terça-feira, 7 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Autoritários temem a imprensa livre

O Estado de S. Paulo

A recessão democrática está intimamente ligada às agressões à liberdade de imprensa, mas o jornalismo seguirá firme em sua missão de viabilizar a democracia

Nunca, desde a redemocratização, foi tão importante celebrar este Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. A crise é global, mas no Brasil é particularmente aguda.

Democracia e liberdade de expressão são tão visceralmente ligadas que é impossível dizer qual é a causa e qual a consequência. Não surpreende que as instituições que as encarnam – o Estado de Direito e a imprensa independente – estejam sob pressão.

Institutos responsáveis por monitorar liberdades apontam unanimemente uma recessão da democracia no mundo. De acordo com a Freedom House, só 13% da população mundial goza de uma imprensa livre. Segundo o V-DEM, as ameaças às liberdades de expressão e imprensa respondem por 8 entre 10 indicadores em declínio no maior número de países na última década.

Superpotências totalitárias como China e Rússia multiplicam arsenais de desinformação e repressão. No Ocidente, a promessa das redes digitais de ampliar a pluralidade e a liberdade de opinião malogrou. A lógica de impulsionamento dos algoritmos favorece o sensacionalismo e a agressividade. Cresce o número de políticos que, auxiliados por tropas de robôs, usam táticas digitais para intimidar adversários e distorcer eleições.

O kit dos populistas iliberais, do México à Hungria e à Índia, inclui pressão financeira sobre a imprensa independente, privilégios a plutocratas alinhados ao regime e abuso das leis contra a desinformação. O assalto ao Congresso dos EUA mostra que a indústria da desinformação pode atingir o coração da democracia mais rica, longeva e poderosa do planeta. A pandemia mostrou que a desinformação pode ser literalmente uma questão de vida ou morte.

No Brasil, segundo o V-DEM, na última década a liberdade de imprensa, num índice de 0 a 1, se contraiu de 0,94 a 0,54. É alarmante – e sintomático – que os dois movimentos políticos que lideram as pesquisas de intenção de voto sejam os mais hostis à imprensa independente da Nova República.

Lula da Silva já disse que o “controle social da mídia” é uma de suas prioridades. Jornalistas que cobrem eventos do PT são ainda hoje hostilizados e agredidos, e não surpreende que o lulopetismo tenha consagrado a expressão “Partido da Imprensa Golpista”.

Tampouco surpreende que Jair Bolsonaro tenha dito que “o maior problema do Brasil não é com alguns órgãos, é a imprensa”. Em seu mandato, a opacidade e a hostilidade à imprensa transformaram-se em políticas de governo. O decreto de sigilos e as restrições à Lei de Acesso à Informação se multiplicaram. Diretores de órgãos de Estado que divulgam dados incômodos são sistematicamente exonerados e vilipendiados. As redes sociais bolsonaristas foram alçadas a instrumentos de consulta pública. Ao mesmo tempo, o governo editou decretos alterando abruptamente regras de publicações de editais e documentos societários assumidamente para prejudicar órgãos de imprensa. Quando o próprio presidente chega a ameaçar “encher” um jornalista de “porrada”, não surpreende que os ataques morais e físicos a jornalistas tenham aumentado.

Nem por isso a imprensa se calou. Dela veio a apuração de esquemas antirrepublicanos, como mensalões, petrolões, rachadinhas e orçamentos secretos. Na pandemia, ela foi obrigada a criar um consórcio para divulgar informações confiáveis. Para as eleições, 42 veículos se uniram no projeto Comprova para checar desinformações.

Mais do que o direito, a imprensa tem o dever de incomodar, não só os donos do poder, como os próprios leitores. Ao contrário das redes sociais, os órgãos de imprensa têm responsabilidades editoriais, acima de tudo com os fatos. Ao contrário dos influencers, os jornalistas têm a missão de lançar luz onde as pessoas não gostam e ouvir opiniões divergentes em um espaço genuinamente plural.

