terça-feira, 21 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Colômbia à esquerda

Folha de S. Paulo

Presidente eleito, Petro governará em ambiente hostil para qualquer ideologia

Apesar de uma campanha repleta de ataques e discursos apocalípticos de ambos os lados, o segundo turno da eleição presidencial na Colômbia transcorreu sem maiores sobressaltos, consagrando como vitorioso Gustavo Petro.

Ele venceu o candidato populista Rodolfo Hernández por um placar apertado de 50,4% a 47,3%, no pleito mais acirrado dos últimos 28 anos. Tendo disputado o cargo pela terceira vez, o ex-prefeito de Bogotá vai se tornar agora o primeiro líder de esquerda da história do país sul-americano. Adicionalmente, conta com uma mulher negra como vice, Francia Márquez.

Para alcançar esse triunfo inédito, Petro precisou, mais do que superar seu adversário, vencer as resistências que seu passado de ex-integrante do grupo rebelde M-19, desmobilizado em 1990, ainda geram num país traumatizado por décadas de conflitos envolvendo guerrilhas armadas de esquerda.

Procurou afastar-se de regimes ditatoriais do continente, como Cuba e Venezuela, e, ao contrário do que fez nos pleitos anteriores, apresentou-se com perfil mais moderado, buscando articular acordos com setores empresariais.

Assim como em outras eleições recentes na América do Sul, a votação colombiana foi marcada pela rejeição ao establishment político e por um forte desejo de mudança —o que pode ser medido, numa nação em que o voto não é obrigatório, pela maior participação eleitoral desde a década de 1970.

Petro governará um país que, embora venha conseguindo se recuperar economicamente do tombo sofrido durante a pandemia, ainda sofre seus efeitos sociais nocivos.

Se o Produto Interno Bruto da Colômbia registrou em 2021 o maior crescimento de sua história (10,6%), hoje cerca de 40% da população vive na pobreza e o desemprego alcança 12%.

Além da urgência de enfrentar tal situação, o ex-prefeito de Bogotá assume a Presidência com uma agenda ambiciosa de reformas.

Dentre seus principais objetivos, destaca-se a promessa de diminuir a dependência de petróleo e carvão, tornando o país um modelo de combate à mudança climática na região. Ele também busca implementar uma reforma agrária, aumentar os impostos dos colombianos mais ricos e renegociar tratados de livre-comércio.

A isso se soma a reestruturação dos sistemas de saúde e educação, bem como a implementação de pontos do pacto que resultou no fim das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Concorre contra tais pretensões a escassa base de apoio parlamentar obtida por Gustavo Petro. Sua coalizão, Pacto Histórico, dispõe de menos de um quinto dos assentos do Congresso bicameral.

Afora o caso do Brasil, onde Jair Bolsonaro (PL) buscará uma reeleição difícil, a esquerda tem obtido triunfos nas maiores economias latino-americanas —México, Argentina, Chile, Peru e, agora, Colômbia. Já as condições atuais de governo, num mundo de pandemia, inflação e risco de recessão, são hostis a todas as ideologias.

A demagogia é nossa

Folha de S. Paulo

Presidente da Petrobras sai em meio a ataques simplórios à direita e à esquerda

A índole intervencionista, encontradiça da esquerda à direita, se mistura ao oportunismo eleitoral na reação do mundo político à disparada dos preços dos combustíveis —problema que tem sido enfrentado à base de demagogia e medidas temerárias.

Do lado governista, ataca-se a Petrobras, maior empresa do país, na tentativa de apontar um culpado fora do Palácio do Planalto e do Congresso pelo encarecimento que atormenta a população em ano de disputa presidencial.

Mesmo para seus padrões, a reação de Bolsonaro e aliados foi explosiva. O presidente da República disse que a estatal "pode mergulhar o país no caos". Ao catastrofismo somou-se a ameaça de uma inusitada CPI contra a petroleira, com o apoio de Arthur Lira (PP-AL), o chefe do centrão à frente da Câmara dos Deputados.

