Faltou Silva esclarecer que decisões como essa têm consequências. Para acomodar uma nova despesa, o governo teria de sacrificar outras áreas de um Orçamento apertado. Aprovado o 14º salário, as casas dos brasileiros que passam fome e contam com um aposentado sentiriam um alívio. Todas as outras, inclusive as com crianças, as mais afetadas, correriam o risco de ver ainda mais distante qualquer possibilidade de ajuda. Que ninguém se iluda. É pura irresponsabilidade a estratégia de pressionar por mais gastos em ano eleitoral apenas para passar a impressão de que se está fazendo algo e para tentar ganhar votos.

Ocidente deveria chegar a acordo sobre seus objetivos na Ucrânia

O Globo

Com a guerra na Ucrânia perto de completar quatro meses e os russos conquistando mais território, o Ocidente precisa entrar em acordo sobre seus objetivos. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, afirma que os ucranianos devem vencer a guerra. O chanceler alemão, Olaf Scholz, costuma declarar que a Rússia não pode ganhar. O presidente americano, Joe Biden, parece ficar num meio-termo, afirmando que a meta é uma Ucrânia livre e independente. Mais que um jogo de palavras, as diferentes leituras denotam percepção distinta dos riscos envolvidos.

Quem, como os dirigentes de Reino Unido, Polônia, Estônia e Finlândia, fala na vitória da Ucrânia teme o expansionismo de Vladimir Putin. Segundo eles, o atual conflito é uma chance de dar uma lição à Rússia sobre o custo de atacar, sem provocação, um país independente. Aceitar uma vitória russa equivaleria a um incentivo a novas invasões.

Os países que evitam dizer que a meta é o triunfo dos ucranianos receiam o que uma derrota provocaria nas decisões de Putin. Para integrantes do governo americano, um vexame militar poderia levar o líder russo a usar armas nucleares, rompendo a escrita respeitada desde o final da Segunda Guerra Mundial, sabe-se lá com que consequências.

A diferença de visões está afetando o que ocorre nos campos de batalha. As forças ucranianas ganham em entusiasmo, mas perdem na capacidade bélica. Seu arsenal pode disparar cerca de 5 mil projéteis de artilharia por dia, um décimo do poder de fogo russo. Está acabando a munição de seus armamentos antiquados, e as armas prometidas pelo Ocidente chegam a conta-gotas. Além da pronta entrega do que já foi anunciado, seria necessário enviar armamentos de mais longo alcance para que os ucranianos pudessem atingir a artilharia e as linhas de suprimento russas sem correr riscos na linha de frente.

Ciente da situação, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, não para de pedir mais ajuda. Por enquanto, continua recebendo visitas de dirigentes europeus — nesta semana vieram o alemão Scholz, o francês Emmanuel Macron, o italiano Mario Draghi e o romeno Klaus Iohannis. Nem a recomendação da Comissão Europeia para que a Ucrânia seja aceita como candidata a ingressar na União Europeia, apoiada por eles, muda a situação no front.

Os combates de rua entre soldados ucranianos e russos em Severodonetsk são críticos para definir o destino do Donbass, região de maioria russa no leste do país. As tropas de Putin estão mais perto de tomar toda a área. A eventual conquista não necessariamente significaria o fim do conflito. Nem a recuperação do terreno perdido pela Ucrânia terminaria com a guerra. Ninguém sabe quando os dois lados aceitarão parar de lutar. O Ocidente poderia exercer um papel decisivo para fazer cessar o conflito — se ao menos soubesse o que deseja.

 

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