sexta-feira, 10 de junho de 2022

Vera Magalhães: Vêm aí os fiscais de Bolsonaro e Guedes?

O Globo

Paulo Guedes perdeu os pruridos de vez. Depois de trancar na gaveta o liberalismo de Chicago, agora se destituiu da função de ministro da Economia e virou cabo eleitoral de Jair Bolsonaro.

Com isso, ruiu a explicação, desde sempre falaciosa, de que sua adesão a um candidato, depois presidente, sabidamente corporativista e iliberal, era uma aliança entre “ordem e progresso”, ou entre o liberalismo e o corporativismo.

Guedes comprou o pacote completo de Bolsonaro. Alheio às ameaças diárias que o chefe faz à democracia, aos ataques à Justiça e à imprensa, também aderiu sem cerimônia aos muitos dribles na austeridade fiscal, ao intervencionismo em estatais e, pasmem!, se sente à vontade para defender até truques como congelamento de preços.

Ele, que sempre foi crítico aos erros do Plano Cruzado e até do Real, exitoso em conter a inflação que agora grassa descontrolada.

Ao participar remotamente de um congresso do setor varejista, o ministro escancarou:

—Estamos em guerra.

A dúvida é se fala da guerra contra a alta de preços ou da guerra eleitoral que seu chefe trava com desespero crescente.

Seguindo a lógica segundo a qual em guerra vale tudo, o “liberal” Guedes fala em congelar preços e reduzir lucros, a antítese mais absoluta que pode haver às leis do capitalismo. Fez coro a Bolsonaro, que, mesmo em Los Angeles para a Cúpula das Américas, a que chegou atrasado, fez questão de participar do evento, numa demonstração clara de que só pensa em eleição e de quanto a inflação lhe tira o sono.

O ministro também desistiu de encenar o teatro de que este governo cogita privatizar a Petrobras. Ao contrário, embarcou graciosamente na sanha com que Bolsonaro mexe na diretoria e no Conselho da empresa para tentar conter a alta no preço dos combustíveis.

Guedes também desistiu do conceito de Federação, ao defender que os estados têm de colocar a “mão no bolso” para ajudar a tornar o caminho eleitoral de Bolsonaro menos tortuoso.

O ministro sabe que a “contribuição” pedida na forma da redução do ICMS sairá dos recursos destinados à Saúde e à Educação. E que, portanto, o bolso tungado não é dos governadores, mas da população, a mesma que provavelmente não pagará muito mais barato para encher o tanque com essas mágicas eleitoreiras e improvisadas.

Seguindo nessa mesma linha, ele disse que os estados receberam bilhões do “nosso dinheiro”, de novo fingindo não conhecer como se dão a arrecadação e a distribuição de tributos entre os entes da Federação, a fim de cumprir o que a Constituição determina ser atribuição de cada um deles nas várias áreas.

O ministro da Economia deveria ser, de todos os integrantes da Esplanada, o mais distanciado do calor do palanque. Isso em qualquer circunstância, mas principalmente num cenário em que a economia patina, a fome atinge 33 milhões, e a responsabilidade fiscal é mandada às favas para que o presidente transmita a ilusão de que está cuidando desses problemas quando só empurra a conta para pagar lá na frente.

Guedes sempre se jactou de não ser político. Assim como Bolsonaro dizia não entender de economia, usava o pouco traquejo com as artimanhas da política para explicar algumas gafes e ruídos na relação com o Congresso. Os três anos e meio na cadeira fizeram com que esquecesse rapidamente sua frase “mais Brasil e menos Brasília” para demonstrar um apego poucas vezes visto ao poder e ao bolsonarismo, a ponto de aquiescer a tudo.

Nessa toada, não será surpresa se amanhã anunciar um tabelaço para os supermercados e convidar os brasileiros a sair fechando estabelecimentos que remarcarem preços.

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