segunda-feira, 20 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Advocacia pessoal

Folha de S. Paulo

Como em outras áreas, Bolsonaro põe Advocacia-Geral a serviço de seu interesse

Jair Bolsonaro (PL) já deu provas mais do que suficientes de seu entendimento precário acerca do papel das instituições do Estado e do sistema de freios e contrapesos da democracia. Comporta-se com frequência como se gerisse uma estrutura pública a serviço de seus interesses privados, caprichos ideológicos e conveniências eleitorais.

São conhecidas as manobras do presidente, por exemplo, para interceder na defesa de parentes e amigos investigados por supostas irregularidades. Com esse objetivo, não hesitou em provocar crise ministerial e alimentar turbulências na Polícia Federal.

Segundo dados do setor de estatísticas do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro, com três anos e meio de mandato, já superou todos os seus antecessores no uso da Advocacia-Geral da União (AGU, órgão encarregado da representação jurídica do governo) para tentar remover entraves à sua gestão.

Até junho deste ano, o presidente já ingressou com 17 ações no STF sob representação da AGU, mesmo número do petista Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois mandatos.

No governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foram quatro; Dilma Rousseff (PT) recorreu dez vezes; Michel Temer (MDB), duas.

Assim como em outras frentes, a atuação agressiva de Bolsonaro na AGU também causou conflitos, como a demissão, em 2020, do então advogado-geral José Levi, que deixou de assinar uma ação contra decretos de governadores para impor restrições a serviços não essenciais durante a pandemia.

Levi foi substituído por André Mendonça, posteriormente indicado pelo presidente ao STF.

Um episódio que se destaca nesse terreno é o uso de advogados da União na defesa de Bolsonaro e de sua ex-funcionária Walderice Santos da Conceição, conhecida como Wal do Açaí, numa ação de improbidade administrativa em curso na Justiça Federal de Brasília.

O caso teve início após a Folha ter apontado, em reportagem de 2018, sinais de que Wal do Açaí havia sido uma funcionária fantasma do antigo gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados.

O Ministério Público Federal, diga-se, considera irregular a defesa, uma vez que não caberia à AGU atuar em favor de uma funcionária do então parlamentar, suspeita de gerar prejuízo aos cofres públicos.

Neste ano eleitoral, não é pequeno o risco de que Bolsonaro torne mais amplo e frequente esse tipo de expediente —o que, aliás, já se tem observado. Para conter os abusos, é preciso que as instituições contra as quais o mandatário se bate respondam à altura.

Funai desvirtuada

Folha de S. Paulo

Alvo da agenda bolsonarista, fundação perde servidores e abriga chefes militares

Inepto na maior parte da administração pública, o governo de Jair Bolsonaro (PL) promove danos com persistência nas áreas de interesse de sua pauta ideológica. É o que ocorre na Fundação Nacional do Índio (Funai), que deveria ser responsável por proteger direitos dos povos indígenas.

Desde o início de seu mandato, o presidente busca esvaziar a Funai. Somente 4 de cada 10 cargos do órgão estão atualmente ocupados —dos 3.700 existentes, cerca de 1.400 são preenchidos por servidores permanentes em atividade, estando o restante vago.

Conforme a Folha noticiou, a instituição possuía 30 servidores em Atalaia do Norte (AM) há mais de uma década. Hoje são apenas 12 funcionários, cuja coordenação acumula a responsabilidade pela terra indígena Vale do Javari com outros quatro territórios.

Apesar de reiterados pedidos, está desocupado desde maio de 2021 o cargo-chave para a fiscalização da pesca e da caça ilegais naquele território amazonense —onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados neste mês.

Sob Bolsonaro, a Funai tem o menor quadro de pessoal permanente desde 2008. Um adicional de 600 trabalhadores temporários foi contratado apenas após ordem do Supremo Tribunal Federal. Os servidores anunciaram greve para a próxima quinta-feira (23).

Menos pessoal qualificado resulta em menos fiscalização e em mais insegurança para os poucos agentes em campo. O próprio comando da entidade é acusado de prejudicar os trabalhos.

O dossiê Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro, publicado na semana passada, relata mecanismos de intimidação aos funcionários.

Elaborado em conjunto com a organização Indigenistas Associados (INA) e o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o texto lista procedimentos administrativos e processos criminais contra servidores, entre outras medidas.

