quarta-feira, 8 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O PT de sempre

Folha de S. Paulo

Sigla reafirma teses que levaram à ruína sob Dilma; Lula só vence sem esse fardo

Um partido tradicional, com inserção na sociedade e larga experiência administrativa não deveria suscitar incertezas ao divulgar diretrizes para um programa de governo. O PT de Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, é um caso à parte.

Como se nada houvera aprendido com seus sucessos e fracassos ao longo de quatro mandatos presidenciais, a legenda divulgou na segunda (6) documento no qual reafirma a visão de economia preterida sob Lula, quando o país colheu bons resultados, e posta plenamente em prática por Dilma Rousseff, levando à derrocada conhecida.

A repetição das teses estatistas e corporativistas não chega a surpreender —desde a crise que levou ao impeachment de Dilma, os petistas parecem mais preocupados em negar erros do que em renovar ideias. O que chama a atenção é o misto de descrédito e temor gerado por tais proposituras nos meios políticos e econômicos.

Descrédito porque é razoável a hipótese de que, mais uma vez, Lula será pragmático em um eventual novo governo, deixando de lado ideologias em favor do bom senso. Ademais, o documento do partido é preliminar e será negociado com aliados; por ora, serve mais como peça para manter a militância fiel.

Entretanto sabe-se que, na maior parte de seus dois mandatos, o líder petista contou com cenário internacional e condições orçamentárias mais favoráveis, o que lhe permitiu ampliar a despesa pública sem fazer dívida, adiar reformas difíceis e satisfazer suas bases sindicais. Não se vê margem para tanto hoje —daí os temores.

O texto petista prevê a revogação do teto para o gasto federal inscrito na Constituição em 2016, a ser substituído por "um novo regime fiscal" que, aparentemente, permitirá o incremento de investimentos e programas sociais.

Caberia explicar que o teto foi criado para eliminar, de modo gradual, o déficit orçamentário legado pelo governo Dilma. Tal processo ainda está em andamento; enquanto isso, mais dispêndios significam mais endividamento (ou mais imposto), mais inflação e mais juros.

O PT rejeita as privatizações e diz que a Petrobras "será colocada de novo a serviço do povo brasileiro". Nem é necessário recordar os esquemas bilionários de corrupção descobertos na estatal; basta o prejuízo insustentável produzido pela política de segurar preços na tentativa inútil de mascarar a inflação.

Fala-se em revogar a reforma trabalhista, aprovada para facilitar contratações na esteira da escalada do desemprego durante a recessão de 2014-16.

Trata-se de fatos recentes, que serão explorados na campanha presidencial. Ao que se prenuncia, para sair vencedor Lula terá de esconder, além de Dilma, o próprio PT.

A ressaca do premiê

Folha de S. Paulo

Em meio a escândalo das festas, Boris Johnson se segura a custo no Reino Unido

Após meses se equilibrando numa corda bamba política, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, conseguiu, ao menos por ora, pousar os pés em terra firme.

Na segunda (6), o premiê logrou permanecer no comando do país, ao vencer o voto de desconfiança que sua própria agremiação, o Partido Conservador, havia convocado contra ele devido ao escândalo desencadeado pela revelação de uma série de festas no interior da residência oficial durante as restrições provocadas pela pandemia.

Para haver a deliberação, era necessário que no mínimo 54 correligionários (15% da bancada) solicitassem o escrutínio a um órgão conhecido como Comitê 1922 —o que se verificou no domingo.

Na votação do dia seguinte, porém, Johnson prevaleceu com alguma folga, vencendo por 211 votos a 148 —ele precisava do apoio de ao menos 180 dos 359 parlamentares do partido para manter o cargo.

Apesar do triunfo, o histórico recente se afigura pouco animador para o premiê. Sua antecessora, a também conservadora Theresa May, venceu em 2018 votação idêntica apenas para, seis meses depois, renunciar em meio às dificuldades da saída da União Europeia.

