quarta-feira, 6 de julho de 2022

Fernando Exman: A aposta de Bolsonaro para a eleição no campo

Valor Econômico

Governo acelerou entrega de títulos para fragilizar o MST

É recomendável acompanhar com atenção os possíveis efeitos das ações do governo Jair Bolsonaro direcionadas aos trabalhadores do campo. E sem preconceitos: o presidente tenta aos poucos, no discurso e na prática, reduzir o histórico antagonismo entre agronegócio e famílias assentadas.

Mas ainda é cedo para concluir se Bolsonaro colherá resultados políticos entre os pequenos produtores ligados aos movimentos sociais do campo. O segmento é tradicionalmente mais próximo dos partidos de esquerda. Assim como se sabe, desde a posse de Bolsonaro, que o agronegócio torce por sua reeleição.

Esta preferência é conhecida e não deve diminuir mesmo depois de o presidente escolher o general Walter Braga Netto para a vaga de vice, em detrimento da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina. Para os ruralistas, a deputada pelo PP do Mato Grosso do Sul pode ser muito mais útil no Senado ou retornando ao comando da pasta, em um eventual segundo mandato, do que ocupando um gabinete no anexo do Palácio do Planalto sem poder e vivendo sob a sombra da desconfiança do presidente.

Deve-se ter em conta a atual política de concessão de títulos de terras (provisórios e definitivos), a qual ganhou tração silenciosamente ao longo dos últimos anos. Ela abre, sim, um canal de diálogo de Bolsonaro com as famílias assentadas. Uma conexão até então considerada improvável, mas que se tornou uma das apostas do governo para a campanha à reeleição.

Excluindo uma recente reportagem do jornal “Folha de S. Paulo”, pouco se falou do assunto. E não é a primeira vez que se percebeu tarde demais o potencial eleitoral dos giros de Bolsonaro pelo Brasil. Isso ocorreu quando ele decidiu concorrer a presidente da República pela primeira vez.

Mas, é preciso reconhecer, vivia-se um outro contexto. O currículo do então deputado federal do baixo-clero gerava um sentimento ambíguo nas lideranças dos partidos pelos quais ele passou: com um público de direita cativo no Rio de Janeiro, Bolsonaro trazia para essas legendas votos e constrangimentos na mesma proporção.

Muitos consideram que foi em abril de 2015, durante a convenção nacional do PP, o momento em que o projeto nacional de Bolsonaro ganhou mais clareza.

Durante o evento, ele subiu à tribuna e pediu ao presidente da sigla que o deixasse sair do partido sem perder o mandato. “Foi um pedido verbal, mas oficial. A gente começa aí um processo de separação, que espero que seja amigável. Tenho um sonho para 2018 de disputar o cargo de senador ou presidente da República”, afirmou ao portal “G1” depois de discursar. “No partido onde estou, dificilmente serei candidato sequer para o Senado. O que sinto é que eles querem uma opção diferente para 2018.”

O destinatário da reivindicação era o senador Ciro Nogueira (PI), que, se tivesse batido o pé e rejeitado a demanda do então correligionário, teria criado problemas para Bolsonaro e, muito provavelmente, acabaria também alterando o seu próprio destino político. Hoje, Ciro Nogueira é o ministro da Casa Civil, poderosíssima pasta em qualquer governo. E integra a coordenação da campanha à do antigo colega de partido.

Outros sinais foram dados. Em novembro de 2016, Bolsonaro falou abertamente de seus planos ao prestar depoimento ao Conselho de Ética da Câmara - desta vez, como testemunha. O colegiado analisava o caso em que Jean Wyllys (Psol-RJ) foi acusado de quebrar o decoro por efetuar uma cusparada na face do adversário durante a sessão em que a Casa analisou o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Bolsonaro declarou que seria candidato a presidente em 2018 de qualquer forma: “Gostem ou não gostem”. Disse, também, que buscaria o voto do eleitorado cristão e daqueles que gostariam de ter armas em casa para defesa da família. O roteiro estava dado, mas foi um erro dar mais atenção ao discurso ao que Bolsonaro fazia dentro e fora das redes sociais.

Enquanto acumulava polêmicas no Congresso, começou a circular pelo país e reproduzir imagens dessas visitas nas redes sociais. Viajou muito, apoiando-se na estrutura de seu gabinete na Câmara, até que começou a subir nas pesquisas de intenção de voto.

Hoje, coleciona outros tipos de polêmicas. E novamente, agora em relação à concessão de títulos de terra, talvez a oposição também tenha percebido tarde demais a estratégia em curso.

Em 2019, foram entregues 31.469 títulos, contra 109.112 em 2020 e mais 137.359 no ano passado. Recentemente, o chefe do Executivo disse que no acumulado foram tituladas cerca de 360 mil terras no total. Muito mais do que o realizado em governos anteriores, de acordo com dados oficiais.

Um ex-governador, aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), diz acreditar que de fato a distribuição de títulos agrários possa melhorar a imagem de Bolsonaro no campo - mesmo que esta iniciativa esteja desacompanhada de outras políticas públicas direcionadas ao segmento. É inegável que ter a propriedade de terra muda a vida das famílias beneficiadas. Com a escritura dos lotes, pode-se ir atrás de financiamentos e fazer benfeitorias nas propriedades sem receio de perdê-las depois.

A estratégia do governo vai além. A ideia é, também, reduzir a influência de líderes locais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a ponto de minar a capacidade de mobilização da organização em âmbito nacional.

Bolsonaro tem dito que seu governo praticamente acabou com as ações do MST. No entanto, o Executivo trabalha com a informação de que existe o risco de aumento no número de invasões e ocupações até as eleições.

Lideranças da oposição rechaçam essa possibilidade, e ponderam que tal cenário só seria útil àqueles que querem justificar uma repressão violenta contra os movimentos sociais. Esta não é uma preocupação que parece se limitar ao meio político: no fim do mês passado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou a proibição de despejos e desocupações até o fim das eleições.

 

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