domingo, 3 de julho de 2022

Janio de Freitas: Favorecer Bolsonaro com bilhões é ladroagem eleitoral

Folha de S. Paulo

Isso foi o que o Senado fez e é o que a Câmara está sendo ativada por seu presidente, Arthur Lira

Descaracterizar o texto constitucional para favorecer o candidato Jair Bolsonaro com o direito de gastar, nos 90 dias anteriores à eleição, dezenas ou centenas de bilhões a pretexto de benefícios sociais é, em sua escancarada imoralidade, ladroagem eleitoral. Foi o que o Senado fez.

É o que a Câmara está sendo ativada por seu presidente, Arthur Lira, para fazer nesta semana.

É injustificável e vergonhoso que a oposição, incluída a chamada esquerda, tenha votado e vote outra vez a favor desse golpe parlamentar-eleitoral, que cria até o perigoso estado de emergência. A alegação oposicionista, de que não poderia opor-se aos auxílios sociais infiltrados nessa mudança constitucional, é oportunista ou, em eventual sinceridade, obtusa. A mistura ardilosa e má-fé são explícitas.

O preço da cesta básica está maior do que o salário mínimo porque, entre suas causas, o aumento dos combustíveis foi logo repassado aos preços do transporte de carga. E R$ 1.000 de vale-caminhoneiro nada soluciona. O vale-gás proposto é engodo duplo.

Um botijão de 13 kg para a família por dois meses é ridículo e encobre a falta de verificação governamental da relação custo/lucro do botijão de gás para as distribuidoras.

Esses dois exemplos servem para outras verbas do pacote, como os R$ 200 a mais no Bolsa Família rebatizado e piorado com o abandono da condicionante ao número de filhos.

Há meses o governo vinha falando nos auxílios agora encaminhados e que então prescindiam de ataque à Constituição e ao Código Eleitoral.

Bastaria racionalizá-los e dar-lhes as verbas de gastos patifes e mesmo criminais, como o corrupto orçamento secreto.

A protelação transitou sob a vadiagem da oposição, há muito desinteressada de ações públicas e a histórica indiferença social da chamada mídia. Ao custo de piores dificuldades de vida para a maioria da população, Bolsonaro e Paulo Guedes empurraram o auxílio segundo a conveniência eleitoral. Auxílio Social que, a rigor, deve se chamar Auxílio a Bolsonaro.

Esse arrombamento dos cuidados eleitorais da Constituição e da legislação é infernal: ou Bolsonaro vence ou trava o governo do sucessor.

Com o também proposto "orçamento impositivo" que se junta ao orçamento secreto, obrigando o futuro governo a exaurir-se em gastos determinados por parlamentares ou com as obrigações financeiras que Bolsonaro crie nos três meses da campanha.

As carências sociais atingidas pela pandemia e, agora, pela guerra ucraniana agravaram-se mais no Brasil do que em grande parte do mundo. Mesmo em nossa vizinhança. Mas as necessidades pedem o encaminhamento de soluções, não paliativos espertos e efêmeros, que logo tornarão a pobreza mais pobre, a fome mais desesperante.

Com soluções, Bolsonaro, Paulo Guedes e os militares influentes não consumiram nem um minuto sequer. Mas a desgraça social não pode servir para ardis e êxito dos que a tornam sempre maior.

Bolsonarista ou oposicionista, quem votou no Senado e quem votar na Câmara pela emenda que derruba a proibição de gastos eleitoreiros nos 90 dias antes da eleição —fundamento das regras anticorrupção eleitoral—, não está dando um voto.

Está contribuindo para a permanência dos assediadores de mulheres, a já prometida liberação geral do porte de arma, as milícias, o desmatamento e as extrações ilegais da Amazônia, o garimpo e o contrabando, os cortes de verbas da saúde e da educação, a repressão à cultura, os privilégios a militares e policiais, o racismo e variadas fobias desumanas.

E o ódio às mulheres, esse sentimento —para dizer o mínimo, muito esquisito— que Bolsonaro representa tão bem na convicção de que gerar a filha foi, por ser mulher, uma fraquejada sua.

Tão amigos.

Aos que não pude levar agradecimentos diretos, vai aqui minha gratidão por suas delicadezas no meu indelicado nonagésimo ano. Com franqueza, foram comoventes.

2 comentários:

  1. Falou o decano da nossa imprensa.

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  2. Millôr reclamava porque o único povo do mundo que produzia "sábios" era o povo chinês. Ele não conheceu o Jânio de Freitas aos 90: um sábio brasileiro!

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