Não bastasse o esvaziamento, o governo Bolsonaro tem operado a militarização da Funai. Das 39 coordenações regionais da fundação, segundo o relatório, somente 2 têm chefes titulares servidores do órgão. Em 27 delas, os escolhidos são de fora do quadro da Funai, incluindo membros das Forças Armadas e policiais militares e federais.

O pensamento militar, por sinal, tem dificuldade em reconhecer os povos indígenas como titulares de direitos a suas terras, ao mesmo tempo em que vê o ambientalismo como ameaça à soberania nacional. Isso explica muito.

Leniência demanda clareza jurídica

O Estado de S. Paulo

Os acordos de leniência precisam de um marco jurídico adequado. Não podem se prestar à impunidade de empresas nem à promoção política de agentes estatais

A informação, revelada pelo Estadão, de que grandes empreiteiras tentam renegociar valores definidos em acordos de leniência é mais um dado a expor as muitas dúvidas que recaem sobre esse instrumento jurídico, instrumento esse que, em tese, deveria ser útil para uma maior moralidade pública. No panorama nacional, dois aspectos sobressaem-se: falta um marco jurídico adequado aos acordos de leniência e seu uso exige cuidado. Além de não serem a panaceia prometida, acordos malfeitos podem gerar mais danos e desequilíbrios.

Assim como as delações premiadas, os acordos de leniência nasceram em um sistema jurídico diverso ao do Brasil, com princípios de funcionamento e atores institucionais diferentes. É um equívoco pensar que basta incluir na legislação nacional essa possibilidade de transação para que surjam os pretendidos efeitos positivos. A importação de um instrumento jurídico exige rigor técnico e serenidade.

No Brasil, o acordo de leniência foi introduzido há mais de 20 anos na legislação antitruste (Lei 10.149/2000, agora tratada na Lei 12.529/2011). Foi uma experiência setorizada, envolvendo um único órgão público, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em 2013, com a aprovação da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), o Congresso deu um passo muito maior, instituindo essa possibilidade de transação “no âmbito da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública”. Com efeitos sobre todo o Estado brasileiro, o tratamento do tema pela Lei Anticorrupção é regulado em apenas dois artigos (art. 16 e art. 17), o que é manifestamente insuficiente.

Por exemplo, a Lei 12.529/2011 define que o Cade, por intermédio de sua Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência. Um único ente público está, portanto, autorizado a celebrar os acordos no âmbito do Direito Concorrencial. Já a Lei 12.846/2013 dispõe que “a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência”. Com isso, inúmeros órgãos estatais ganharam poder negocial, gerando uma grande interseção das competências, o que é administrativamente ineficaz, acarreta mais gastos públicos e gera insegurança jurídica.

Só no âmbito federal, um único caso pode envolver a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público Federal (MPF) e o próprio Cade. Além disso, muitos processos têm implicações nas esferas federal, estadual e municipal, o que multiplica os órgãos em tese autorizados a celebrar o acordo de leniência.

A pretexto de resolver deficiências da lei, mas trazendo novas dúvidas, a então presidente Dilma Rousseff editou, em 2015, a Medida Provisória (MP) 703/2015, que não foi aprovada pelo Congresso. Em 2018, a AGU e o MPF elaboraram um entendimento sobre os acordos de leniência, prevendo que os diversos órgãos participassem desde o início das tratativas. A despeito das boas intenções, o documento confirmou a ausência de um tratamento legal minimamente adequado.

Esse cenário jurídico-institucional pouco preciso tem sido ocasião de um notório voluntarismo por parte de agentes públicos. Em 2017, por exemplo, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região teve de lembrar que o MPF não podia sozinho celebrar acordos de leniência envolvendo atos de improbidade administrativa, uma vez que o Ministério Público não pode dispor de patrimônio público.

Um efeito colateral dessa situação é o desgaste da autoridade do Estado. Para que um acordo de leniência produza os efeitos esperados – é o que se vê nos países onde foi criado –, a palavra do órgão público deve ter validade garantida. Caso contrário, uma porta estará sempre aberta para rever as condições, como se vê agora aqui.

Os quase dez anos de vigência da Lei 12.846/2013 oferecem muitos aprendizados. Acordo de leniência não é manobra de impunidade ou para promover politicamente agente estatal, com anúncio de cifras bilionárias. A prevenção e a punição da corrupção só são eficazes nos trilhos da lei.

