O Globo
Uma nova visão de negócios se consolida
diante do entendimento de que é preciso dividir para poder somar
Há em curso uma reforma estruturante do
capitalismo onde as empresas se adaptam por entenderem que o lucro já não é
tudo. Já há mais de dez anos, companhias começaram a perceber que o lucro
solitário pode mesmo atrapalhar. Uma nova visão de negócios se consolida diante
do entendimento de que é preciso dividir para poder somar. Se não houver
divisão, não haverá o que somar mais adiante. Cada vez mais jovens executivos e
líderes empresariais vêm sendo treinados para esta nova ótica dos negócios em
que o foco se desvia dos shareholders (acionistas) para os chamados
stakeholders (toda a comunidade que faz a empresa funcionar).
Em 1970, num artigo publicado no The New York Times, o economista Milton Friedman, papa da escola de economia de Chicago, produziu a frase que balizou uma época: “A responsabilidade social das empresas é aumentar o seu lucro”. No Brasil, o então ministro da Fazenda Delfim Netto reafirmava Friedman com a teoria de que “primeiro é preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”. Os dois diziam a mesma coisa. Só com o lucro se obtém crescimento sustentável que conseguirá, com o tempo, garantir benefícios aos mais pobres. Obviamente o conceito está ultrapassado. Há outras prioridades no horizonte das empresas modernas.
Francine Pena Póvoa, diretora da
Legacy4Business Consultoria, apresentou esta semana a alunos da Fundação Dom
Cabral (majoritariamente executivos de empresas grandes e médias) um estudo em
que mostra como se desenha o que é globalmente chamado de capitalismo
consciente, mesmo nome do livro de John Mackey e Raj Sisodia, escrito em 2013 e
que inaugurou esta nova perspectiva do capitalismo, em que empresas procuram
atender aos anseios dos seus stakeholders e das comunidades em que habitam. Daí
a popularização do conceito ESG (meio ambiente, responsabilidade social e
governança) no mundo dos negócios e o crescente interesse das companhias em questões
exóticas ao ambiente corporativo como saúde, bem-estar, consumo responsável e
igualdade de gênero, por exemplo.
Num planeta em que a fome mata 21 mil
pessoas por dia e 5,6 milhões morrem a cada ano por falta de acesso à saúde, é
obrigatório que se pense de forma diferente. Não é mais possível subsistir
nesse ambiente. Segundo o professor Colin Mayer da Faculdade de Economia da
Universidade de Oxford, “o propósito dos negócios é resolver os problemas das
pessoas e do planeta de forma lucrativa e não apenas lucrar causando danos”. O
que há alguns anos parecia apenas uma visão romântica de jovens economistas,
hoje é estratégia de negócio de grandes empresas globais e nacionais.
No Brasil, 52 milhões vivem em situação de
pobreza e 13 milhões são extremamente pobres. Apenas uma em cada quatro
crianças recebe três alimentações diárias. Esta miséria, aliada aos efeitos
catastróficos na economia causados pela pandemia, reduziu em quatro anos e meio
a expectativa de vida dos brasileiros. Diante deste quadro, empresas precisam
se adaptar para ajudar a sua comunidade a crescer juntamente com elas. A
empresária Luiza Trajano diz que “uma empresa que não se preocupa com seu
capital humano, que não se conscientiza do seu papel social, está provado
estatisticamente que não dura”. O CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, afirma que “o
lucro não é o suficiente para que a empresa se perenize e continue gerando
valor para a sociedade ao longo do tempo”.
É verdade que governos sozinhos não
conseguem fazer tudo. A colaboração de empresas como a Gerdau e o Magazine
Luiza é importante e até mesmo vital para a mudança que se quer fazer para
melhorar a vida das pessoas. Mas, no Brasil, o governo não apenas faz nada como
ainda joga contra. O Congresso, por seu lado, colabora não com o Brasil, mas
com o governo. O interesse difuso de parlamentares governistas e de oposição
consegue aprovar coisas como a PEC eleitoral e o orçamento secreto, que desviam
recursos públicos que deveriam ser usados de maneira estruturante para obras
paroquiais e bolsos particulares. O Brasil está melhorando no privado, mas
ainda precisa melhorar no público. Muito.
O PT e a PEC
Ninguém no PT vai admitir, mas o apoio do
partido à PEC eleitoral serve a um outro propósito político, além do
atendimento à pressa de quem tem fome. Não deixar Bolsonaro derreter demais nos
próximos três meses a ponto de perder a vaga no segundo turno para Ciro Gomes
ou Simone Tebet. A coisa andava tão mal para o presidente, que o risco dele
perder ainda mais votos e viabilizar outro adversário para Lula foi visto como
problemático, se não catastrófico para a candidatura petista. O raciocínio
funcionou assim: Bolsonaro derrete, é ultrapassado por Ciro ou Simone, mas fica
com aquele núcleo duro que não permitiria uma vitória de Lula no primeiro
turno. Daí a tragédia. Lula ganha de Bolsonaro, mas a chance de perder para
qualquer outro adversário é muito grande. Por isso a indignação faz de conta e
a votação descarada do PT na PEC eleitoral. Mas, atenção, o tiro pode sair pela
culatra. Quem não lembra do “deixa Lula sangrar” adotado pelo PSDB no escândalo
do mensalão? O partido de FH imaginava que Lula viraria pó e perderia a
reeleição. A história acabou sendo contada de maneira diferente.
