quarta-feira, 20 de julho de 2022

Fernando Carvalho* - Ser militar hoje

Se compararmos os temas guerra e paz na literatura universal, a guerra é o assunto favorito. Cito apenas três clássicos: A Arte da Guerra de Sun Tzu, clássico chinês de cinco mil anos. Servidão e Grandeza Militares de Alfred de Vigny e ainda o Da Guerra de Carl von Clausewitz. Resta o consolo de que o filósofo chinês disse que o objetivo da guerra é a paz. E que se for possível ganhar uma guerra sem necessidade de matar nenhum soldado inimigo isso deve ser feito. Chego a me perguntar se Sun Tzu era mesmo um filósofo da guerra ou da paz. E para não concluir este parágrafo sem mencionar nem um livrinho sobre a paz, faço-o e recomendo O Homem e a Paz, um livro de bolso da Editora da FVG, RJ, 1981. Uma publicação d'O Correio da Unesco. O que tem de pequeno tem de bom. A capa é o quadro de Picasso Vive la paix.

Segundo César Benjamin. "Todas as sociedades delegam a um subgrupo de cidadãos a especialíssima prerrogativa de deter e manejar, com exclusividade, os meios de fazer a guerra. Trata-se, pois, de um subgrupo muito poderoso. Justamente por isso, ao lado da formação técnica, as sociedades investem pesadamente em sua formação intelectual e moral, para que ele compreenda bem a missão que tem e atue de forma harmoniosa com as demais instituições, praticando uma permanente auto limitação do uso de sua força.

Forças Armadas que perdem essas referências deixam de ser instituições nacionais. Degeneram em milícias.

Um dos valores mais caros à formação militar é o da lealdade. Sem ela, no mais alto grau, não se pode atuar de modo eficaz em uma guerra".

No meu tempo de soldado não era bem assim e entre nós, soldados, valia o lema: "Ordem maluca não se cumpre". E foi o que ocorreu quando Bolsonaro pediu ao Comandante da Aeronáutica para dar voos rasantes com um supersônico com o objetivo de quebrar as vidraças do Supremo Tribunal Federal. Fiquei curioso para saber o que pensam os três novos comandantes em relação às maluquices do Comandante Supremo.

Por falar nele já verbalizou que sua especialidade é matar, referindo-se à sua condição de militar.

Antigamente a guerra gozava de bom conceito. A guerra já foi exaltada como imperativo religioso (guerra santa) e patriótico e até como esporte de reis. Ser militar era algo enobrecedor, houve exércitos especiais que recrutavam seus guerreiros entre fugitivos, perseguidos ou mercenários. E ao se alistar no exército seu passado comprometedor era esquecido e o sujeito passava a gozar do prestígio de ser um militar. Durante muito tempo a guerra era apanágio de militar. Existia um código de honra militar, alvos civis eram respeitados. Com o advento dos armamentos modernos e especialmente os de destruição em massa, os civis entraram na dança da guerra. Cidades passaram a ser alvos de bombardeios militares.

A partir do século XIX o militarismo e a guerra começaram a perder prestígio. Isso se manifestou na nomenclatura. Ministério da Guerra virou Ministério da Defesa. Em instalações militares americanas lê-se a inscrição: "Our task is peace" (Nossa tarefa é a paz). Hoje um militar é uma espécie de terrorista fardado. Peguemos como exemplos duas guerras atuais as que ocorrem entre Israel e os palestinos da Faixa de Gaza e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Quando o exército israelense quer abater dirigentes do Hamas e eles se encontram reunidos dentro de um hospital ou uma escola. Israel bombardeia a escola ou o hospital sem se importar com as mortes de médicos, enfermeiras e doentes ou de professoras e alunos. O Hamas foi terrorista ao usar cidadãos como escudos e os militares israelenses foram igualmente terroristas ao abater cidadãos palestinos. O mesmo vale para a guerra da Ucrânia na qual cidadãos são usados como escudos e bombardeados como alvos militares. E o pior é que a intelligentsia militar assume essa barbaridade. O maior exemplo é a recusa dos americanos a pedir desculpas ao povo japonês por ter jogado bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Resta saber como se comportarão nossas Forças Armadas. Como instituição nacional que são, prevalecerá sua formação intelectual e moral de lealdade ao povo brasileiro? Ou sucumbirá diante do golpismo bolsonarista?

*Fernando Carvalho é historiador, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), autor de “Livro Negro do Açúcar

Um comentário:

  1. Jorge Carvalho24/12/22 17:57

    Meu palpite, Fernando, é que prevalecerá a lealdade ao povo brasileiro. Não há unanimidade entre os militares a seguir piamente o que prega Bolsonaro. Ainda bem!

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