Como disse Hannah Arendt, “o súdito ideal não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe diferença entre o fato e a ficção, entre o verdadeiro e o falso”. Eis o sonho de todo autoritário. A imprensa no Brasil não renunciará à missão de ser o seu pesadelo.

Indexação é a cereja de um bolo tóxico

O Estado de S. Paulo

Preços indexados prolongam a inflação e agravam o drama das famílias, mas são outros os grandes fatoresinflacionários, como os desequilíbrios fiscais

Já atormentadas por uma inflação superior a 10% ao ano, dezenas de milhões de famílias são ameaçadas também por uma velha praga, a realimentação do custo de vida pela indexação. Quanto maior a pressão inflacionária, maior a tendência a corrigir preços e salários com base nos aumentos passados. Aluguéis, mensalidades escolares e planos de saúde são exemplos muito conhecidos de gastos indexados. Esse tipo de reajuste produziu mais de um terço – 34,15% – da inflação anual nos 12 meses até abril, segundo cálculo divulgado pelo Estadão. Nesse período, subiram 12,1% os custos medidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A maior parte dos salários avançou menos que isso. Além disso, a correção salarial só beneficia quem tem emprego, e 11,3 milhões de pessoas estavam desempregadas no trimestre móvel encerrado em abril.

A preocupação de muitos economistas com a indexação é bem fundamentada. Para conter as enormes pressões inflacionárias na época do Plano Real, em 1994, foi preciso reduzir severamente a correção automática ou semiautomática dos preços. Com essa providência, foi possível combater os aumentos inerciais, um desafio enfrentado sem sucesso em anos anteriores. A indexação foi implantada oficialmente no início do regime militar, para atenuar os efeitos da inflação, dar segurança aos contratos de longo prazo e estimular a poupança. Correção monetária foi o nome atribuído à atualização periódica dos saldos da poupança e de outros itens importantes.

A inovação produziu efeitos benéficos, facilitou a normalização dos negócios e tornou-se parte da rotina econômica, mas também se converteu num fator de continuidade da inflação. Só nos anos 1980, no entanto, economistas deram destaque ao caráter inercial da alta de preços, num sistema caracterizado pela correção periódica de saldos, preços, salários e outros componentes do sistema de valores.

Mas o combate à indexação foi apenas um componente, embora muito importante, do esforço de ajuste conhecido como Plano Real. Fatores de alcance muito maior, como a arrumação das contas públicas, foram decisivos para o controle da inflação. Esse trabalho envolveu, entre outros pontos, mudanças tributárias, uma forte contenção dos gastos públicos, a liquidação de bancos estaduais, a venda de estatais dispensáveis e a renegociação das dívidas de Estados. A nova disciplina financeira foi estendida a Estados e municípios, e uma Lei de Responsabilidade Fiscal foi aprovada no ano 2000. Também foi definido um tripé econômico para a política econômica: metas de inflação, metas de superávit primário e câmbio flexível.

Enquanto se mantiveram o tripé e a responsabilidade fiscal, a inflação permaneceu em níveis aceitáveis. Mudanças importantes ainda seriam necessárias para elevar a eficiência do setor público, gerar dinamismo econômico e ampliar o horizonte das decisões empresariais. O País precisava de um sistema tributário mais funcional e mais justo, de um orçamento menos engessado por despesas obrigatórias e de uma administração pública muito mais produtiva.

Jamais ocorreram essas mudanças, no entanto, e os esboços de reformas em discussão em Brasília são muito deficientes. Além disso, a gestão fiscal foi afrouxada. A inflação voltou aos dois dígitos no final do período da presidente Dilma Rousseff, as contas públicas foram estraçalhadas e uma recessão assolou o País em 2015 e 2016. Ajustes foram iniciados, com algum sucesso, no breve governo do presidente Michel Temer, mas a disciplina fiscal foi novamente ameaçada no mandato seguinte, com violação do teto de gastos, atraso no pagamento de precatórios, implantação de um orçamento secreto, instabilidade cambial e ressurgimento da inflação acelerada.

