O Globo
A Justiça do Acre determinou que o IBGE
inclua no Censo questões sobre identidade de gênero e orientação sexual. O IBGE
respondeu que recorrerá e que, se a decisão de incluir as questões for mantida,
terá de adiar mais uma vez o Censo (já adiado em 2020 por causa da pandemia e
em 2021 devido à falta de orçamento). O embate jurídico mostra a chegada das
guerras culturais ao IBGE.
A inclusão de questões sobre identidade de
gênero e orientação sexual é muito carregada politicamente. O termo “gênero” é
visto por conservadores cristãos como uma espécie de cavalo de troia criado
pelas feministas para destruir a família convencional.
A discussão sobre a adequação do uso da expressão “gênero” nas políticas públicas explodiu em 2014, quando o termo teve de ser retirado do Plano Nacional de Educação. Depois, esteve no centro de controvérsias educacionais promovidas pelo movimento Escola sem Partido. Noutros países, o debate tem marcado vários momentos políticos. Na Colômbia, o uso do termo “gênero” em passagens do acordo de paz com as Farc em 2016 é considerado um dos motivos por que o referendo em apoio ao entendimento foi rejeitado pelos eleitores.
A controvérsia sobre o termo “gênero”
começou em conferências das Nações Unidas nos anos 1990. Feministas que
participavam desses encontros resolveram substituir o termo “sexo”, usado em
geral para se referir às diferenças entre homens e mulheres, por “gênero”, que
enfatizava o caráter construído socialmente no lugar do biológico. Com a
mudança, as feministas queriam ressaltar que as relações de opressão dos homens
sobre as mulheres não eram determinadas pela biologia, mas pela sociedade e,
portanto, poderiam ser socialmente desconstruídas.
Grupos conservadores ligados à Igreja
Católica que acompanhavam as conferências interpretaram a substituição de uma
maneira conspiratória. Para eles, a mudança de terminologia era uma manobra
sofisticada para embutir nos documentos a ideia de que a identidade de gênero e
a orientação sexual eram construções sociais — e de que, portanto, homens
poderiam virar mulheres e vice-versa ou qualquer um poderia simplesmente
escolher ser homossexual. A “ideologia de gênero”, na expressão dos
conservadores, seria um cavalo de troia por meio do qual uma mudança de
terminologia aparentemente banal trazia a destruição do conceito de família
tradicional. Desde então, conservadores e progressistas se engalfinham sobre o
uso do termo “gênero”.
O juiz do Acre que, por solicitação do
Ministério Público, determinou a inclusão no Censo de questões sobre identidade
de gênero e orientação sexual provavelmente estava preocupado com a injustiça e
opressão envolvendo relações entre homens e mulheres. E provavelmente supôs que
um IBGE sob gestão Bolsonaro bloqueia a coleta desse tipo de informação,
fundamental para a elaboração de políticas públicas em apoio às mulheres e à
população LGBTQIA+.
O IBGE, no entanto, afirmou em nota que o
Censo não é uma pesquisa adequada para investigar essas questões porque um
morador deve responder por ele e pelos demais residentes do domicílio, e
questões sobre identidade de gênero e orientação sexual são muito sensíveis, só
poderiam ser adequadamente respondidas pelo próprio indivíduo. A ponderação do
IBGE é pertinente.
O instituto acabou de divulgar a Pesquisa
Nacional de Saúde, testando metodologia internacional para medir com algum
rigor a orientação sexual dos brasileiros (o estudo estimou a população
homossexual e bissexual em 1,8%). A pesquisa gerou algum debate entre
especialistas e provavelmente precisa ser aprimorada.
Para que algo assim entrasse no Censo,
seria necessária a consolidação da metodologia. Isso levaria anos, além de
demandar uma implementação precedida por testes e pilotos. Seria preciso
avaliar também o impacto da mudança para não interromper a série histórica dos
dados. Isso tudo não pode ser feito adequadamente antes de agosto, quando o
Censo começa a ser aplicado.
Embora fosse de esperar que o IBGE sob o governo Bolsonaro dificultasse a coleta de informações para medir problemas envolvendo populações marginalizadas, as limitações atuais do Censo se explicam mais por razões orçamentárias e metodológicas que por interferência política com viés ideológico. A resposta do instituto à Justiça de que adiaria a aplicação do Censo em um ano se obrigado a incluir as questões demonstra a seriedade e o rigor de seu trabalho.
1,8% de homossexual e bissexual,então tá! Sabemos que o ser humano é potencialmente bissexual,principalmente as mulheres,a percentagem só pode ser outra.
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