Era chantagem, mas na sexta-feira (17) contribuiu para uma perda de mais de R$ 27 bilhões em valor de mercado da empresa na Bolsa. Não satisfeito, Bolsonaro insistiu na comissão de inquérito e previu queda adicional de R$ 30 bilhões nesta segunda (20). Em vez disso, colheu a renúncia do presidente da estatal, José Mauro Coelho.

Sem nenhum interesse em travar um debate mais qualificado, a oposição apenas procura jogar a crise no colo do presidente.

O líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), saiu-se com novas bravatas contra a política de preços da Petrobras, que segue as cotações globais: "A gente já provou que é possível lucrar com a Petrobras, vendendo a gasolina com preço em real". Deveria ser desnecessário lembrar a ruína da estatal ao final da gestão petista.

O presidenciável do PDT, Ciro Gomes, adotou uma linha de argumentação ainda mais rudimentar ao chamar Bolsonaro de "frouxo", como se evitar os reajustes fosse questão de valentia ou virilidade.

Ainda que venha a render votos, a indigência dos discursos e a temeridade dos atos dificultarão a tarefa de governar, agora e à frente. O perigo está em semear expectativas de soluções milagrosas para um problema complexo e global.

A fila dos pobres e pobreza da política

O Estado de S. Paulo

Em vez de zerar a fila do Auxílio Brasil, o governo Bolsonaro conseguiu a proeza de, em um mês, dobrar onúmero de famílias que estão à espera do benefício

Desemprego, inflação e empobrecimento fazem crescer, mês a mês, a fila de pessoas em busca do Auxílio Brasil, enquanto o presidente Jair Bolsonaro briga com a Petrobras por causa dos preços dos combustíveis. 

A fila mais que dobrou entre março e abril. Em um mês, passou de 1,308 milhão para 2,788 milhões de famílias, ou, por outro critério, de 2,450 milhões para 5,302 milhões de pessoas. Candidato à reeleição, o presidente extinguiu o Bolsa Família e tentou, com a criação do Auxílio Brasil, ter um grande programa social com a sua marca. Mas também nessa área falhou a sua administração, assim como na economia, na saúde, na preservação do ambiente e na defesa de fronteiras contra o crime internacional.

A fila dos pobres em busca de ajuda nunca foi zerada. Chegou a diminuir, entre novembro e janeiro, de 3,189 milhões de famílias para 434 mil, mas logo voltou a crescer, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), principal fonte – diante da omissão do Ministério da Cidadania – de informações sobre o assunto.

A omissão reflete o padrão geral da administração Bolsonaro. Essa administração se relaciona duplamente com a longa fila de gente à espera de ajuda. Além de ser incapaz de atender as famílias candidatas, o presidente da República é responsável, juntamente com seus auxiliares, pela falta de rumo da economia, pela insegurança dos negócios, pelo continuado aumento da pobreza e pela piora dos indicadores sociais do Brasil.

A fila de famílias em busca do auxílio é parte de um amplo e sombrio cenário. O quadro inclui desemprego na faixa de 10%, muito superior ao observado nas grandes economias, alta informalidade no mercado de trabalho, estagnação industrial, inflação acelerada e grande aumento da pobreza. A fome reapareceu no dia a dia de 33 milhões de brasileiros, 15,4% da população. Quando o País saiu do Mapa da Fome da ONU, em 2014, havia 9,5 milhões de pessoas, 4,7% da população, sem alimentação regular.

O empobrecimento inclui o retrocesso de outros indicadores. Com a economia sem dinamismo nos últimos dez anos, o Produto Interno Bruto (PIB) por habitante ficou no ano passado em R$ 40.668, abaixo daquele registrado em 2013, R$ 44.097, num cálculo a preços constantes divulgado pela Fundação Getulio Vargas. Alguns anos ainda serão necessários para a recuperação daquele valor, se o PIB continuar, como se estima, avançando lentamente no futuro próximo.