Em 2022 a alta de preços deverá, pelo segundo ano consecutivo, superar o teto da meta de inflação, agora fixado em 5%. Para conter de forma duradoura a alta de preços será preciso vencer aqueles desarranjos. A indexação é uma cereja venenosa no alto de um bolo de problemas muito mais tóxicos.

Show de descaso com a população

O Estado de S. Paulo

Circo orçamentário permite a prefeitos de municípios miseráveis gastarem recursos públicos com shows milionários

O governo federal autorizou o pagamento de R$ 3,2 bilhões em recursos do Orçamento a título de “transferências especiais”, rubrica propositalmente vaga porque daria muito na vista designar a excrescência pelo que ela é: uma desavergonhada apropriação privada de recursos públicos por parlamentares e prefeitos. Conhecido como “Pix orçamentário”, o esquema tem esse nome vulgar porque o montante destinado por parlamentares às prefeituras, não raro a cargo de parentes, cai direto nas contas dos municípios e pode ser usado livremente pelos prefeitos, sem passar pelo mais comezinho dos escrutínios republicanos.

Parte dessa dinheirama tem sido usada pelas prefeituras para bancar caríssimos shows de artistas sertanejos, em sua maioria, neste ano eleitoral. A má administração dos recursos públicos já seria condenável em municípios que oferecem condições mínimas para uma vida digna. Mas, em se tratando de municípios que, a rigor, em muitos casos nem sequer deveriam existir, pois são incapazes de gerar receitas próprias, trata-se de uma verdadeira imoralidade.

Um levantamento feito pelo Estadão revelou que 48 municípios gastaram R$ 14,5 milhões nos últimos meses com os cachês de artistas populares. Entre essas cidades está Mar Vermelho (AL), um dos cem municípios mais pobres do Brasil. Seus pouco mais de 3,4 mil habitantes não têm saneamento básico nem ruas asfaltadas. Mesmo diante de condições de vida tão degradantes para seus governados, o prefeito André Almeida (MDB) não viu problema em pagar R$ 370 mil por um show do cantor Luan Santana.

Outro caso exemplar de descaso com a população local é o de Teolândia (BA). O município de 15 mil habitantes foi arrasado no começo do ano pelos temporais que atingiram o sul da Bahia. No entanto, a prefeita Maria Baitinga (PP) demonstrou mais interesse em realizar seu “sonho” (palavras dela) de conhecer o cantor Gusttavo Lima do que em mitigar as aflições dos moradores. Só com o cachê do cantor na Festa da Banana, a prefeitura iria gastar R$ 704 mil, não fosse uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, que restaurou um mínimo de ordem nessa farra com o dinheiro dos contribuintes.

Os prefeitos, nem um pouco preocupados com questões morais, alegam que não é ilegal a contratação dos artistas. O problema, no entanto, é o modo como o dinheiro público chegou a essas prefeituras. É inaceitável que um quinhão do Orçamento seja despendido sem qualquer tipo de controle, por meio dessas “transferências especiais”, que contrariam escandalosamente um punhado de determinações constitucionais. 

Atividades culturais incentivadas pela Lei Rouanet, tão demonizada por alguns daqueles artistas e pelo presidente Jair Bolsonaro, são submetidas a controles muito mais rigorosos. E, no entanto, é essa lei de incentivo à cultura que Bolsonaro qualificou de “teta gorda”. Já o “Pix orçamentário”, que banca rega-bofes em cidades miseráveis para angariar votos, não mereceu reparos dessa gente que se diz tão zelosa com dinheiro público.