Mesmo que Johnson logre permanecer no posto até o fim, parece claro que a credibilidade adquirida pela esmagadora vitória em 2019 pulverizou-se desde que o escândalo veio à tona.

Foi particularmente constrangedor para o premiê o relatório interno produzido por uma alta autoridade governamental e tornado público no final de maio.

Num momento em que quase todo o comércio estava fechado e os encontros eram limitados a duas pessoas, em locais abertos e a dois metros de distância, a residência oficial abrigava animadas festas madrugada adentro.

Ao todo, segundo o relatório, 83 pessoas ligadas ao governo participaram das pândegas, e o premiê esteve presente em oito delas.

A impopularidade de Johnson, já evidenciada por pesquisas de opinião e pela oposição de seus correligionários, ficou publicamente demonstrada na última sexta (3), durante as celebrações do Jubileu de Platina da rainha Elizabeth 2ª, quando o premiê recebeu uma sonora vaia ao chegar a um dos eventos da comemoração.

Johnson pode ter conseguido afastar a espada de Dâmocles que pendia sobre sua cabeça, mas vai se convertendo numa espécie de morto-vivo da política britânica.

Plano econômico do PT é amontoado de equívocos

O Globo

A primeira frase do documento “Vamos juntos pelo Brasil”, proposta preliminar de diretrizes para a chapa Lula-Alckmin, diz que se trata de “um ponto de partida para um amplo debate nacional”. No conjunto, os 90 tópicos sobre os mais variados temas, espalhados por 18 páginas, são um péssimo ponto de partida. Não que os objetivos declarados sejam indesejáveis. Combater desemprego, fome, inflação e desigualdade social são as metas certas para o atual momento nacional. O drama está nas soluções sugeridas.

O documento propõe revogar o teto de gastos (também alvejado pelo governo Jair Bolsonaro) e promete, de forma vaga, construir um novo regime fiscal. O compromisso de todos os postulantes à Presidência deveria ser o controle responsável do gasto público. A perspectiva de endividamento sustentável e solvência interfere no desempenho da economia de diversas maneiras. Ao afetar a percepção de risco, influencia taxas de juros e câmbio, ambas vinculadas ao controle da inflação. O histórico do PT no governo deixa claro que uma grave crise fiscal pode acarretar colapso econômico, como ocorreu em 2014.

Emana do documento aquele inconfundível espírito “o tempo passa, o tempo voa, e o PT continua preso ao passado”. Condena sumariamente as privatizações. Cita nominalmente Petrobras, Eletrobras e Correios. O caso da Eletrobras é o mais grave porque ela deverá ser privatizada antes das eleições. A menção, sem nenhum adendo sobre o respeito a contratos, é uma afronta aos pequenos investidores que neste momento correm para reservar pedidos de ações.

Permeiam o texto ecos da malograda Nova Matriz Econômica, conjunto de medidas desenvolvimentistas dos últimos governos do PT. Eis o que diz o tópico 62, um dos vários que podem ser pinçados a esmo: “Fortaleceremos também os bancos públicos em sua missão de fomento ao desenvolvimento econômico, social e ambiental”. De novo? Alguém esqueceu quanto custou a desastrosa intervenção do BNDES em projetos de empresários vinculados ao PT?

Na área trabalhista, o documento recomenda abolir a reforma do governo Temer, de 2017. Parece inacreditável. A sanção da lei completará cinco anos em julho, e são evidentes os benefícios trazidos à vida de funcionários e empresas. As rescisões de comum acordo aumentaram, evitando litígios e diminuindo a insegurança jurídica. Regras mais flexíveis para salários e cargas horárias têm sido cruciais para a manutenção de empregos desde o estouro da pandemia. Processos na Justiça trabalhista despencaram.