Não há, por enquanto, razão para esperar crescimento mais veloz, porque o investimento em capacidade produtiva continua muito baixo, exceto na agropecuária. No conjunto da economia, o investimento em máquinas, equipamentos e construções, incluídas obras de infraestrutura, tem ficado abaixo ou pouco acima de 18% do PIB. Faltam seis ou sete pontos para atingir o nível necessário a um dinamismo mais parecido com os padrões de outros emergentes.

O investimento poderia ter sido maior, nos últimos três anos e meio, se o poder central tivesse conseguido avançar nas parcerias com o setor privado ou cumprido uma parte razoável das privatizações prometidas. Pouco se realizou nessa área, além da venda de ações da Petrobras, apesar das promessas grandiosas do principal membro da equipe econômica, Paulo Guedes. O setor privado investiu o indispensável à sua manutenção, com empenho muito limitado pelas modestas perspectivas econômicas.

Incapaz de promover o investimento e de animar a economia no curto prazo, a administração Bolsonaro falhou também na preservação da segurança fiscal. Furou o teto de gastos, permitiu a apropriação de parte significativa do Orçamento pelo Centrão e criou incerteza quanto às contas públicas, facilitando a instabilidade cambial e as pressões inflacionárias causadas pela valorização do dólar. O combate real à inflação ficou por conta do Banco Central e, portanto, da alta dos juros, mais um obstáculo ao crescimento e ao emprego. Não há como estranhar, nesse quadro, o aumento da pobreza e da fila dos candidatos a uma ajuda para sobreviver.

Os ‘meninos’ de Lula

O Estado de S. Paulo

Petista jacta-se de ter intercedido em favor dos sequestradores de Abílio Diniz, como se estes fossem só jovens que mereciam perdão, e não delinquentes que cumpriam pena segundo a lei

Para quem não está com o juízo comprometido pela paixão ideológica, a pré-campanha eleitoral tem evidenciado o relativismo de Lula da Silva ao tratar de certos crimes, que para ele seriam menos graves a depender de quem os cometeu e das causas que os teriam motivado.

Além de tentar reescrever a história do petrolão, fazendo os brasileiros de tolos, há poucos dias Lula achou que era o caso de jactar-se de ter intercedido, em 1998, pelos sequestradores do empresário Abílio Diniz junto ao então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Presos havia quase dez anos, os sequestradores do empresário, que Lula tratou singelamente como “meninos”, decidiram entrar em greve de sede e de fome. “Eu disse: ‘Fernando, você tem a chance de passar para história como um democrata ou como o presidente que permitiu que dez jovens que cometeram um erro morressem na cadeia, e isso não vai (se) apagar nunca’”, disse Lula em Maceió (AL) na semana passada, no que se prestava a ser um discurso elogioso ao senador Renan Calheiros (MDB), ao seu lado no palanque. Renan Calheiros era o ministro da Justiça àquela época.

Abstraindo a pretensão de Lula de ensinar a FHC como entrar para a história como um democrata, é inacreditável como o petista, passados todos esses anos, ainda manifeste explícita simpatia pelos que cometeram não um “erro”, mas um crime tão violento – extorsão mediante sequestro – que em 1990 passou a ser qualificado como hediondo, conforme a Lei 8.072.

Abílio Diniz, convém recordar, foi sequestrado no dia 11 de dezembro de 1989, em São Paulo, por um grupo de delinquentes do Movimento de Esquerda Revolucionária-Político (MIR-Político) e das Forças Populares de Libertação (FPL) de El Salvador. Dez pessoas foram presas por envolvimento no crime: cinco chilenos, dois canadenses, dois argentinos e um brasileiro. O empresário passou quase uma semana no cativeiro e, em entrevistas posteriores, descreveu seu medo de morrer a qualquer momento nas mãos daqueles, segundo a definição carinhosa de Lula, “meninos”.