Biden deveria fazer pressão sobre Bolsonaro

O Globo

O presidente americano, Joe Biden, já afirmou que os tempos atuais são definidos pelo embate entre democracias e ditaduras. Deixou de convidar, para a IX Cúpula das Américas desta semana em Los Angeles, as três ditaduras que mancham a imagem do continente (Cuba, Venezuela e Nicarágua), despertando protestos na esquerda. Pois ele faria um favor aos brasileiros se, na reunião bilateral prevista com Jair Bolsonaro, deixasse claro o comportamento exigido do presidente de uma democracia com o tamanho e a importância do Brasil.

Biden não precisa de relatórios minuciosos para saber que Bolsonaro é um populista da estirpe de Donald Trump. Os ataques mentirosos ao sistema eleitoral brasileiro são similares àquilo que os americanos batizaram de “Grande Mentira” — as acusações feitas por trumpistas até hoje, sem nenhuma prova, de fraudes nas eleições presidenciais de 2020.

É óbvio que a democracia no Brasil é responsabilidade dos brasileiros. Mas seria ingênuo ignorar que Bolsonaro usará a imagem do encontro com Biden para tentar desmentir seu status de pária no cenário internacional. Biden não deveria se prestar a esse papel.

Para não compactuar com os delírios do “Trump brasileiro”, ele deveria dizer publicamente, na presença de Bolsonaro, a verdade reconhecida no mundo todo: as urnas eletrônicas brasileiras são confiáveis e um dos melhores sistemas eleitorais do planeta. Qualquer declaração em contrário é uma afronta à democracia. Na conversa privada com Bolsonaro, poderia ser ainda mais firme, ao reafirmar que os Estados Unidos não tolerarão nenhuma tentativa de golpe ao estilo “Capitólio em 6 de janeiro”. Formas de pressão não faltam. Dependem dos americanos a anuência para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a manutenção do status de aliado fora da Otan (concedido por Trump) e várias outras demandas na agenda bilateral.

Seria coerente com a diplomacia americana. William Burns, diretor da CIA, encontrou Bolsonaro no ano passado e defendeu a integridade das eleições no Brasil. Elizabeth Bagley, indicada para ocupar a embaixada em Brasília, afirmou em audiência no Senado em maio: “[Os brasileiros] têm todas as instituições democráticas necessárias para promover eleições livres e justas”.

O esforço americano para trazer Bolsonaro a Los Angeles tem duas causas. A primeira é estrutural: não dá para pensar na Cúpula sem o maior país da América Latina. “Não se trata de Bolsonaro, mas do Brasil”, afirma Paulo Sotero, ex-diretor do Instituto Brasil no Wilson Center. A segunda é circunstancial. “Cuba, Nicarágua e Venezuela não foram convidadas, e vários países ameaçaram boicotar o encontro”, diz Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas. “O temor de uma cúpula esvaziada passou a preocupar os americanos.”

A presença de Bolsonaro ao lado de Biden não mudará uma triste constatação: nenhum representante do atual governo brasileiro tem interlocução com quem importa em Washington. O Brasil perdeu influência. Uma eventual vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em outubro não deverá mudar o quadro. O pré-candidato do PT tem dado declarações desastradas sobre a Ucrânia, e ninguém ficará surpreso se, antes mesmo do final da Cúpula em Los Angeles, algum petista criticar a ausência de Cuba, Nicarágua e Venezuela.

Vacinação estagnada preocupa diante de novo crescimento de casos de Covid

O Globo

No momento em que o número de casos de Covid-19 volta a subir no país — eles estão há 11 dias em alta —, é preocupante constatar que a vacinação contra a doença está praticamente estagnada. Segundo levantamento feito pelo Ministério da Saúde a pedido do GLOBO, 46 milhões de brasileiros ainda não tomaram o reforço, e 17 milhões nem sequer receberam a segunda dose. Boletim do Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já chamava a atenção para a “adesão substancialmente menor de adultos à aplicação da dose de reforço”. Segundo a Fiocruz, a situação se torna mais temerária porque medidas de prevenção, como uso de máscaras e exigência de passaporte sanitário, foram abandonadas no país.