Superprodutivo, agro pode ir além

O Estado de S. Paulo

Brasil pode aproveitar os fatores que alavancaram o sucesso do setor para conquistar novos mercados, mas para isso precisará de um ‘plano safra de guerra’

A guerra na Ucrânia trouxe desafios severos para todos os setores da economia. Mas para a agropecuária trouxe também oportunidades. Com as rupturas nas cadeias tradicionais, o Brasil pode conquistar novos mercados. Mas para isso, como disse recentemente ao Estadão o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, o País precisará de um “plano safra de guerra”.

Felizmente, o Brasil tem um histórico de sucesso em que se apoiar. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 1975 e 2020 a produtividade total dos fatores (PTF) – a relação entre o índice de produto total e o índice de insumos – cresceu 400% na agricultura. Nas últimas duas décadas, a PTF do setor no Brasil cresceu cerca de 3,2% ao ano, bem acima da média mundial de 1,7%.

Além dos ganhos diretos em lucros, empregos, renda e arrecadação, o aumento da produtividade na agricultura teve um impacto social. Ele permitiu a expansão da oferta em nível maior que o crescimento da demanda, reduzindo os preços dos alimentos. Entre 1978 e 2005, a queda nos preços da cesta básica foi de cerca de 75%.

Não se trata de uma dádiva. O crescimento está fundamentalmente baseado em tecnologia. Entre 1995 e 2017, para um crescimento de 100% no valor bruto da produção, a participação da tecnologia subiu de 50% para pouco mais de 60%, enquanto a participação do fator trabalho caiu de 31% para 20% e o fator terra ficou estável em 20%.

As reformas no sistema de pesquisa, que viabilizaram novos modelos de produção, como o plantio direto, os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta ou o uso de transgênicos, foram acompanhadas de mecanismos modernos de financiamento da produção, como políticas de crédito, de seguro, de preços e o corte dos subsídios. Tudo isso foi impulsionado pela criação de adidos agrícolas que viabilizaram maior abertura e comunicação com novos mercados.

O contraste com a indústria é chocante. A trajetória espetacular da agropecuária nas últimas décadas é quase um negativo da trajetória deprimente da indústria.

Ao aproveitar essa combinação de pesquisa e financiamento, os agropecuaristas brasileiros fizeram do agro não só um modelo de produtividade, mas de sustentabilidade. Desde 1990, a produção cresceu quase quatro vezes mais que a área plantada. Segundo o Ipea, nos últimos 15 anos o agro alcançou a marca de 113% na meta de mitigação de carbono e de 290% na de recuperação de pastagens.

Além dos alimentos, a transição energética gera oportunidades para fontes renováveis, como etanol de cana ou de milho e biodiesel de soja ou de sebo bovino. Roberto Rodrigues estima ser possível saltar dos atuais 270 milhões de toneladas de grãos para mais de 300 milhões, sem aumentos substantivos na área plantada. Mas isso exigirá esforços e adaptações.

Há problemas estruturais crônicos, como a ineficiência no escoamento da produção. O crescimento da produção no Cerrado, em parte na direção Centro-Oeste e de áreas da Região Norte-Nordeste, não foi acompanhado de melhorias na infraestrutura logística.

Do ponto de vista conjuntural, já na pandemia a busca de muitos países por garantir estoques aumentou a demanda e os preços dos produtos, mas também dos insumos, exigindo mais crédito. Porém, com as dificuldades econômicas do País, a oferta está limitada.

Há pouco a se esperar de um governo irredutivelmente disfuncional e, agora, obcecado com as eleições. “A saída é se unir às tradings, aos bancos privados, às cooperativas, às associações de classe”, disse Rodrigues. Além disso, não adianta o Brasil ser um grande exportador, se os produtores ficarem descapitalizados, comprometendo a produção futura. “Tem de ter um programa articulado, com preço de garantia, com seguro funcionando.”

Não se pode poupar esforços. Eles trarão não só ganhos econômicos para o Brasil, mas sociais para o mundo. Segundo a Embrapa, o agro brasileiro já alimenta 800 milhões de pessoas no mundo. Em menos de dez anos, estima Rodrigues, o Brasil pode alimentar 1 bilhão de pessoas, “sendo um país que vai defender a segurança alimentar e, portanto, a paz, porque não haverá paz enquanto houver fome”.