“Eles iam entrar em greve seca, que é ficar sem comer e sem beber, e aí é morte certa”, disse Lula. “Eu então fui procurar o ministro da Justiça, Renan Calheiros, que depois de uma longa conversa me disse para falar com o presidente Fernando Henrique Cardoso, porque ele teria toda a disposição de mandar soltar o pessoal.” O petista afirmou ter convencido os sequestradores a encerrar a greve seca. “Eu fui na (sic) cadeia no dia 31 de dezembro (de 1998) e falei com os meninos: ‘Vocês vão ter que dar a palavra para mim e garantir que vão acabar com a greve de fome agora, e vocês vão ser soltos’. Eles respeitaram a proposta, pararam a greve de fome, foram soltos. Não sei onde estão agora.”

É muito curiosa essa preocupação de Lula com o equilíbrio nutricional dos sequestradores de Abílio Diniz, todos ligados a movimentos revolucionários de esquerda, que, confessadamente, pretendiam usar o dinheiro do resgate para sustentar a guerrilha em El Salvador. O mesmíssimo Lula tem uma visão diametralmente oposta da greve de fome como instrumento de manifestação política quando ela é empregada no cárcere por opositores dos regimes que ele apoia. Recordemos o que Lula disse à agência Associated Press, em 2010, quando um grupo de opositores da ditadura de Fidel Castro em Cuba decidiu iniciar uma greve de fome em protesto contra prisões arbitrárias na ilha caribenha. “Nós temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubano de deter pessoas em razão da legislação de Cuba, como quero que respeitem o Brasil”. Para aquele Lula, “a greve de fome não pode ser usada como um pretexto de direitos humanos para libertar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem a liberdade”.

Lula é isso: para seus “meninos”, criminosos condenados por sequestro, carinho e compreensão; para os que enfrentam a ditadura sanguinária de Cuba colocando a própria vida em risco, frieza e cinismo. Eis aí o líder que pretende resgatar o Brasil do pântano moral. 

A vez da esquerda na Colômbia

O Estado de S. Paulo

Sucesso de Petro dependerá de moderação e consensos que preservem a estabilidade política e o crescimento econômico

Pela primeira vez em 203 anos de vida republicana, a Colômbia elegeu um presidente de esquerda. O primeiro turno já marcara a derrota do establishment político. O segundo sacramentou a derrota do conservadorismo. Os 11,2 milhões de votos para Gustavo Petro sinalizam a fome por mudanças, mas os 10,5 milhões de votos para o populista de direita Rodolfo Hernández mostram que elas dependerão da capacidade do próprio Petro de mudar, moderando seu radicalismo e compondo compromissos.

O segundo turno, com a maior taxa de participação desde 1998, confirmou a saúde da democracia colombiana. Os temores de violência não se concretizaram. Hernández, o incumbente Iván Duque e outros opositores felicitaram prontamente o novo presidente.

Apesar de 50 anos de guerra contra milícias marxistas e narcotraficantes, a Colômbia tem uma história notável de estabilidade política e de crescimento econômico construídos por governos liberais e conservadores. Contudo, a insatisfação com o desemprego, a desigualdade, a precariedade dos serviços públicos e a corrupção – agravada na pandemia – chegou a um ponto de saturação.

Economista e ex-guerrilheiro, Petro, que foi prefeito de Bogotá e congressista, concorreu pela terceira vez à presidência. Seus apoiadores esperam que ele lidere a mudança de um país dominado por uma elite estreita para um Estado de bem-estar social inclusivo e moderno. Seus oponentes temem que seu radicalismo destrua a paz e o crescimento dos últimos anos.

Algumas propostas, seja por razões ideológicas – como a de banir novas explorações de petróleo, que respondem por metade das receitas da exportação colombiana –, seja por razões demagógicas – como a de ensino superior universalmente gratuito ou empregos públicos para todos os desempregados –, mostram que os riscos de desestabilização econômica são reais.