Embora tenha avançado bem, a vacinação ainda não atingiu os patamares necessários para proteger a população, principalmente devido às variantes e subvariantes do novo coronavírus, para as quais as doses de reforço são fundamentais, diante do declínio da imunidade. Menos de 85% do público-alvo (acima de 5 anos) tomou a segunda dose. Os índices da dose de reforço ainda estão longe do ideal: cobrem menos de 60% da população vacinável.

Diferentemente do que ocorreu em 2021, no auge da pandemia, hoje não faltam vacinas — em alguns estados elas estão até sobrando. O governo, apesar de manter os estoques em dia, não ajuda, porque não se vê uma campanha oficial para estimular os brasileiros a ir aos postos ou, ao menos, para neutralizar as mentiras criminosas espalhadas nas redes pelas milícias antivacina. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, parece mais empenhado em turbinar a campanha política do filho.

É boa notícia que 2 milhões de doses da vacina AstraZeneca contra a Covid-19 já estejam disponíveis também em clínicas particulares de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A iniciativa — possível após o governo ter decretado o fim do estado de emergência que impedia a oferta em estabelecimentos privados — vem para somar.

A venda de vacinas em clínicas particulares em nada afeta a rotina do Sistema Único de Saúde (SUS). Se preferir, qualquer brasileiro que queira se vacinar pode se dirigir a um posto de saúde. Está em curso em estados como São Paulo a aplicação da segunda dose de reforço. A dose particular, que custa em torno de R$ 350, é para quem não quiser ir ao SUS ou para casos em que o médico prescreve mais doses do que as recomendadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI). Outras vacinas, como a da gripe, já são oferecidas tanto pelo sistema público quanto pelo privado. A Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas estima que entre 3% e 4% da população poderá ser atendida.

Se o brasileiro tem a impressão, ainda que falsa, de que a pandemia acabou, não só pela bem-vinda queda no número de mortes e casos graves, mas também pelo fim das medidas de restrição e pela relativa normalidade, é graças à vacinação. Por isso é fundamental ampliar ao máximo a cobertura. Não importa se o cidadão recorrerá ao SUS ou à clínica privada. Importa é se vacinar.

Reforma na prática

Folha de S. Paulo

Difícil imaginar prioridade maior para SP que enfrentar gargalos do ensino médio

É consenso entre especialistas que o ensino médio, em especial na rede pública, concentra os maiores desafios da educação brasileira. Nessa etapa, as falhas de aprendizado dos anos anteriores se acumulam, resultando em altas taxas de evasão e rendimento pífio.

Com a implementação iniciada neste ano, o novo modelo para essa etapa da vida escolar traz esperanças de que esse quadro preocupante possa começar a ser revertido.

A reforma acertadamente aumenta a carga horária mínima de 800 para 1.000 horas anuais e dá maior flexibilidade ao ensino, buscando torná-lo mais atraente e próximo do dia a dia dos estudantes.

Para tanto, define nova organização curricular, constituída por uma parte comum, oferecida a todos, e pelos chamados itinerários formativos, a serem escolhidos dentre cinco áreas (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e ensino técnico).

A despeito de seus méritos no papel, contudo, na prática o ensino médio reformado vem conhecendo, ao menos no estado de São Paulo, um início claudicante.

Um estudo da Rede Escola Pública e Universidade mostrou que, no primeiro bimestre deste ano, nada menos que 22% das aulas dos itinerários formativos do segundo ano do ensino médio da rede estadual não tinham sido atribuídas a nenhum professor. Hoje, esse percentual é de 17%, segundo a Secretaria da Educação.

A falta de docentes vem sendo preenchida por aulas gravadas, recurso que, embora válido em situações específicas, pressupõe a participação de professores treinados para atuar nessa modalidade —o que não parece ser o caso.

