Folha de S. Paulo
Parlamentares querem ter ainda mais poder
sobre Orçamento, pelos piores motivos
O poderoso centrão quer decidir o destino
de 40% do dinheiro do Orçamento federal ainda "livre". Isto é, 40%
daqueles 5% que sobram das despesas obrigatórias. É o que se depreende do
início da discussão
das leis orçamentárias que vão definir a despesa federal em 2023.
É um negócio que vai ter consequências
políticas e econômicas ainda mais graves. Facilita corrupções e o emprego ainda
mais ineficiente dos recursos orçamentários.
Essa seria a fatia
do Orçamento destinada a bancar emendas parlamentares de execução
obrigatória (o Executivo não pode dizer não, em geral). O relator do Orçamento,
seu chefe e amigos, bancadas, comissões e parlamentares poderiam carimbar ainda
mais dinheiro a ser usado em pequenas despesas picotadas, obras locais e até
shows.
Os líderes da massa amorfa de parlamentares dessa geleia indistinta de partidos que faz a maioria do Congresso (70%?) teriam ainda mais poder distorcido, por assim dizer.
O poder sobre ainda mais dinheiro de
emendas tende a criar mais vassalos dispostos a votar qualquer coisa —vai ser
muito difícil que o Executivo consiga propor "agendas" que sejam
levadas a sério, sem negócio.
Como já se pode ver, vota-se à matroca: de
jabutis de interesse particularista à mera sabotagem de programas do Executivo.
É contínua a ameaça subliminar de impeachments ou constrangimentos menores de
qualquer autoridade dos Poderes, do Judiciário inclusive.
As tantas
leis de responsabilidade e limites fiscais foram todas desmoralizadas:
com uma emenda constitucional ou outro tipo de norma por quinzena, aprova-se
qualquer gasto, sem qualquer plano, em tratoraços das madrugadas, em
estelionato eleitoral explícito "hardcore". Aumenta o descrédito do
governo (isto é, seu custo de financiamento).
É óbvio que o Congresso deve discutir
prioridade orçamentária e chamar autoridades às falas. Mas não habitamos esse
mundo das fadas republicanas. Presidentes de Câmara, grupos de líderes, seja
qual for o comando da massa amorfa, querem mais poder de garantir sua reeleição
financiando seus currais, para começar.
Dado que o Orçamento é cada vez mais
engessado por despesas obrigatórias, diminui o poder político de convencimento
do Executivo —por exemplo, por divisão de poder. Privatizações e, por ora,
a Lei
das Estatais limitam o acesso a fundos paraestatais, digamos. Resta o
ataque a empresas como a Codevasf, uma agência de desenvolvimento do interior
do centro-norte travestida de estatal, ou ao FNDE (Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação), não por acaso centros de escândalos de corrupção
recentes.
Sobra ainda a captura cada vez maior de
diretorias das agências reguladoras. As agências não têm cofre gordo, mas são
lugar de oportunidade de barganhas com empresas.
O centrão propriamente dito, liderado pelos
regentes de Jair Bolsonaro, quer aumentar seu poder em reação à ideia
de Lula da Silva (PT) de limitar das emendas parlamentares. É outra
evidência de onde mais e mais está o conflito político relevante da república
degradada.
O dinheiro das emendas não parece muito:
40% de 5% equivale a 2% do Orçamento federal. Mas, como já se notou, a despesa
do governo é quase toda engessada. O valor pago das emendas pode equivaler a
três quartos da despesa de investimento, o que se gasta de fato em
"obras", compras de equipamentos etc.
Esse Congresso amorfo, chefiado por
gestores de butim, fica mais animado pela desmoralização e pelo enfraquecimento
objetivo da Presidência da República. Torna-se mais independente pelo pior
motivo. Vai pelo caminho de ser um agregado de partidos negocistas, associados
em uma agência de chantagem.
Uma vergonheira sem fim.
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