Dado o histórico petista no poder, a chapa Lula-Alckmin deveria começar seu programa esclarecendo que erros do passado não quer repetir. O “Vamos juntos pelo Brasil” só pode ser compreendido como estratégia de uma campanha que quer vencer pelo contraste com a situação atual de crescimento baixo, desemprego e inflação altos. As propostas não resolvem nenhum desses problemas e tendem a agravá-los. Se o documento virar mesmo programa oficial e a chapa for vitoriosa, a realidade que se imporá aos novos governantes na certa obrigará o PT a cometer mais um estelionato eleitoral.

Proposta do governo para conter alta de combustíveis é desespero eleitoreiro

O Globo

Desespero é a palavra que define o último esforço do governo para conter a alta dos combustíveis. Convencido de que se trata do maior empecilho à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro já tentou de tudo para derrubar os preços. Trocou o presidente da Petrobras duas vezes, ameaçou interferir na estatal e fez sua base no Congresso correr para reduzir o ICMS cobrado pelos estados. Até agora, nada funcionou. Mas o governo não desiste — e desta vez se superou.

A ideia que saiu dos laboratórios do Planalto é de difícil compreensão e, uma vez compreendida, parece tão estapafúrdia que desafia a credulidade. Em suma, o governo pretende renunciar a impostos federais sobre os combustíveis e destinar até R$ 50 bilhões — oriundos da venda de ações da Eletrobras — para financiar um subsídio temporário ao diesel e ao gás de cozinha.

O dinheiro seria transferido aos estados para compensar as perdas que teriam zerando o ICMS sobre os dois produtos até o final do ano. Ficaria mantida a redução desse imposto sobre gasolina e etanol a 17%, sem nenhuma compensação aos estados. E tudo seria regularizado por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), para driblar o teto de gastos.

O objetivo do malabarismo é convencer os governos estaduais a orientar suas bancadas a apoiar as medidas. Estados e municípios resistem à redução do ICMS a 17% já aprovada pela Câmara, pois ela acarretaria perdas estimadas em R$ 90 bilhões por ano. Como a compensação temporária se destinaria apenas às alíquotas zeradas (gás e diesel), o rombo permaneceria. Embora a proposta não contorne as dificuldades políticas, conta com apoio engajado dos caciques do Centrão e dos comandos da Câmara e do Senado. Se prosperar, os problemas que criará não terminarão depois da eleição.

Nada há de errado em criar subsídios a produtos essenciais em momentos de escassez — vários países fizeram isso para conter o choque nos combustíveis. Mas desde que o Parlamento aponte de onde virão os recursos sem prejudicar as demais funções do governo. Repousa aí o maior problema.

O dinheiro da Eletrobras não existirá no ano que vem, e a alta de arrecadação neste ano, derivada da inflação, dá a falsa sensação de sobra no caixa. É ilusão. O buraco persiste, e as pressões da máquina por ampliar gastos são enormes. Estima-se em no mínimo 2,5% do PIB o ajuste fiscal necessário para a dívida pública entrar em trajetória sustentável, dadas nossas condições de crescimento. Toda medida populista que crie despesas sem lastro exerce pressão inflacionária, justamente no bolso de quem o governo finge querer ajudar.

A ruptura do teto de gastos para atender a interesses eleitoreiros põe em xeque o arcabouço jurídico que defende o Estado dos ataques de rapina dos políticos. Sem essa âncora fiscal, o Orçamento se torna ainda mais vulnerável ao populismo. É compreensível que Bolsonaro e seus aliados do Centrão invistam em mais um desvario, ante o desespero trazido pelas pesquisas. Mas é inadmissível que o Congresso embarque em mais essa esparrela.