Acrescenta-se a isso um leque ainda bastante restrito de opções para os alunos. De acordo com o estudo, 37% das escolas paulistas passaram a oferecer neste ano apenas dois itinerários, o mínimo exigido pela lei. Esse percentual chega a 50% quando se consideram as cidades que possuem apenas uma escola pública com ensino médio.

Preocupa ainda que, além de limitada, a oferta dos itinerários venha sendo desigualmente distribuída, já que tende a aumentar com a renda familiar dos alunos.

A administração ao menos reconhece o problema e afirma que busca eliminar o déficit de professores e ampliar as opções curriculares. É o que se espera. Difícil imaginar prioridade maior para um governo estadual do que enfrentar os gargalos dessa etapa da educação.

Aborto com clareza

Folha de S. Paulo

Políticos deveriam liderar debate para prática ser vista pela ótica da saúde

Você já fez aborto ou conhece alguma mulher que tenha feito? Se sim, defende que você ou ela seja punida com detenção de 1 a 3 anos?

Para a antropóloga Debora Diniz, essa seria uma maneira alternativa de aferir a posição dos brasileiros diante do aborto. A pergunta, ao incorporar a consequência prática prevista em lei, levaria a uma resposta mais distanciada de visões morais preestabelecidas.

A hipótese faz sentido, mas é impossível saber de antemão quanto ela modificaria os resultados da pesquisa Datafolha que, sem citar a pena de prisão, questionou os entrevistados sobre o tratamento que a legislação dá ao aborto no Brasil.

Como se sabe, a prática é proibida por aqui, exceto se for o meio de salvar a vida da gestante, se a gravidez resultar de estupro ou em caso de feto anencefálico (por decisão do Supremo Tribunal Federal).

Os dados do instituto mostram que 39% defendem manter a lei como está e que 26% apoiam ampliar as situações nas quais o aborto seria permitido. Além disso, 32% afirmam que a interrupção da gravidez não deveria ser autorizada em nenhuma circunstância.

Se há alguma diferença digna de nota entre esse levantamento e o de dezembro de 2018, é o recuo na fatia dos que pedem ainda mais rigor penal: 41% diziam pensar dessa maneira há quase quatro anos.
Por outro lado, continua mínima, abaixo de 10%, a parcela dos que se manifestam a favor de permitir o aborto em qualquer situação.

A julgar por esses números, a ampla maioria dos brasileiros prefere olhar para o aborto como um problema criminal, não pela ótica da saúde pública e dos direitos da mulher. Esta Folha, há muito tempo, acompanha o grupo minoritário.

A despeito da proibição legal, centenas de milhares de abortamentos são cometidos todos os anos no país. Ocorrem em residências ou em clínicas clandestinas, onde a falta de estrutura e orientação adequada fere e mata sobretudo as mulheres de baixa renda.

Deveriam todas ficar de 1 a 3 anos em detenção? Ou deveriam ser assistidas por profissionais que garantissem a maior segurança diante dessa intervenção extrema nas primeiras semanas da gravidez?

Os países avançados optam pelo segundo caminho. Aos poucos, nações da América Latina se movimentam na mesma direção, como atestam os exemplos de Argentina, Colômbia e México. O Brasil, por sua vez, parou no tempo.

Este jornal já defendeu que se fizesse uma consulta pública antes de qualquer mudança em relação ao tema, decerto controvertido. Hoje está claro, entretanto, que cabe a líderes políticos, autoridades e estudiosos tomar as rédeas desse debate e, com coragem, ajudar a esclarecer a sociedade.

Desemprego cai, mas é incerto futuro do mercado de trabalho

Valor Econômico

Incertezas em relação ao desempenho da economia no segundo semestre reforçam a cautela

A recuperação do mercado de trabalho neste início de ano foi uma surpresa e estimulou previsões otimistas. O dado mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou a queda na taxa de desemprego para 10,5% no trimestre terminado em abril, em comparação com os 11,1% do trimestre completado em março. É a menor taxa desde fevereiro de 2016. O presidente Jair Bolsonaro disse em transmissão ao vivo nas redes sociais esperar que o desemprego volte a um dígito ainda neste ano. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o desemprego está menor do que antes da pandemia. De fato, em fevereiro de 2020, a taxa era de 11,6%.