Leitura negligenciada

O Estado de S. Paulo

Pesquisa mostra que muitas pré-escolas não têm rotina de leitura de histórias para crianças, essencial na educação

Uma pesquisa em creches e pré-escolas de 12 cidades brasileiras constatou que 55% das turmas não tinham uma rotina de leitura de histórias para as crianças e somente 10% ofereciam acesso livre a livros. Os resultados, noticiados pelo Estadão recentemente, merecem a atenção urgente de educadores e gestores. 

Como se sabe, a educação infantil, etapa formada por creches e pré-escolas, tem impacto ao longo de toda a trajetória escolar de crianças e adolescentes. Afeta, portanto, o desenvolvimento pessoal e profissional de cada indivíduo. O que é ainda mais verdadeiro no caso de alunos em situação de maior vulnerabilidade, isto é, aqueles cujos pais ou responsáveis têm baixa escolaridade, menor renda e menos acesso a livros, internet e atividades extraclasse. 

Se a educação é a chave para reduzir desigualdades, a educação infantil constitui um momento especialíssimo, talvez único, em que o acesso a creches e pré-escolas pode fazer toda a diferença. De que forma? Igualando oportunidades ou, pelo menos, reduzindo o peso que a situação socioeconômica das famílias tem sobre o sucesso escolar dos filhos. No Brasil, é sabido que o desempenho dos estudantes, em grande medida, reflete mais a realidade familiar do que o fator escola. Daí a importância de que o País não apenas abra mais vagas em creches e universalize o atendimento nas pré-escolas, mas garanta também a qualidade da educação infantil. 

Convém, para isso, analisar em detalhes a pesquisa divulgada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes) da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da Fundação Itaú Social e do Movimento Bem Maior. Entre junho e dezembro de 2021, os pesquisadores acompanharam atividades em 3.467 turmas de creches (48,5% da amostra) e pré-escolas (51,5%), em um total de 1.807 unidades educacionais públicas ou conveniadas (instituições particulares que atendem alunos da rede pública mediante convênio com as prefeituras).

A amostra visitada em 12 municípios de todas as cinco regiões do País não tem representatividade estatística nacional, mas levantou indícios que podem orientar as redes de ensino. No Sudeste, foram visitadas unidades em Suzano (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG). 

Enquanto 55% das turmas não tinham atividades regulares de leitura de livros para as crianças, 27% da amostra vivia situação oposta, aplicando, como deve ser, duas ou mais estratégias qualificadas de leitura para os alunos. Considerando que todas as unidades atendem alunos da rede pública, cabe a pergunta: por que há creches e pré-escolas que conseguem oferecer esse tipo de atividade e outras não? 

Encontrar a resposta é essencial para que as redes de ensino identifiquem seus gargalos e resolvam suas deficiências. A educação infantil é capaz de reduzir desigualdades e dar novo rumo à trajetória de milhões de estudantes. Isso passa pelo estímulo à leitura e pelo contato com os livros – desde cedo.

Competitividade é agenda crítica para o próximo governo

O Globo

O último Anuário de Competitividade Mundial, pesquisa com empresários e executivos feita pelo Instituto para o Desenvolvimento da Gestão (IMD), na Suíça, confirma a proverbial incapacidade da economia brasileira para competir no exterior. O Brasil está na 59ª colocação entre 62 países, três posições abaixo do 56º lugar que ocupava em 2020. Estamos à frente apenas de África do Sul, Mongólia, Argentina e Venezuela — e atrás de Botsuana e Colômbia. O levantamento traz nas três primeiras posições Dinamarca, Suíça e Cingapura.

Eis mais um atestado da imensa dificuldade que governos e políticos brasileiros têm para enfrentar as deficiências do nosso ambiente econômico. Com as exceções de praxe, como agronegócio ou mineração, o desempenho brasileiro na comparação internacional só piorou no governo Jair Bolsonaro.

A pesquisa é divulgada no momento em que os candidatos à Presidência negociam alianças e formulam propostas. Diante dos resultados e do histórico deplorável do país nos rankings de competitividade, o próximo presidente, seja quem for, deveria fazer sugestões de políticas que mudem essa situação. É uma agenda conhecida, que passa por educação, reformas na área tributária e no ambiente de negócios.

Para melhorar a qualificação da mão de obra, é necessário antes de tudo aprimorar o ensino básico. O problema começou a ser enfrentado no governo Fernando Henrique Cardoso, com políticas que tiveram sequência no ciclo petista, mas foram deixadas de lado na gestão Bolsonaro, que preferiu converter o Ministério da Educação (MEC) em front da “guerra cultural” contra a esquerda. Há melhorias localizadas e mobilização entre estados, municípios e organizações da sociedade no aperfeiçoamento de métodos pedagógicos, muitos já usados com sucesso. Falta, porém, o MEC exercer seu papel de coordenador e difusor das boas práticas.

