O Globo
Paulo Guedes perdeu os pruridos de vez.
Depois de trancar na gaveta o liberalismo de Chicago, agora se destituiu da
função de ministro da Economia e virou cabo eleitoral de Jair Bolsonaro.
Com isso, ruiu a explicação, desde sempre
falaciosa, de que sua adesão a um candidato, depois presidente, sabidamente
corporativista e iliberal, era uma aliança entre “ordem e progresso”, ou entre
o liberalismo e o corporativismo.
Guedes comprou o pacote completo de
Bolsonaro. Alheio às ameaças diárias que o chefe faz à democracia, aos ataques
à Justiça e à imprensa, também aderiu sem cerimônia aos muitos dribles na
austeridade fiscal, ao intervencionismo em estatais e, pasmem!, se sente à
vontade para defender até truques como congelamento de preços.
Ele, que sempre foi crítico aos erros do
Plano Cruzado e até do Real, exitoso em conter a inflação que agora grassa
descontrolada.
Ao participar remotamente de um congresso
do setor varejista, o ministro escancarou:
—Estamos em guerra.
A dúvida é se fala da guerra contra a alta de preços ou da guerra eleitoral que seu chefe trava com desespero crescente.
Seguindo a lógica segundo a qual em guerra
vale tudo, o “liberal” Guedes fala em congelar preços e reduzir lucros, a
antítese mais absoluta que pode haver às leis do capitalismo. Fez coro a
Bolsonaro, que, mesmo em Los Angeles para a Cúpula das Américas, a que chegou
atrasado, fez questão de participar do evento, numa demonstração clara de que
só pensa em eleição e de quanto a inflação lhe tira o sono.
O ministro também desistiu de encenar o
teatro de que este governo cogita privatizar a Petrobras. Ao contrário,
embarcou graciosamente na sanha com que Bolsonaro mexe na diretoria e no
Conselho da empresa para tentar conter a alta no preço dos combustíveis.
Guedes também desistiu do conceito de
Federação, ao defender que os estados têm de colocar a “mão no bolso” para
ajudar a tornar o caminho eleitoral de Bolsonaro menos tortuoso.
O ministro sabe que a “contribuição” pedida
na forma da redução do ICMS sairá dos recursos destinados à Saúde e à Educação.
E que, portanto, o bolso tungado não é dos governadores, mas da população, a
mesma que provavelmente não pagará muito mais barato para encher o tanque com
essas mágicas eleitoreiras e improvisadas.
Seguindo nessa mesma linha, ele disse que
os estados receberam bilhões do “nosso dinheiro”, de novo fingindo não conhecer
como se dão a arrecadação e a distribuição de tributos entre os entes da
Federação, a fim de cumprir o que a Constituição determina ser atribuição de
cada um deles nas várias áreas.
O ministro da Economia deveria ser, de
todos os integrantes da Esplanada, o mais distanciado do calor do palanque.
Isso em qualquer circunstância, mas principalmente num cenário em que a
economia patina, a fome atinge 33 milhões, e a responsabilidade fiscal é
mandada às favas para que o presidente transmita a ilusão de que está cuidando
desses problemas quando só empurra a conta para pagar lá na frente.
Guedes sempre se jactou de não ser
político. Assim como Bolsonaro dizia não entender de economia, usava o pouco
traquejo com as artimanhas da política para explicar algumas gafes e ruídos na
relação com o Congresso. Os três anos e meio na cadeira fizeram com que
esquecesse rapidamente sua frase “mais Brasil e menos Brasília” para demonstrar
um apego poucas vezes visto ao poder e ao bolsonarismo, a ponto de aquiescer a
tudo.
Nessa toada, não será surpresa se amanhã
anunciar um tabelaço para os supermercados e convidar os brasileiros a sair
fechando estabelecimentos que remarcarem preços.
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Quem se alia a Bolsonaro é porque já tem afinidade.
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