Bolsonaro não está sozinho em sua aposta. Alguns economistas de consultorias e bancos preveem que o desemprego vai cair mais até o fim do ano. Há quem diga que a taxa já está em um dígito se for dessazonalizada e, nesse ritmo, pode alimentar a inflação (Valor, ontem). Mas não há uma unanimidade em relação ao futuro. Tudo vai depender do comportamento da economia que - é quase consenso - deve desacelerar no segundo semestre com o efeito defasado do aperto monetário, a elevação dos juros no exterior e a esperada turbulência nas proximidades das eleições.

O desempenho do mercado de trabalho vem chamando a atenção desde janeiro. Ao contrário do que ocorre habitualmente nos primeiros meses do ano, quando as demissões aumentam após o período sazonal de contratações nas proximidades do Natal, o mercado de trabalho continuou firme desta vez. O desempenho espelha o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) que, conforme divulgado na semana passada, cresceu 1% no primeiro trimestre, puxado principalmente pelo setor de serviços, que ganhou gás com a reabertura da economia, possibilitada pela redução dos casos graves de covid-19 com o aumento da vacinação da população.

O setor de serviços garante quase 70% das vagas. Durante a pandemia, a demanda se concentrou nos profissionais de tecnologia da informação. A retomada das atividades presenciais abriu espaço para as contratações nas áreas de educação e serviços que pressupõem maior contato entre as pessoas, como as áreas de cuidados pessoais e alimentação. Cerca de 1,1 milhão de pessoas ingressaram no mercado de trabalho no trimestre terminado em abril, levando a população ocupada a subir 1,1% e atingir o patamar de 96,5 milhões, o maior contingente da série histórica, iniciada em 2012.

A redução do desemprego é outro fator de otimismo. Depois de a desocupação ter atingido a máxima de 14,9% em março do ano passado, a taxa foi recuando, mas em um ambiente de força de trabalho estável, com uma taxa de participação ao redor de 62% desde o terceiro trimestre. Muitos nem procuravam emprego pois acreditavam que não iam encontrar nada, o que ampliou a taxa de desalento. Mas isso mudou em abril quando a taxa de participação subiu para 62,7%, mais perto do patamar anterior à pandemia, de 63%.

No entanto, os fatores negativos ainda prevalecem. O principal deles é a existência de 11,3 milhões de desempregados, muitos deles há mais de dois anos. Os desalentados somam 4,5 milhões de pessoas, em comparação com os 6 milhões de um ano antes; e a mão de obra subutilizada soma 26,1 milhões.

É preciso avaliar também a qualidade do emprego que está sendo criado. A taxa de informalidade está muito elevada e chegou a 40,1% da população ocupada, ou 38,7 milhões de pessoas, maior do que os 39,3% do mesmo trimestre de 2021. Dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados ontem pelo Ministério do Trabalho e Previdência, mostraram a criação de 770,6 mil vagas com carteira assinada neste ano até abril, menos do que as 894,7 mil do mesmo período de 2021.

Como reflexo disso e da inflação elevada, a remuneração média não sobe, ao contrário, no trimestre encerrado em abril teve queda de 7,9%. Houve a queda da renda média até do trabalhador do setor público, o que é raro, de 2,2%. Outro fator determinante é o perfil de baixa remuneração dos novos postos criados no setor de serviços. A massa de rendimento real habitual ficou estável em R$ 242,9 bilhões na comparação anual em consequência do aumento da população ocupada.

Esses pontos sensíveis mais as incertezas em relação ao desempenho da economia no segundo semestre reforçam a cautela e põem em risco a aposta de Bolsonaro de chegar às eleições com dias melhores no mercado de trabalho.

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