Melhorar a competitividade depende ainda de uma reforma tributária que torne os impostos mais racionais. É preciso acabar com a barafunda de normas e idiossincrasias da Receita Federal que criam dificuldades a quem quer empreender. Isso ajudaria as empresas a reduzir custos administrativos para oferecer produtos e serviços mais competitivos. Duas propostas de reforma tributária no Congresso substituem vários impostos por poucos. Mas o governo preferiu deixar o tema de lado. O Planalto enviou um projeto mais tímido, sugeriu mudanças descabidas no Imposto de Renda, e ficou nisso. Resultado: o Brasil continua a ser o país onde as empresas mais perdem tempo para se manter em dia com o Fisco.

Os gargalos de infraestrutura, outra barreira que as empresas precisam transpor, só serão desobstruídos com a ajuda da iniciativa privada. Bolsonaro faz licitações de aeroportos e acaba de promover o leilão de ações da Eletrobras. Mas está longe das metas de privatização alardeadas. Falta agilidade. A União ainda tem uma folha de salários com 657 mil servidores ativos, regidos por normas arcaicas que uma reforma administrativa já deveria ter atualizado. Bolsonaro congelou o projeto no Legislativo. As empresas brasileiras continuarão, então, a enfrentar toda sorte de burocracia na tentativa infrutífera de competir no exterior.

A competitividade exige uma agenda específica e interdisciplinar, com definição de metas e cobrança de resultados. É um tema crítico para a campanha eleitoral e para o próximo governo.

Desmonte da Funai agrava drama dos povos indígenas na Amazônia

O Globo

O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, na Amazônia, expôs a incapacidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) para proteger populações indígenas acossadas por criminosos de todo tipo. Nos últimos anos, ela vem passando por desmonte semelhante ao imposto aos órgãos ambientais. Cortes no orçamento, redução no número de servidores, perda de quadros qualificados e aparelhamento pelo bolsonarismo têm comprometido o trabalho.

O desmantelamento, como mostrou reportagem do GLOBO, vem desde o governo Temer, quando a Funai perdeu quase 40% do orçamento, e se agravou com Jair Bolsonaro. Em três anos e meio, ele jamais demonstrou empenho na defesa dos povos indígenas — costuma se vangloriar de não ter demarcado nenhuma reserva. O próprio Bruno foi exonerado em 2019 do cargo de coordenador-geral para índios isolados e de recente contato, após pressões de ruralistas. Só no último mês, três funcionários em postos de comando deixaram a Funai.

Os atuais servidores são insuficientes para fiscalizar terras indígenas que ocupam ao redor de 1 milhão de quilômetros quadrados. Em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, onde vive 10% da população indígena do país, existem 17 funcionários da Funai. Nos anos 90, eram 86, segundo Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA). A própria Funai reconhece as deficiências ao dizer que fez um pedido de concurso público para 1.043 vagas.

Como ocorre noutras áreas, a Funai deixou de ser uma instituição de Estado para servir aos desígnios do governo. Presidida pelo delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, e cada vez mais militarizada, a fundação está mais alinhada à pauta bolsonarista que às demandas dos povos indígenas. Xavier, indicado pela bancada ruralista, é crítico da demarcação de terras e defensor da exploração econômica nas reservas.

Enquanto a direção da Funai vive num universo paralelo, as comunidades são abandonadas à própria sorte. No ano passado, apenas 5% das despesas foram para assistência aos indígenas, segundo o portal da Transparência. Na pandemia, potencializada pela presença de invasores, o governo só tomou providências após cobrança do Supremo Tribunal Federal. Fustigado por garimpeiros e traficantes, o povo ianomâmi enfrenta uma tragédia humanitária. Lideranças relatam estupro de mulheres, crianças e aliciamento de menores. A malária devasta as aldeias. Imagens de crianças desnutridas e debilitadas pela doença chocaram o Brasil no fim do ano passado.

Alheios a tudo isso, Funai e Ministério da Justiça parecem mais empenhados em bajular o governo. Em março, o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça, Anderson Torres, e o presidente da Funai, entre outros, foram agraciados com a Medalha do Mérito Indigenista, “como reconhecimento pelos serviços relevantes, em caráter altruístico, relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas”.

