terça-feira, 28 de junho de 2022

Rubens Barbosa*: Relações Brasil–China

O Estado de S. Paulo

Espera-se que não aconteça o que ocorreu com o caso dos EUA, em que a institucionalização ficou, em boa parte, na intenção.

As relações Brasil-China ganharam novo impulso com a realização, em maio passado, da sexta sessão plenária da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). A Cosban, criada há 18 anos, é copresidida pelo vice-presidente do Brasil e pelo vice-primeiro-ministro da China, e é o fórum mais importante para discutir, em alto nível, a orientação estratégica da cooperação bilateral.

No encontro, ficou evidenciada a diversidade do relacionamento bilateral, que abrange as áreas de comércio, investimento, finanças, energia e mineração, agropecuária, ciência, tecnologia e inovação, cooperação espacial, indústria e tecnologia da informação, cultura e educação. Entre outras medidas aprovadas, podem ser mencionadas a intenção de ampliar a colaboração na facilitação de comércio, para evitar barreiras protecionistas, em especial sanitárias e fitossanitárias; diversificação das exportações brasileiras, inclusive no setor agropecuário, com a inclusão de produtos industriais de maior valor agregado; e a expansão da cooperação em inovação e sustentabilidade.

Foi dado destaque à cooperação, de mais de 30 anos, na área espacial, com novos projetos e o início da negociação do Plano Sino-Brasileiro de Cooperação Espacial 2023-2032.

O trabalho conjunto no âmbito das organizações multilaterais continuará a ser desenvolvido na ONU, na Organização Mundial do Comércio (OMC), no Brics e no G-20, além do Banco Mundial e do Novo Banco de Desenvolvimento. O Brasil ressaltou a importância que atribui às questões da segurança alimentar e da sustentabilidade, da transição energética e dos desafios para uma economia de baixo carbono e para as perspectivas da relação bilateral. A China enfatizou a promoção do desenvolvimento econômico comercial bilateral e o fortalecimento da cooperação na área econômico-financeira e espacial.

O relacionamento com a China apresenta uma característica que não se encontra na relação com nenhum outro país. Não me lembro de outro exemplo em que os governos decidiram, com visão de futuro, avançar com planos de médio prazo, definidos com objetivos precisos no contexto da Parceria Estratégica que já existe há dez anos, como aconteceu com o Plano de Ação Conjunta 2015-2021 e o Plano Decenal de Cooperação 2012-2021. Na reunião da Cosban, foi concluída a negociação de novos planos decenais para o relacionamento bilateral: o Plano Estratégico 2022-2031 e o Plano Executivo 2022-2026, expressando as prioridades que Brasil e China pretendem imprimir a seu relacionamento nos próximos anos.

No Plano Estratégico, os entendimentos concentraram-se em três eixos: político, econômico (investimento, comércio e cooperação) e científico (tecnologia e inovação). Podem ser ressaltados, no campo político, entre outros, o respeito mútuo, à integridade territorial (que na prática apoia a posição chinesa contra a independência de Taiwan) e interesses vitais de cada lado; na área diplomática, a convocação do Diálogo Estratégico, em nível de chanceleres; nos organismos internacionais, o diálogo, inclusive no aumento da representação de países em desenvolvimento no Conselho de Segurança da ONU, como defende o Brasil. Na área econômica, houve concordância quanto à necessidade de diversificação da pauta das respectivas exportações e de ampliação da cooperação industrial, agrícola e energética, com apoio à energia renovável. Na área científica, vão ser estabelecidos, de comum acordo, setores prioritários para cooperação bilateral e um Plano de Cooperação Espacial 2023-2032.

O Plano Executivo define as áreas prioritárias para a cooperação bilateral e indica que metas concretas para o período 2022-2026 poderão ser consolidadas pelas instituições diretamente interessadas dos dois países, sendo a Cosban o principal órgão decisório. São criadas subcomissões que encaminharão relatórios semestrais das suas atividades ao Itamaraty e ao Ministério do Comércio da China. Nesse sentido, ficou acordado um amplo diálogo político bilateral com áreas definidas e multilateral nos principais organismos internacionais. Reafirmando a importância dos temas econômicos e comerciais, ficou estabelecida ampla agenda de contatos nessas áreas, incluindo investimentos e infraestrutura, cooperação financeira, energia e mineração, agricultura, aquicultura e pesca, educação, esportes, cultura, turismo e saúde. Realce especial foi dado à cooperação em ciência, tecnologia e inovação, além da cooperação espacial.

O Brasil mantém mecanismos de consulta com muitos outros países, mas os EUA são o único com quem a relação bilateral foi institucionalizada, aliás, durante o período em que servi como embaixador em Washington. Embora de maneira menos ambiciosa e sem planos decenais com metas estabelecidas, ocorrem consultas e diálogos de alto nível e reuniões de grupos de trabalho conjuntos nas áreas de comércio, ciência e tecnologia, agricultura e energia, além de um fórum com presidentes de grandes empresas dos dois países.

Espera-se que no caso da China não aconteça o que ocorreu com o dos EUA, em que a institucionalização ficou, em boa parte, na intenção.

*Ex-Embaixador em Washington, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

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