sexta-feira, 15 de julho de 2022

Fabio Giambiagi - A política do salário mínimo

O Globo

No Brasil, devido ao mercado de trabalho informal, muitas pessoas ganham menos que o salário mínimo, que tem forte impacto fiscal

Este é o décimo segundo encontro para tratar de propostas para 2023. O tema de hoje é a política do salário mínimo (SM). Para entender a essência do que será discutido aqui, peço ao leitor para levar em conta duas coisas.

A primeira é a importância de uma palavra chave: previsibilidade. Se o país tem uma taxa de investimento baixa, que não permite aspirar a objetivos de crescimento mais ambiciosos, é entre outras coisas porque temos a marca da imprevisibilidade.

Nessas circunstâncias, tomar decisões de investimento de longo prazo é algo que envolve um conjunto de incertezas muito maior que aquele presente em outros países. O resultado é o país que temos.

A segunda questão a levar em consideração é a relação entre o SM e a Previdência. A despesa com a previdência do INSS é da ordem de grandeza de R$ 800 bilhões. E em torno de 40% dessa despesa está indexada ao SM. Isso significa que um aumento real de 1% do SM — compreensivelmente, alguém poderia exclamar: “apenas R$ 12!” — significa um incremento da despesa de mais de R$ 3 bilhões.

No contexto da vigência de uma restrição orçamentária, se um gasto aumenta, outro tem que cair. Para que o leitor tenha uma ideia, R$ 3 bilhões foi toda a despesa do governo federal com o apoio para ciência e tecnologia em 2021, tirando a folha de funcionários da área. Isso dá uma pista do tipo de dilema envolvido em decisões que soam simpáticas aos olhos da opinião pública.

Há outros três dados relevantes a lembrar:

i) entre fins de 1994 e 2021, o poder aquisitivo real do SM teve um aumento acumulado de 161%;

ii) devido a isso, nos últimos 25 anos, a despesa com benefícios previdenciários e assistenciais de exatamente um SM passou de 1,4% em 1997, para uma estimativa de 3,9% do PIB em 2022; e

iii) nesse processo, o SM, que no começo da estabilização, em 1995, correspondia a 26% da renda per capita do Brasil, em 2021 representou 35% dessa variável.

O fato é que, no Brasil, resumidamente, o SM não é mínimo, porque devido às características de nosso mercado de trabalho informal, há uma grande proporção de pessoas que ganham abaixo desse valor.

E, ao mesmo tempo, é uma variável que impacta poderosamente as contas fiscais, em função dos efeitos quantitativos acima explicados.

Se, em meados da década de 1990, elevar o valor real do SM, de apenas da ordem de US$ 70 quando o Plano Real foi lançado, fazia sentido, hoje, com o SM tendo tido sua capacidade de compra multiplicada por um fator de 2,6 desde aquela época; com nossa situação fiscal; com um crescimento que deixa a desejar; e com 11 milhões de desempregados, as prioridades do país precisam ser sair da situação difícil em que nos encontramos, “engatar uma terceira” no processo de crescimento e, principalmente, reduzir a taxa de desemprego que tanta angústia gera em milhões de lares do país.

Por isso, como parte da política econômica futura, sugere-se que o próximo governo envie ao Congresso uma proposta de lei que, a partir do valor da variável para 2023, indexe o SM por um período de oito anos, todo mês de janeiro de cada ano, à variação acumulada do IPCA-15 entre dezembro de 2022 e o mês de dezembro de cada ano imediatamente anterior ao da vigência do valor, arredondado para o número inteiro imediatamente superior, para manter a tradição do SM não ter centavos.

A indexação ao IPCA-15 se justifica porque, assim, o valor poderia ser conhecido todo final de ano, evitando o problema de ter que “adivinhar” a inflação de dezembro presente em anos anteriores. Quanto à diferença entre o IPCA e o INPC, é irrelevante: entre dezembro de 1994 e dezembro de 2021, a variação média anual do primeiro foi de 6,88%, e a do segundo, de 6,96%: quase a mesma coisa.

Com essa medida, o poder aquisitivo da variável estaria preservado e se teria um bom horizonte de previsibilidade para a política econômica. O governo a ser eleito em 2030, na próxima década, então, definiria em 2031, em outro contexto, que política adotar daí em diante.

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