Politicamente, Petro parece apegado a vícios sectários, como a antipatia pelos EUA ou a simpatia pelo chavismo. Ele tem a reputação de ser um administrador com quem é difícil trabalhar. Quando prefeito de Bogotá, cerca de 60 membros do governo se demitiram ou foram exonerados, e ele chegou a ser suspenso por suspeitas de improbidade. Nas eleições, atacou as autoridades eleitorais, suscitando temores de que não aceitaria uma derrota.

O teste para o seu amadurecimento político virá nos próximos dias, com a composição de seu gabinete. A capacidade de virar a página de uma trajetória marcada por críticas radicais e de construir consensos em uma sociedade dividida será essencial para serenar o mercado e alicerçar sua governabilidade. O Congresso está fragmentado e sua coalizão conquistou só 15% das cadeiras. Os sinais de esperança vieram de seu primeiro discurso: “A mudança não é para nos vingar nem construir mais ódios”.

As urnas foram claras: a Colômbia precisa de mudanças, mas sem rupturas; precisa consolidar direitos sociais, mas isso dependerá da continuidade da estabilidade política e do crescimento econômico. Em linguagem popular, Petro terá o desafio de jogar fora a água do banho sem sacrificar o bebê.

Pressão sobre Petrobras expõe desespero

O Globo

A renúncia de José Mauro Coelho ao comando da Petrobras, pouco mais de dois meses depois de assumir o cargo e quatro semanas depois de demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, expõe o desespero do governo em sua obsessão por conter a alta dos combustíveis. Depois de trocar duas vezes o comando da estatal para interferir nos preços — e de fracassar — , Bolsonaro agora deposita suas esperanças no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Pressiona por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras no Congresso, e Lira fala até em mudar a Lei das Estatais, aprovada depois da Operação Lava-Jato justamente com o intuito de blindá-la (e a outras estatais) de intervenções.

No plano econômico, as acusações de Bolsonaro e Lira depois dos últimos reajustes da gasolina e do diesel não têm nenhum sentido. A alta do petróleo é um movimento global, provocado pela transição rumo à matriz energética mais limpa, pela retomada da atividade depois da pandemia e pela guerra na Ucrânia, que tirou do mercado o segundo maior produtor, a Rússia. Pôr a culpa disso tudo na Petrobras ou querer que o preço no Brasil esteja imune às oscilações do mercado global equivale a impor desabastecimento, a criar um incentivo artificial ao combustível fóssil e a disseminar pela economia uma distorção que cobrará seu preço no futuro. O país viveu essa fantasia pela última vez no governo Dilma Rousseff e não deveria repetir a experiência.

Isso não significa que nada possa ser feito para conter os preços. No mundo todo governos tentam suavizar o impacto do choque do petróleo. A ideia de reduzir impostos, desde que respeitados os limites fiscais, não é descabida. Criar subsídios temporários financiados pelo Tesouro (criando um fundo com dividendos e impostos pagos pela Petrobras) é outra arma ao alcance do Congresso. Há, por fim, uma questão de base: é preciso privatizar refinarias para instaurar competição no mercado. O difícil, no quadro atual, é atrair algum investidor para apostar num negócio sob a ameaça constante de intervenção ou expropriação pelo governo.

É justamente aí, no plano político, que repousa a maior dificuldade. Permanece não apenas entre dinossauros da esquerda nacionalista, mas também no discurso de Lira e Bolsonaro, a percepção de que a Petrobras deveria se dobrar à vontade do acionista majoritário, movida por interesse político, em vez de seguir regras do mercado. É como se o lucro da petroleira fosse ruim, quando seus dividendos e impostos vão direto para o caixa do Tesouro.

