sábado, 16 de julho de 2022

Carlos Góes - Geração Zombada pelos erros de gestão dos políticos brasileiros

O Globo

As consequências disso devem ser muito persistentes, tanto para eles, quanto para o país

Eu saí da universidade e entrei no mercado de trabalho no começo de 2011. O momento do país era tão diferente que parecia outra realidade. Eu e meus colegas estávamos otimistas. O futuro parecia um oceano de possibilidades. Muitos nos aventuramos em outra cidade ou mesmo fora do país.

Sem que soubéssemos, o Brasil estava no começo do ocaso de um ciclo de estabilidade econômica e crescimento com distribuição de renda. Essa mudança de ciclo marca uma diferença muito grande com relação à geração imediatamente posterior à minha.

Parte da chamada “Geração Z”, nascida entre 1995 e 2005, também já entrou no mercado de trabalho. Quem virou adulto entre 2015 e 2020 já viveu duas das piores crises econômicas da história do Brasil. O Brasil que eles encontraram é muito diferente do que eu encontrei.

Primeiro, eles enfrentaram a Crise da Nova Matriz Econômica (2014-16), durante o governo Dilma Rousseff.

A partir de 2011, o país entraria em um ciclo de paulatino descontrole da inflação, excesso de subsídios, distorções microeconômicas e deterioração fiscal. O processo culminaria em uma queda nos níveis de investimento e confiança de empresários e consumidores; explosão nos juros futuros após a descoberta de fraudes fiscais; e uma grande crise econômica.

Não foi qualquer crise. A Crise da Nova Matriz Econômica registra o pior biênio de crescimento da renda nacional no Brasil desde 1900, quando começa a série histórica. Renda, emprego e oportunidades colapsaram.

Alguns anos depois de uma crise dessas proporções, a mesma geração teve de encarar a Crise do Coronavírus — ocorrida por causa da pandemia e alongada pela má gestão sanitária do governo Bolsonaro.

Nela, o número de empregos chegou a cair em 10% para homens e 16% para mulheres. Os trabalhadores mais afetados por essa volatilidade tendem a ser aqueles com menor experiência de trabalho — justamente os mais jovens.

Embora o nível de emprego tenha retornado àquele anterior à pandemia, a renda real média ainda não recuperou as perdas. Esses jovens, primeiro afetados pelo desemprego, agora veem a inflação corroer seu poder de compra.

Mas quais são os efeitos de longo prazo de virar adulto em grandes recessões, como ocorre com essa geração? A literatura científica indica alguns padrões persistentes.

Os economistas Hannes Schwandt e Till von Wachter analisaram os efeitos das condições econômicas quando da entrada das pessoas no mercado de trabalho.

Eles demonstram que os efeitos negativos sobre a renda de entrar no mercado de trabalho durante crises econômicas são persistentes — duram mais de uma década. A lógica é que se você entra no mercado de trabalho durante uma crise, talvez aceite um emprego de pior qualidade — e, por custos de mudança e inércia, fique “preso” a esse emprego até ter a chance de buscar outro.

Já Brian Bell, Anna Bindler e Stephen Machin estudaram um tema de particular importância para o Brasil: os efeitos de recessões sobre a capacidade do crime organizado de recrutar pessoas. Em teoria, condições econômicas adversas reduzem o custo de oportunidade de ingressar no crime — e podem induzir muitos jovens a seguir esse caminho.

Os pesquisadores compararam gerações que terminaram o Ensino Médio durante crises econômicas regionais nos Estados Unidos e no Reino Unido com aquelas que se graduaram durante as bonanças. Com isso, demonstraram empiricamente a previsão teórica.

Além disso, embora a maior probabilidade de cometer um crime seja mais acentuada entre os mais jovens, a diferença persiste por 15 anos após a formatura.

Por último, a experiência da crise econômica no ingresso do mercado de trabalho pode alterar as crenças das pessoas. Paola Giuliano e Antonio Spilimbergo estudaram os efeitos de crises macroeconômicas sobre as crenças. Eles demonstram que indivíduos que experienciam recessões durante a juventude: (a) tendem a acreditar que o sucesso na vida depende mais de sorte do que de esforço; (b) são mais propensos a apoiar programas de redistribuição de renda; e (c) têm menos confiança nas instituições públicas.

Eu escapei por pouco do infortúnio da Geração Z brasileira: não enfrentei duas das piores crises econômicas ao entrar no mercado de trabalho. A Geração Z é uma Geração Zombada pelos erros de gestão dos políticos brasileiros. E as consequências disso devem ser muito persistentes, tanto para eles, quanto para o país.

 

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