Improviso e demagogia na jogada do ICMS

O Estado de S. Paulo

Em encenação grotesca, em que levou chá de cadeira de Lira e Pacheco, Bolsonaro anuncia medidas inúteis contra alta dos combustíveis e custosas para Estados

Bem alimentado, bem alojado no Palácio do Planalto, bem assistido quando digere mal um camarão e com tempo de sobra para motociatas e passeios de jet ski, o presidente Jair Bolsonaro vem tratando os preços da gasolina e do diesel como os maiores e mais prementes problemas dos brasileiros. Têm relevância, de fato, mas quase desaparecem quando confrontados com o desemprego, a perda de renda, os preços da comida, o custo da saúde, as escolas sem banheiros, a falta de professores, a violência rotineira e as moradias em áreas de risco, para citar apenas os pesadelos mais noticiados no dia a dia. Nenhum desses problemas será resolvido com o mero corte de tributos, como o IPI e o ICMS, mas o presidente, seus ministros e seus parceiros do Centrão insistem nesse remédio – inútil, custoso e desastroso para os governos, para os serviços prestados à população e para a maioria das famílias.

Além de grotesco, foi assustador o espetáculo protagonizado pelo presidente Bolsonaro na segunda-feira à noite, quando anunciou planos de redução de impostos federais e estaduais para baratear combustíveis, energia elétrica, transportes públicos e serviços de comunicação. Reduzida a pronunciamentos de autoridades, embora devesse ter sido uma entrevista coletiva, a manifestação foi um indisfarçável evento eleitoral. Igualmente indisfarçável foi sua improvisação.

Bolsonaro e ministros chegaram em primeiro lugar e esperaram por vários minutos o aparecimento dos presidentes da Câmara e do Senado, numa inversão dos padrões protocolares. Durante a apresentação, o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, circulou por trás das autoridades e ficou junto de ministros, durante algum tempo. Ninguém explicou sua presença no anúncio-comício. Mas o evento suscitou outras questões importantes para quem se preocupa com os aspectos mais prosaicos da administração pública.

Quanto o governo federal terá de pagar aos Estados para compensar as perdas de receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)? De onde virá esse dinheiro? Que garantia terão os governadores de receber essa compensação? Nenhuma resposta satisfatória foi apresentada durante as falas das autoridades. O ministro da Economia mencionou, depois dos discursos e já na saída, um possível custo de até R$ 50 bilhões.

O dinheiro poderá sair da receita de privatização da Eletrobras – uma fonte ainda incerta – ou dos dividendos da Petrobras. Esses detalhes confirmam claramente a improvisação do lance eleitoral. Além disso, a transferência da verba aos Estados implicará um rompimento do teto de gastos. Para realizar esse dispêndio, o Executivo federal dependerá da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – mais um fator de insegurança. A palavra improviso tem um sentido muito menos nobre, neste caso, do que quando aplicada a um lance genial de um grande jogador de futebol ou à execução de um trecho de jazz por um músico de talento notável.

Empenhados em limitar o uso do ICMS pelos governos estaduais, líderes do Centrão, como o presidente da Câmara, participam da jogada eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Também fazem o próprio jogo, é claro, e com isso atropelam os valores federativos e comprometem a capacidade administrativa de governadores e prefeitos (municípios têm direito a uma parte do maior tributo estadual). Podem reduzir temporariamente os preços de combustíveis e de alguns serviços, mas sem impedir novos aumentos, porque estes independem dos impostos indiretos. Quando se considera este ponto, fica ainda mais ostensiva a trapaça envolvida na manobra de Bolsonaro e de seus parceiros.

Se estivessem de fato empenhados em favorecer os mais vulneráveis, presidente e Centrão poderiam formular, por exemplo, um esquema de subsídio ao gás de cozinha ou ao transporte público. Mas, se Bolsonaro tivesse esse tipo de preocupação, o Brasil teria chegado ao quarto ano de seu mandato com desemprego muito menor, inflação mais contida e nenhum centavo consumido num orçamento secreto. 