A Lei das Estatais que Lira fala em mudar foi adotada depois de desmascarado na Petrobras o maior esquema de corrupção da História brasileira. Esquema criado pelo partido de Lira, o PP, responsável pela indicação do principal delator da Lava-Jato (o ex-diretor Paulo Roberto Costa) e um dos principais beneficiários das verbas desviadas. Ela impede a indicação de conselheiros com cargo no governo, exige da diretoria experiência no setor e estabelece que usar a empresa numa política pública demanda uma discussão transparente e ressarcimento pelo Estado.

No mais, a Petrobras, como toda empresa de economia mista, é regida por um arcabouço jurídico que a obriga a se comportar como empresa privada no mercado em que atua. Abrir mão da governança que blinda seu negócio dos políticos seria um retrocesso inaceitável.

Acreditando em mudança, Colômbia elege primeiro esquerdista presidente

O Globo

Gustavo Petro foi o primeiro candidato de esquerda eleito presidente da Colômbia. O ex-guerrilheiro, ex-prefeito de Bogotá e ex-senador derrotou Rodolfo Hernández, um populista de direita. Num país onde o voto não é obrigatório, o comparecimento chegou a 58%, patamar mais alto desde os anos 1970. A vitória de Petro acontece na esteira de outras conquistas da centro-esquerda na América Latina. Argentina, Bolívia, Chile, México e Peru são governados por presidentes desse campo, eleitos democraticamente. Porém as circunstâncias que levaram à eleição de Petro foram singulares.

Por muitos anos, as disputas presidenciais na Colômbia foram marcadas pela guerra entre o Estado e as narcoguerrilhas marxistas. Nas pesquisas sobre as principais preocupações da população, o conflito predominava, em benefício de candidatos linha-dura de centro-direita. A situação começou a mudar a partir do acordo de paz assinado em 2016 entre o então presidente Juan Manuel Santos e as Farc. A transformação culminou nesta campanha eleitoral, cujos temas dominantes foram economia e corrupção.

A questão agora é se Petro conseguirá atender às demandas de quem o elegeu. É exagero acreditar que promova a degradação das instituições rumo a uma ditadura, como a Venezuela. Ele adotou um tom conciliador em seu primeiro discurso e fez acenos a ideias moderadas, em especial na economia. A comparação que tem sido frequente entre analistas é com o Luiz Inácio Lula da Silva de 2002.

Tanto Petro como Lula foram eleitos depois de várias derrotas e de suavizar promessas de campanha. Mas as semelhanças param aí. O PT de 2002 era um partido com experiência e alcance nacional. A coalizão Pacto Histórico, de Petro, não passa de um amontoado de movimentos sociais com partidos amalgamados em torno do petrismo.

O plano de governo de Petro é primário. Promete desacelerar a produção de petróleo e carvão sem pensar em atenuar o impacto na economia. Em termos de estilo de fazer política, Petro e Lula tampouco se parecem. Enquanto este é conhecido como conciliador, Petro rompeu com o grupo que ajudou a elegê-lo prefeito de Bogotá, sob críticas de que lhe faltava capacidade de delegar e negociar.

No discurso de vitória no domingo, Petro falou em governar para todos os colombianos, inclusive os de extrema direita. São as palavras esperadas de um vencedor. A dúvida é se atingirá o objetivo. Soltar frases de efeito sobre uma futura frente de esquerda latino-americana e fazer acenos aos vizinhos venezuelanos não resolverá os problemas do eleitor colombiano. O peruano Pedro Castillo completará um ano na Presidência e já provou ser um inepto. Gabriel Boric assumiu no Chile em março e hoje sente na pele a diferença entre discurso e prática. Agora Petro terá de mostrar a que veio.

Brasil recua em ranking global de competitividade

Valor Econômico

Queda do Brasil no ranking deveu-se a problemas com infraestrutura, falta de mão de obra qualificada e insegurança jurídica

O Brasil perdeu duas posições no ranking global de competitividade elaborado pelo International Institute for Management Development (IMD), da Suíça, e caiu para a 59ª posição entre 63 países analisados. No levantamento feito em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC), o Brasil só está à frente da África do Sul, Mongólia, Argentina e Venezuela; e fica atrás de países como Malásia (32º lugar), Peru (54º) e Botsuana (58º).