Vingança
Lula tem dito a quem quiser ouvir que as
articulações de Arthur Lira em favor de Jair Bolsonaro são imperdoáveis. A
sanha do presidente da Câmara, que atropela regimento, leis e artigos
constitucionais para satisfazer seus próprios interesses e especialmente a
campanha de reeleição de Bolsonaro, não serão esquecidas, avisa o candidato
petista. Será mesmo? Quem conhece bem Lula acha que ele vai negociar com todos,
inclusive com Lira. Uma coisa, porém, ninguém nega, sendo eleito vai buscar
outro candidato para presidir a Câmara. Desta vingança Lira não escapa. Até
porque, Lula não iria entregar ao deputado o comando da nação, como faz
Bolsonaro.
Deputado embaixador
É perfeitamente compreensível a razão de os
constituintes estabelecerem que parlamentar perde o mandato se vier a ocupar
cargo de representação diplomática, seja de embaixador, cônsul ou outro
representante formal do Estado brasileiro em organismos internacionais. São
muitos os cargos desta natureza, mais de 200, sendo 196 embaixadas e 64
consulados, além das representações diplomáticas em organismos multilaterais
como a ONU. Destes, pelo menos uma centena são bastante atrativos e pagam muito
bem. Imagine a farra que seria se não houvesse a perda de mandato do indicado.
O presidente da República teria mais esta abundância de cargos para satisfazer
a boca grande parlamentar.
O resto é bobagem. O argumento de que o
embaixador se subordina diretamente ao presidente é tolo. Até porque o próprio
ministro das Relações Exteriores pode ser parlamentar, e da mesma forma se
subordina ao chefe do Executivo. E esse não perde o mandato, se licencia e
volta ao Congresso se for exonerado.
Sete civil
O Brasil, que gosta de imitar os Estados
Unidos, poderia copiar a comemoração do 4 de julho, data da independência
americana. Nenhum tanque na rua, nenhum avião riscando o céu, nenhum soldado
marchando, ninguém batendo continência. Quem comemora a independência do país
não são os militares, mas os civis. Nos EUA, houve uma guerra com mais de cem
mil mortos em que soldados das 13 colônias americanas pegaram em armas e expulsaram
os colonizadores britânicos. Ao longo do conflito, declararam sua independência
em 4 de julho de 1776. Aqui, a independência se deu por um gesto do imperador
Pedro I, um grito na verdade. Os conflitos foram localizados, poucos tiros
foram disparados, o envolvimento militar foi muito menor. Nos EUA, os civis
festejam a independência, aqui os militares fazem a festa, mesmo tendo
participado remotamente do ato da independência nacional. Um sete de setembro
civil faria justiça à nossa história.
Atenção e negligência
O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio,
disse na Câmara não estar preocupado com uma reação armada e violenta na
hipótese de Jair Bolsonaro perder a eleição. Como assim? Todo mundo está
preocupado, há sinais evidentes neste sentido, menos as Forças Armadas? Paulo
Sérgio negou que os organismos de inteligência militares monitorem uma eventual
desordem que possa ser provocada pelos derrotados, como se deu nos EUA com a
invasão do Capitólio. A única preocupação do general expressada na Câmara foi
com as urnas eletrônicas. O general disse que não questiona o sistema eleitoral
brasileiro, mas “nenhum sistema informatizado é totalmente inviolável” e falou
em “auditabilidade”. As Forças Armadas se preocupam com o que não lhes diz
respeito e são negligentes onde deveriam estar atentas.
CPI inconveniente
O senador Rodrigo Pacheco já produziu bons
momentos políticos, como em maio, quando pregou o compromisso pela democracia e
o respeito absoluto ao Poder Judiciário, reagindo a um dos costumeiros ataques
de Bolsonaro às instituições. O mesmo senador, entretanto, é capaz de fabricar
casuísmos vergonhosos como o de receber o pedido da CPI do MEC e marcar sua
instalação apenas depois das eleições, alegando que elas podem contaminar as
investigações. Ao que parece, Pacheco acha que eleição é um problema, não uma
solução.
Malcheiroso
Quanto mais se mexe no caso do Pedro Guimarães, mais a coisa fede. Agora já se sabe que o indigitado também usou dinheiro da Caixa de maneira no mínimo suspeita para fazer obras na mansão que alugava em Brasília. O que ainda não se sabe é como vai pagar a conta do advogado José Luis de Oliveira Lima, o Juca, um dos mais caros criminalistas do país. Talvez use dinheiro que recebeu das diversas consultorias que “prestou” a empresas públicas, ou com o que sobrou das diárias que recolheu nas 147 viagens que fez e que custaram R$ 10 milhões ao banco estatal.
O colunista foi muito preciso: "As Forças Armadas se preocupam com o que não lhes diz respeito e são negligentes onde deveriam estar atentas."
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