O Estado de S. Paulo
Em campanha eleitoral, o presidente
Bolsonaro tenta passar a empresários e governadores a responsabilidade pela
inflação.
Fartura e fome foram destaques do
noticiário, de novo, neste país conhecido como terra de contrastes. Em novo recorde,
a safra de grãos deve chegar a 271 milhões de toneladas, segundo o Ministério
da Agricultura. Não devem faltar, nos armazéns, feijão, arroz e outros
alimentos essenciais para os brasileiros. Pode faltar, e tem faltado, dinheiro
para quem precisa pagar pela comida. Divulgada no mesmo dia, uma pesquisa
apontou 33 milhões de pessoas sujeitas à fome, 15,5% da população, e 125
milhões em condição de insegurança alimentar. O Brasil proporciona alimentos a
1 bilhão de pessoas, disse o presidente Jair Bolsonaro, em Los Angeles, na
Cúpula das Américas. Não ficou claro se esse bilhão inclui aqueles subnutridos,
se o desconto foi feito ou mesmo se Bolsonaro tinha ouvido a notícia.
Mas comida no prato depende do poder de
compra. Como este depende dos preços, Bolsonaro foi alertado sobre os efeitos
eleitorais da inflação. Na quinta-feira o presidente e o ministro da Economia,
Paulo Guedes, participaram virtualmente de uma reunião do setor de
supermercados e pediram ajuda aos empresários. Bolsonaro sugeriu redução do
lucro sobre os produtos da cesta básica. O ministro apelou por uma trégua nos
aumentos de preços. Transferiram às empresas, portanto, uma responsabilidade
pública, a ação anti-inflacionária, confessando implicitamente sua impotência e
menosprezando fatores como a incerteza fiscal e a instabilidade do câmbio.
Transferir responsabilidades e culpas é uma das especialidades do presidente Bolsonaro. Nesse jogo, ele demitiu três presidentes da Petrobras e um ministro de Minas e Energia. Conseguiu retardar alguns aumentos de preços, mas sem eliminar um ponto essencial da política da empresa, a observância das cotações internacionais.
Também governadores e prefeitos foram
envolvidos nesse jogo. Bolsonaro responsabilizou-os pelas perdas econômicas na
pior fase da pandemia, quando impuseram restrições à circulação e à aglomeração
de pessoas. Nunca reconheceu a dianteira das administrações estaduais nas
campanhas de imunização, enquanto o Executivo federal atrasava a distribuição
de vacinas e ele espalhava desinformação sobre o assunto. Vencida a pior fase,
o presidente agora gasta dinheiro em campanha publicitária para se atribuir
mérito pela vacinação e por sucessos econômicos em grande parte imaginários.
Com o mesmo tipo de manobra, Bolsonaro e
seus aliados do Centrão tentam envolver os Tesouros estaduais na redução de
preços dos combustíveis. Num espetáculo patético, na segunda-feira à noite, o
presidente da República defendeu a redução do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado sobre gasolina, diesel, gás de cozinha,
eletricidade, telecomunicações e transporte público. A proposta inclui até a
adoção de alíquota zero. O poder federal, segundo se prometeu, compensará as
perdas de arrecadação.
O ministro da Fazenda mencionou um custo
provável entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões, sem esconder a improvisação. Não
houve como disfarçar o caráter eleitoreiro da jogada, tão óbvio quanto o erro
de avaliação econômica e política. Bolsonaro e sua turma trataram o custo dos
combustíveis como se fosse muito mais importante que o desemprego, a perda de
remuneração e o encarecimento de itens como comida, gás e transporte público.
Além disso, tratar o imposto indireto como causa de aumento de preços
dependentes do mercado é tolice evidente. Esse imposto apenas incide sobre o
preço básico e entra, portanto, na composição do valor final.
Divulgada na quinta-feira, a inflação de
maio motivou novos comentários do presidente e do ministro Guedes. A taxa
mensal diminuiu de 1,06% para 0,47%, mas a alta de preços acumulada em 12
meses, de 11,73%, ainda foi muito grande. Grande também foi a alta acumulada de
itens essenciais, como alimentação (13,51%), transporte público (17,43%) e
combustíveis domésticos (29,56%), incluído o gás.
Não se ganharia muita coisa, eleitoralmente,
alardeando a redução da taxa mensal de inflação ou o barateamento de produtos
como tomate, cenoura e batata inglesa. Mas presidente e ministro tentaram
mostrar empenho pedindo a colaboração dos empresários e dos governadores.
Cidadãos de enorme boa vontade podem ter
celebrado o recuo da taxa mensal de inflação. Mas parece irrealista apostar em
arroubos de alegria, quando há tantos sinais de dificuldades. As dimensões da
fome e da subnutrição ficaram mais claras com os dados da Rede Brasileira de
Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) e do
Instituto Vox Populi. O quadro piorou a partir de 2013. Em 2018 os famintos
eram 5,8% dos brasileiros. Em 2019 eram 9% e em 2022 o contingente chegou a
15,5%. Esses números compõem parte importante do balanço do atual presidente,
juntamente com uma das maiores taxas de desemprego do mundo, 10,5% no trimestre
móvel encerrado em abril. Bolsonaro conseguirá debitar tudo isso nas contas de
empresários e governadores?
*Jornalista
O povão debita a inflação alta ao governo Bolsonaro,ele e Guedes não conseguirá mudar isso.
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