Folha de S. Paulo
Nem todas as luzes foram apagadas na busca
por novo projeto de país
Esta coluna foi produzida especialmente
para a campanha #ciêncianaseleições". Neste mês de julho, pelo segundo
ano, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionados ao processo
científico, em textos escritos por convidados ou por eles próprios.
Este espaço foi cedido pelo colunista
Conrado Hübner Mendes, para as professoras Soraya Smaili (Unifesp) e Debora
Foguel (UFRJ). Elas são pesquisadoras do Centro de Estudos Sociedade,
Universidade e Ciência (Sou_Ciência).
No último dia 26 de junho, Gilberto
Gil completou 80 anos e fomos nós que ganhamos um presente, seu artigo
"Brilho da ciência e da cultura vai nos tirar da escuridão". Gil
defende que cientistas e artistas comungam de fazeres comuns: desbravam o
desconhecido, esquadrinham os mistérios do universo e da alma, imaginam mundos
distintos e futuros possíveis. Ciência e cultura nos ajudam a enxergar e
reencontrar nossa humanidade, ingredientes necessários para desenhar um novo
projeto de país.
É nas universidades que as energias criativas da ciência, da arte e da cultura se encontram e se misturam num ambiente diverso e plural, gerador de ideias, forças e vidas. São essas instituições que teimam em persistir e resistir a esses tempos sombrios e a seus cavaleiros do apocalipse que pregam o descaso, o desmando, o desmonte.
Em 2022, após três anos de grandes
perdas, muitas
universidades federais já anunciaram que não terão recursos para deixar suas
portas abertas até o fim do ano e as salas de aula ocupadas
presencialmente, bem como manter em atividade os laboratórios e grupos de
pesquisa, os hospitais que atendem à população doente pelo Sistema Único de
Saúde e os projetos de extensão que levam a universidade para além-muros.
Esse anúncio é estarrecedor diante das
centenas de ações que as universidades federais, mas não só elas, incentivaram
nos últimos dois anos. Segundo levantamento do Centro Sou_Ciência (Sociedade,
Universidade e Ciência), em parceria com a Andifes (Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), até o momento, das 40
universidades mapeadas, foram catalogadas mais de mil ações, em mais de 500
municípios, abarcando atenção à saúde; pesquisa, tecnologia e inovação;
extensão e solidariedade; comunicação e atividades de organização da própria
instituição ou de apoio às prefeituras, estados ou mesmo no plano nacional.
No Mês da Ciência, o Sou_Ciência, em
parceria com o Instituto Serrapilheira, lança um painel que evidencia a
derrocada do financiamento e deterioração das estruturas dessas mesmas
universidades federais e institutos de pesquisa.
Apesar do dinheiro curto, é de fato
impressionante tomar conhecimento da riqueza de ações que as universidades
promoveram durante a pandemia, capilarizando suas iniciativas pelos vazios do
país, batendo na porta dos invisíveis e levando informação confiável a favor da
vida ao longo de dois anos de trabalho, de soluções baseadas em evidências
científicas e necessidade. Esse esforço e apoio solidário, somado àquele dos
profissionais de saúde e do SUS, foram reconhecidos pela sociedade brasileira,
mas não pelo governo federal.
Em outra pesquisa realizada pelo
Sou_Ciência, em parceria com o Instituto Idea Big Data, constatou-se que, hoje,
as pessoas passaram a se interessar mais por ciência e saúde, confiam
prioritariamente nos cientistas e médicos e já conseguem citar o nome de
cientistas ou instituição de pesquisa brasileiros. Um movimento que se reflete
no alto percentual de brasileiros que acreditam na
vacina e que estão vacinados e vivos.
Nem todas as luzes foram apagadas. As
muitas que sobraram, felizmente a maioria, servem de farol para nos guiar de
volta ao caminho do desenvolvimento e ao encontro de um novo Brasil, onde
educação, ciência e cultura sejam prioridades.
*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC
A ciência avança apesar de Bolsonaro.
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