Folha de S. Paulo
Rolo com dinheiro picado é agora o modus
operandi mais comum da política
Pastores entraram na dança do país das
rachadinhas. São acusados
de cobrar pedágio para fazer com que uma parte dinheiro do Orçamento
federal chegue a um município, em geral uma cidadezinha. Pode ser dinheiro de
emenda parlamentar ou de um arranjo qualquer entre o governo federal e a
cidade.
O governo está quebrado e as empresas
públicas haviam sido mais ou menos protegidas de roubança por causa da Lei
das Estatais, essa que Jair Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da
Câmara e o poderoso centrão querem derrubar. Sobrou a rachadinha, favorecida
por um sistema de irracionalidade administrativa que banca os caciques
chinelões da política brasileira.
Mandar dinheiro para as cidades governadas por amigos e parentes é um meio de usar o dinheiro público para manter o curral eleitoral e se reeleger. Há quem roube, picadinho, mas o caso em geral é uso picotado de recursos escassos em pequenas obras ou despesas sem qualquer avaliação de prioridade, eficiência ou necessidade. O importante é ter "força em Brasília", um deputado poderoso, um lobista, um pastor.
No casamento
com o centrão, Bolsonaro entregou de vez como dote o controle do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), onde os pastores presos
circulavam, e a Codevasf, essa estatal que toca obras no interior pobre de
Minas, Nordeste e agora Norte. As suspeitas ou evidências mais gritantes de
desvio, superfaturamento, roubo aberto e outros rolos vêm daí.
Emenda parlamentar é uma modificação do
projeto de lei do Orçamento que o governo envia ao Congresso. São milhares por
ano. Em termos de valor pago (despesa realmente liquidada), equivalem a 1% do
Orçamento federal (uns R$ 16 bilhões), embora os valores empenhados (promessa
firme de gastar em algo, digamos) seja o dobro disso.
Parece pouco. Mas cerca de 94% ou 95% do
Orçamento tem destino obrigatório, carimbado por um motivo ou outro. Logo,
deputados e senadores decidem o que fazer de uns 20% do que resta do dinheiro
"livre" no Orçamento.
Lira
e turma decidem o destino de parte relevante desse dinheiro das
emendas. É poder no Congresso, o que facilita a reivindicação e ocupação de
feudos no governo, e é dinheiro bastante para evitar concorrência política no
curral. A turma manda dinheiro para a cidadezinha governada por pai, mulher,
filho, cunhada, sobrinho etc.
As emendas parlamentares muita vez bancam a
compra de caixa-d’água, asfalto, trator, asfalto, a obra de uma ponte, um posto
de saúde, quadra de futebol, show, festa, carteira escolar; por vezes a compra
de uma massa de aparelhos eletrônicos para escolas (kits de robótica para
escolas em ruínas, como mostrou esta Folha, por exemplo). Vez e outra bancam
obras maiores. Em média, dois terços vão para despesas em saúde. Uma emenda é
uma mudança ou determinação de gasto do Orçamento federal.
Por que o dinheiro para um posto de saúde
ou trator está em Brasília, administrado
por uma burocracia grande e por vezes pilhado na mão grande? Mesmo se
tudo estivesse certinho, é uma ineficiência. De resto, como fiscalizar a
execução de 10 mil ou 20 mil emendas parlamentares?
Ainda que seja necessário que um governo federal para administrar parte do bolo de impostos para cidades pequenas e sem dinheiro, não há critério de política pública ou prioridade para distribuí-las. Não tem norma impessoal. Quem tem "força em Brasília" ou dá uma barra de ouro para o pastor leva o tutu. Por definição, é quase uma improbidade. Se o presidente indica uns amigos pastores para achar o caminho das pedras para o dinheiro, é com certeza improbidade. Falta apenas comprovar a roubança.
A lambança é generalizada.
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