Nos últimos dois anos o Brasil recuou três postos no ranking de competitividade e voltou ao patamar de 2019. Dos 63 países analisados, 35 subiram ou ficaram estabilizados no último ano e 28 caíram. A resposta do país à pandemia pode ter influenciado. Mas não foi só isso que afetou os resultados. No caso brasileiro, antigas mazelas não enfrentadas ainda fazem estragos.

A elaboração do ranking leva em conta 333 variáveis de desempenho econômico, infraestrutura, eficiência do governo e das empresas. São avaliados indicadores macroeconômicos e entrevistados executivos de empresas nos países pesquisados. A queda do Brasil no ranking deveu-se especificamente a problemas com infraestrutura, deficiência de mão de obra qualificada e insegurança jurídica. Como o país continua mal nessas frentes não há razão para se esperar uma recuperação nos próximos anos.

A insegurança jurídica no Brasil desestimula investimentos, principalmente estrangeiros. A perspectiva de que as regras podem mudar a qualquer momento gera intranquilidade, posterga e inibe iniciativas. Se, de um lado, o governo brasileiro avançou na redução da burocracia e na digitalização de documentos e certidões legais, de outro segue incentivando intervenções e alterações de regras legais e tributárias. Especialistas se queixam ora da omissão do Legislativo, ora do ativismo que se observa nos últimos meses com objetivos arrecadatórios e eleitoreiros.

Já o Executivo banaliza os projetos de emenda constitucional (PECs), feitos muitas vezes sem necessidade a não ser o interesse e a pressa determinados pelo calendário eleitoral. Do seu lado, o Judiciário ultrapassa barreiras e excede em algumas de suas intervenções como a recente atuação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, que concedeu liminar pedida pelo presidente suspendendo decisão do Confaz para fazer vigorar sua determinação de que o ICMS sobre combustíveis tenha um valor fixo e único em todo o país. O caso tinha sido sorteado para o ministro Gilmar Mendes, mas André Mendonça, indicado por Bolsonaro para a Corte, o atalhou em movimento inédito e concedeu a liminar.

A insegurança jurídica acaba resultando na proliferação de organismos criados teoricamente para resolver pendências, mas que contribuem para a instabilidade. O Ministério da Infraestrutura e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criaram em abril o Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura (CRD-Infra), para resolver conflitos judiciais relativos a projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). A intenção é agilizar a solução de conflitos entre o poder público e a iniciativa privada para destravar obras de infraestrutura que estão paradas por serem alvo de disputa judicial.

O relatório do IMD ressalta a piora na infraestrutura básica do país. O governo Bolsonaro demorou a pôr em marcha os projetos de privatização e, sem espaço fiscal, cortou os recursos para investimento público. Levantamento da consultoria Inter.B mostra que o país investe menos da metade dos 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) necessários apenas para manter o estoque existente. Em 2021 o investimento ficou em 1,73% do PIB e, para este ano, a previsão é de 1,71%, o que contribui para a estagnação da economia. O setor público propriamente dito tem investido cerca da metade do privado. Em 2021, investiu 0,59% do PIB para 1,14% do privado. Neste ano, enquanto o setor privado deve manter o ritmo, o público vai diminuir sua participação para 0,57% do PIB.

O ponto mais crítico da competitividade brasileira, porém, é a qualificação da mão de obra. O problema está diretamente ligado à educação, em que o Brasil permanece em último lugar no ranking do IMD. Dos brasileiros entre 25 e 34 anos, apenas 23,5% têm acesso ao ensino superior, abaixo da média das economias analisadas (44,2%). Em consequência, falta mão de obra qualificada, a produtividade deixa a desejar, os salários são baixos e a miséria se perpetua.

 

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