Estado deve se aliar aos que lutam pela Amazônia

Valor Econômico

A floresta nunca esteve tão exposta a atividades ilegais

O brutal assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips exige uma profunda reflexão sobre as causas dos desmandos que se veem na Amazônia e quais medidas precisam ser tomadas para reverter esta inconcebível situação. A floresta nunca esteve tão exposta a atividades ilegais.

Por isso, deve-se ir além da exigência de que as investigações sejam concluídas o mais rápido possível: os envolvidos no crime devem ser condenados de forma exemplar. Não se pode aceitar que mais um crime desse tipo fique impune.

Mas, mais do que isso, este triste episódio precisa servir de força motriz para alterar a realidade de uma região que notadamente tornou-se área de atuação do crime organizado. Ainda que na sexta-feira a Polícia Federal (PF) tenha informado que as investigações não apontam para a existência de um mandante nem o envolvimento de alguma organização criminosa, é preciso aguardar a conclusão das apurações. Até porque indígenas que moram no Vale do Javari contestam essa visão da PF e a própria PF investiga mais 8 suspeitos, algo que põe em dúvida a apressada conclusão inicial.

A região do Vale do Javari é conhecida pela intensa atividade fora da lei. Lá, assim como em outras localidades da Amazônia, são frequentes os conflitos daqueles que estão dispostos a arriscar a própria vida para preservar a floresta com madeireiros, pescadores ilegais, caçadores e garimpeiros - grupos que têm se sentido cada vez mais à vontade para atuar desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse.

É antigo o retrospecto de violência e impunidade na região amazônica. Casos no Maranhão, Pará e Acre, como o assassinato do líder seringueiro e ambientalista Chico Mendes, tiveram repercussão internacional no passado e marcaram a história recente do Brasil. A violência, contudo, é crescente.

Em setembro de 2019, por exemplo, o colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado a tiros em Tabatinga (AM), na fronteira com Peru e Colômbia. Ele também trabalhava em uma base no Vale do Javari, a qual havia sido repetidamente atacada nos meses anteriores à sua execução. O caso está ainda sem resposta.

E de lá para cá pouco mudou. De acordo com um estudo da Comissão Pastoral da Terra divulgado em abril, a Amazônia concentrou 80% dos assassinatos no campo em 2021.

Para piorar, o Brasil chegou à lamentável situação em que importantes autoridades tentam relativizar a ausência do Estado nas localidades em que o poder público mais deveria estar. Em sua primeira manifestação sobre o desaparecimento de Phillips e Pereira, Bolsonaro chegou a flertar com a responsabilização das próprias vítimas pelo ocorrido. Para ele, a incursão havia sido uma aventura não recomendável, em uma admissão canhestra de que o Estado não controla seu próprio território.

Em outra oportunidade, declarou que Phillips "era malvisto na região" porque fazia reportagens contra garimpeiros e deveria ter tido atenção redobrada "consigo próprio".

Bolsonaro também parece comemorar o que especialistas consideram um desmonte das estruturas de fiscalização de órgãos federais. Foi o que aconteceu, por exemplo, em janeiro deste ano durante um evento voltado ao agronegócio. “Paramos de ter grandes problemas com a questão ambiental, especialmente no tocante à multa. Tem que existir? Tem. Mas conversamos e nós reduzimos em mais de 80% as multagens no campo”, afirmou.

Segundo Bolsonaro, a redução das multas foi um avanço. Mas dados do Imazon apontam que o desmatamento não para de crescer. Apenas de janeiro a maio foram derrubados 3.360 km2 da floresta amazônica - a maior devastação dos últimos 15 anos para o período. O Estado do Amazonas, onde Dom Phillips e Bruno Pereira foram assassinados, destacou-se negativamente no levantamento.

Outros aspectos precisam ser analisados. Como revelou o Valor na semana passada, os recursos efetivamente gastos no Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) foram reduzidos a menos da metade entre 2016 e 2021 - caíram de R$ 30 milhões para R$ 12 milhões. Em outra frente, a paralisação dos repasses do Fundo Amazônia entrou no radar do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da União. Tão cioso da soberania ao atacar Ongs que atuam na região, supostamente a serviço de potências estrangeiras, Bolsonaro não se importa com as ações claras dos cartéis de Medelin e Sinaloa na região. O Estado deve voltar a atuar como aliado dos que querem proteger a Amazônia.

 

 

 

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