O Globo
A campanha presidencial antecipada começa a
testar as estratégias de marketing com que os principais candidatos se
digladiarão pelo voto em outubro. Jair Bolsonaro, eleito com uma campanha
totalmente tosca na TV, mas muito sofisticada no uso das redes sociais, agora
se prepara para mesclar um “lado A” mais tradicional de marketing político com
a insistência nesse “lado B” das redes.
Os primeiros filmes da vertente mainstream da campanha
reeleitoral começaram a sair do forno. Num deles, um Bolsonaro tentando
aparentar ser um sujeito boa-praça, sorridente, conversa com jovens numa
arquibancada e os aconselha a ouvir os pais, numa preleção sobre a importância
da família na formação dos indivíduos.
É um discurso para atingir não só o público jovem, no qual o capitão tem baixa penetração — e muito permeável à opinião de influenciadores e artistas, com quem ele vive em guerra permanente. A fala visa a atingir também as famílias mais conservadoras, de baixa renda e perfil religioso, pois ele também enaltece, como sempre desde 2018, a importância de Deus, além da família.
No final do papo família, sobra até espaço
para semear uma “vacina” contra os fracassos do governo na área econômica.
Bolsonaro diz que “sem pandemia e sem corrupção, seremos uma grande nação”,
como a já encontrar pretextos para os insucessos de seu mandato.
Não é casual. Ele sabe que, do outro lado
do ringue, o foco da propaganda de Lula, líder nas pesquisas, será justamente contrapor
os resultados da economia real em seus dois mandatos aos do atual governo.
Culpar a pandemia pelos dados desvantajosos
é só meia verdade. O PIB de 2019, antes do novo coronavírus, já havia deixado a
desejar. Além disso, as tão decantadas reformas já enfrentavam um freio de mão
puxado pelo próprio Bolsonaro, no caso da administrativa, e pela dificuldade de
o Ministério da Economia fechar uma proposta completa na tributária.
O marketing lulista deverá focar o bolso do
eleitor. Contrapor o salário mínimo, os índices de emprego, a inflação, a renda
e os investimentos de seu período e dos anos Bolsonaro.
Lula já tem feito isso sempre que tem
oportunidade de falar: propositalmente deixa de lado as pautas que Bolsonaro
tenta impor, como o suposto risco das urnas eletrônicas, para martelar o
aumento da pobreza, da fome e a dificuldade de viver e prosperar no Brasil de
Bolsonaro. É por saber o tamanho dessa encrenca que o presidente procura lançar
mão de todas as cartadas possíveis, as tradicionais e os truques mais variados.
Na última coluna, tratei das promessas fake
que assombram o presidente, pelo alto custo eleitoral que representam. Pois,
para enfrentar justamente esses pontos nevrálgicos, a ala política do governo
está gestando um novo gol de mão: decretar calamidade pública para poder gastar
à vontade com subsídios aos combustíveis e incremento de auxílios a vários
públicos-alvo, sem incorrer em estouro do teto de gastos ou em desobediência à
Lei de Responsabilidade Fiscal e ainda escapar das vedações da legislação
eleitoral para gastos a poucos meses do pleito.
As razões para uma súbita calamidade são as
mais esfarrapadas. Ao tentar elencá-las, Ciro Nogueira, um dos artífices da
tentativa de mais um tapetão eleitoreiro, disse que as pessoas estão tendo
dificuldade de viver no Brasil. Ué!? Mas a vida não era uma maravilha sob o
governo Bolsonaro? Não foi Paulo Guedes quem disse que a inflação era um
problema lá fora, mas aqui estava sob controle? Não param em pé sem que as
incoerências, mesmo com o discurso oficial, saltem aos olhos.
Só no gogó marqueteiro será muito difícil a
Bolsonaro escapar dos problemas. É preciso contar, também, com um gol de mão
que passe batido pelo juiz.
Pois é,Vera Magalhães.
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