O pragmatismo do Centrão

O Estado de S. Paulo

Grupo que sustenta o governo cobra plano para recuperar candidatura de Bolsonaro, mas já arquiteta discurso pró-Lula e discute comando do Legislativo em 2023

O presidente Jair Bolsonaro mantém a aposta no discurso ideológico para mobilizar sua base mais fiel, mas suas motociatas têm esbarrado nos limites da dura realidade econômica vivida pela maioria da população. Apontada como causa da estagnação de sua candidatura nas mais recentes pesquisas eleitorais, a inflação tem levado ansiedade ao Centrão. Reunião de partidos fisiológicos que dão apoio ao governo, o grupo ampliou a pressão sobre o Executivo por alguma solução – qualquer que seja – para o preço dos combustíveis. Foi nesse contexto que nasceu o plano de recuperação da candidatura do capitão da reserva, batizado de “it’s now or never”, ou “é agora ou nunca”, numa livre tradução da famosa canção de Elvis Presley.

Revelado pelo Estadão, o projeto é tão ambicioso quanto fantasioso: reverter, urgentemente, a percepção do eleitor a respeito da realidade econômica do País para que o governo “possa começar a jogar”. É um ajuste nem um pouco trivial em relação ao discurso reverberado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), principais lideranças do Centrão que projetavam Bolsonaro à frente das pesquisas até este mês. A meta, agora, é encontrar uma forma de aliviar os preços dos combustíveis e de devolver aos eleitores a sensação de que vão conseguir quitar suas dívidas e voltar a consumir – e, não se sabe exatamente como, relacionar essa improvável melhora a Bolsonaro.

O cenário ajuda a explicar a miríade de ideias estapafúrdias que têm surgido na seara econômica. Nesse debate, tudo está em jogo, menos, claro, as emendas parlamentares. Serão quase R$ 36 bilhões neste ano entre emendas individuais, de bancada, de comissão e de relator-geral, até agora livres de qualquer contingenciamento por parte do Executivo, ao contrário de áreas como Saúde, Educação e Ciência e Tecnologia, alvo de cortes de alcance bilionário. A prioridade do governo é a sobrevivência de Bolsonaro.

O fato, contudo, é que nem todo esse dinheiro tem garantido apoio incondicional do Centrão ao governo, o que apenas confirma a essência da custosa e desequilibrada parceria que garantiu a manutenção de Bolsonaro no cargo. Mal chegou junho, mês que costuma marcar o fim dos trabalhos legislativos em anos eleitorais, alguns integrantes da base aliada já não escondem seu ceticismo em relação à candidatura de Bolsonaro. “O povo elege pelo bolso, e quem ganha abaixo de dois salários mínimos não compra mais nada no supermercado, está passando fome. Esses não votam no presidente, não”, disse o deputado José Nelto (PP-GO).

Quando a equipe econômica perdeu o controle da execução dos recursos do Orçamento para o ministro Ciro Nogueira, ventilou-se a versão segundo a qual “ninguém perde o que já não tinha”. Foi uma forma de minimizar a repercussão negativa do decreto, destacando que a distribuição de verbas sempre havia sido uma decisão política, não financeira. Os movimentos mais recentes do Centrão mostram que o governo é muito mais coadjuvante do que parecia.

O Centrão nunca foi aliado de Bolsonaro, porque aliança presume compartilhamento de poder. A relação desse grupo político com o presidente, na verdade, é de suserania e vassalagem. Bolsonaro se salvou de um impeachment líquido e certo em troca da entrega do controle do governo e do Orçamento ao Centrão. Essa é a natureza do Centrão, que estará com qualquer governo, “até mesmo com Lula”, como uma das lideranças admitiu à reportagem. 

A presença do ex-tucano Geraldo Alckmin na chapa de Lula decerto servirá aos supostos liberais do Centrão como justificativa para aderir à agenda estatólatra dos petistas. Na prática, contudo, o Centrão não estará na oposição, ganhe quem ganhar, porque pretende manter intacto o edifício fisiológico que construiu na atual legislatura. Assim, enquanto Bolsonaro segue sem rumo, o Centrão cuida da vida e já discute a sucessão do comando da Câmara e do Senado e a divisão do espólio das emendas parlamentares para o ano que vem. 

