Folha de S. Paulo
No Senado, um solitário José Serra teve a
coragem de opor-se à PEC
Foi aprovada a PEC Kamikaze, que
deverá dar a Jair Bolsonaro os votos de que ele precisa para não ser derrotado
no primeiro turno e que faz regredir em três décadas as normas de
responsabilidade fiscal do país.
Que governos tentem gestos desesperados
para não perder eleições é da natureza do mundo. Que parlamentares da oposição
votem em massa a favor de uma medida que eles próprios veem como estelionato
eleitoral é uma anomalia.
No Senado, um solitário José
Serra teve a coragem de opor-se à PEC. Na Câmara, foram 469
votos a favor e 17 contrários (segundo turno). O único partido que orientou
seus deputados a votar contra o mostrengo foi o Novo. Os parlamentares
oposicionistas que apoiaram a PEC recorrem à retórica dos dilemas para
justificar sua posição. O pacote de medidas é ruim, dizem, mas é a forma de
ajudar a população mais pobre, que passa fome.
O problema com esse raciocínio é que ele é demonstravelmente falso. A minoria não conseguiu nem suprimir as piores exorbitâncias jurídicas da PEC, de onde se conclui que a aprovação estava garantida. Os mais pobres receberiam o dinheiro independentemente de como votasse a oposição. Ficar contra uma manobra demagógica tão escancarada resguardaria a dignidade do Parlamento e reduziria marginalmente o prejuízo institucional de implodir numa única votação todo o sistema de controle das contas públicas.
Os oposicionistas não fizeram isso porque,
num cálculo que não explicitam, eles próprios poderiam experimentar prejuízos
eleitorais se ficassem contra a PEC. Em psicologia, isso leva o nome de
percepção seletiva, que é a tendência de interpretar estímulos e informações de
modo que se coadunem com nossos interesses pessoais. É o mecanismo que está na
base do cinismo e da hipocrisia.
Paro um pouco antes de concluir que, com uma oposição dessas, o Brasil merece mesmo ser governado por Jair Bolsonaro e seus comparsas.
É,cada oposição tem o governo que merece.
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