Fiasco anunciado

O Estado de S. Paulo

Melhor resultado que o País pode levar à COP-27 é a eleição de um presidente comprometido com a agenda ambiental

O Brasil corre o risco de passar vergonha na 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP-27), a ser realizada no Egito, em novembro próximo. É muito improvável que o País tenha resultados concretos a apresentar em relação aos compromissos assumidos na edição anterior da cimeira, realizada na Escócia, há seis meses. Em sua maioria, as metas de redução do desmatamento ilegal e das emissões de gases do efeito estufa, com as quais a delegação brasileira se comprometeu oficialmente, não saíram do papel.

Este é o retrato de um governo liderado por um negacionista dos fatos e da ciência, alguém que, mesmo antes de assumir a Presidência da República, sempre fez pouco-caso da agenda de proteção ambiental. Na visão estreita do presidente Jair Bolsonaro, a defesa do meio ambiente – um imperativo constitucional, é sempre bom lembrar – é associada a “esquerdistas”, organizações não governamentais “oportunistas” e agentes econômicos estrangeiros interessados em se apropriar dos ricos recursos naturais do Brasil.

Decerto sob o manto da proteção ambiental se abrigam muitos interesseiros e criminosos, como garimpeiros ilegais, grileiros e traficantes de drogas, madeira e animais. A obrigação de um governo sério e responsável, contudo, é justamente apoiar as ações de combate aos crimes ambientais e fomentar a participação de organizações da sociedade civil que, com muita seriedade, atuam em defesa do meio ambiente, do bem-estar dos povos indígenas e na contenção das mudanças climáticas. Tudo o que o atual presidente jamais fez e jamais fará.

Bolsonaro nem sequer se esforça para fingir que mobiliza seu governo para defender o que é correto e aproximar o Brasil do mundo civilizado. Basta dizer que instituiu recentemente uma “câmara consultiva temática”, sob coordenação do Ministério do Meio Ambiente, para “qualificar os dados de desmatamento e incêndios a fim de diferenciar crimes ambientais de outras atividades”. Uma câmara com esse objetivo nem deveria existir. Há anos, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já produz dados altamente qualificados, tornando-se uma referência internacional no monitoramento do desmatamento ilegal nos biomas da Amazônia e do Cerrado. Bolsonaro não só segue com sua deliberada política de desqualificação do Inpe, como criou a tal “câmara temática” sem contemplar a presença de técnicos do órgão. Ora, não pode ser séria uma ação que pretende combater desmatamentos ilegais e não conte com os cientistas do Inpe.

O Brasil perdeu muito da relevância que já teve em questões regionais e globais. Há algum tempo, a seara ambiental é a única na qual o País ainda figura como um interlocutor indispensável. Mas essa relevância, ou soft power, tem sido dilapidada por Jair Bolsonaro e sua passividade, para dizer o mínimo, diante da destruição de nossas florestas, rios e biodiversidade. A esperança que resta é que na COP-27, em novembro, o Brasil tenha um novo presidente recém-eleito que esteja comprometido com a defesa do meio ambiente.

PEC dos combustíveis não auxilia quem mais precisa

Valor Econômico

Toda a fuzarca governamental, com sua PEC, se esfarelará diante de novos aumentos de combustíveis

Depois de longos meses sem dedicar-se seriamente ao problema dos aumentos dos preços da comida, da energia e dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ressarcir Estados que desonerem o diesel e o gás de cozinha, além de compensá-los por eventuais perdas da redução das alíquotas do ICMS previstas em projeto aprovado na Câmara e sob exame do Senado. No primeiro caso, não parece existir outro país em que isso exija mudança na Constituição. Mas a PEC só existirá se o Senado aprovar a redução à média de 17%, das alíquotas de telecomunicações, combustíveis, energia elétrica e transporte urbano, constantes do PLP 18.

Poucas horas após a decisão do presidente, ao lado dos políticos que comandam a Câmara, Arthur Lira, e o Senado, Rodrigo Pacheco, economistas do Fundo Monetário Internacional divulgaram uma nota sobre o que consideram mais adequado e menos adequado na tarefa de mitigar os aumentos da energia e da comida, com base em uma amostra de 134 países, embora reconheça que cada país faz o que pode. A nota não menciona medidas tomadas pelo Brasil, embora o pacote do governo vá na direção oposta da julgada mais sensata pelos técnicos do Fundo.

Em geral, a nota aconselha que não se tente evitar o repasse dos aumentos dos preços dos alimentos, energia e combustíveis, mas que se aja para aliviar os estragos que causam à parcela da população mais afetada pelos reajustes, via política fiscal. Gastos com comida, por exemplo, são 16% da despesas da população dos países ricos, 28% dos emergentes e 44% dos países pobres. Tem sido responsável por 40% da alta dos índices de preços nos países emergentes em 2022.

Mas os preços têm influência decisiva para calibrar a demanda e o aumento da oferta e não se deve perder isso de vista. Como vários economistas no Brasil, os do FMI preferem a corte de impostos e a subsídios, transferências diretas e focadas, que alcancem os mais vulneráveis e que têm um custo menor. Preocupado em ganhar as eleições, Bolsonaro quer zerar todos os impostos sobre o diesel e diminuir os da gasolina, que têm alta elasticidade-renda, isto é, quanto mais alto o preço menor o consumo. Seu pacote não discrimina o caminhoneiro, e endinheirados proprietários de SUVs e quem não tem carro, nem nada.

Em quase metade de 26 das 31 economias desenvolvidas, se preferiu transferências diretas e indiretas de recursos (vouchers e desconto nas contas de luz e gás) para famílias com crianças e as que dependem da seguridade social, por exemplo. Na amostra de 103 países emergentes e pobres a preferência recaiu sobre redução de impostos sobre o consumo (24%) e congelamento ou subsídios de preços (18%).

Evitar o repasse de preços é caro, dizem os técnicos do FMI. Focalizar as medidas é melhor. Em vez de reduzir a tributação da energia (o que até pode ser feito quando a carga de tributos é muito alta, como no Brasil), é mais produtivo dar descontos nos preços até certo limite de renda. A escolha depende da situação fiscal do país e da capilaridade e profundidade do sistema de atendimento social, algo em que o Brasil têm experiência e meios para realizar. A Nigéria, por exemplo, usou dados do censo e um mapa com imagens de alta resolução de satélites para selecionar os benefícios nas áreas urbanas mais pobres. Togo usou dados biométricos e telefônicos dos eleitores para transferir recursos via plataforma digital.

É desaconselhável reduzir impostos de energia e comida, diz a nota, porque esses setores, que em geral praticam tarifas ad valorem, têm maiores receitas com aumentos de preços inelásticos. Esse excesso de receita deveria ser usado seletivamente para ajudar os mais pobres, e não se evaporar e aliviar as contas das famílias mais afluentes.

A PEC do governo custará cerca de R$ 40 bilhões, quase a mesma quantia (R$ 49 bilhões) que permitiu dobrar o valor do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família), enquanto os Estados falam em perdas de R$ 80 bilhões (1% do PIB). O ressarcimento aos Estados será feito fora do teto de gastos, mas esse é um defeito menor, se os recursos fossem destinados a minorar a insegurança alimentar e os pesados fardos dos mais pobres.

Toda a fuzarca governamental, com sua PEC, se esfarelará diante de novos aumentos de combustíveis. A queda da tributação pode ter impacto relevante na inflação, embora temporário, isto é, incluir o período eleitoral e favorecer o candidato Jair Bolsonaro - sua única preocupação com esse assunto.

 

 

Um comentário:

  1. Os editoriais reclamam de Bolsonaro,claro,e de Lula,mas não adianta,é só o que temos,rs.

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