sábado, 2 de julho de 2022

João Gabriel de Lima: Um sonho de cidade feliz

O Estado de S. Paulo

Indianos, africanos, escandinavos. Brasileiros, ucranianos, cabo-verdianos. Todas as cores, sabores e gêneros. Quem vai a Lisboa não se impressiona apenas com a mistura de vários estilos arquitetônicos espalhada em colinas às margens do Rio Tejo. O que chama a atenção é a riqueza humana – que se traduz em vibração musical, cultural e gastronômica.

Lisboa conseguiu sua melhor classificação de sempre – o terceiro lugar – no ranking de qualidade de vida da revista britânica Monocle. A lista se destaca por ir além de índices como cobertura verde e números de segurança pública – quesitos em que, por acaso, Lisboa pontua bem. “Olhamos também para questões imateriais, o chamado ‘soft power’”, diz a jornalista portuguesa Carlota Rebelo, da Monocle, entrevistada no minipodcast da semana.

Rebelo trabalha há oito anos na Monocle, em áreas ligadas à cultura e ao urbanismo. Ela explica que ter uma praia perto da cidade e restaurantes abertos até tarde compõem o que ela chama de “soft power”. O principal, no entanto, é atrair gente criativa de várias culturas. “Somam-se também os portugueses jovens que haviam ido para outros lugares da Europa e, com a possibilidade de trabalhar remotamente, voltaram a Portugal”, diz Rebelo. “Com isso, novas ideias e novos negócios surgiram por toda Lisboa.”

Lisboa é também resultado de uma sucessão de políticas públicas bem-sucedidas em diversos níveis de governo. Os social-democratas fizeram o ajuste fiscal que deu equilíbrio às contas públicas. Os socialistas, que chegaram posteriormente ao poder, criaram políticas a favor da integração e contra a gentrificação.

Ainda há dificuldades burocráticas para quem opta por morar em terras lusitanas – mas, na contramão do nacionalismo tacanho que pipoca em várias nações europeias, Portugal é cada vez mais um país de imigrantes. Num evento comemorativo dos 200 anos da Independência do Brasil, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa saudou o contingente de mais de 200 mil brasileiros como o melhor efeito da interação histórica, frequentemente violenta, entre os dois países.

O Brasil é um país multicultural, mais até que Portugal, mas com imensa exclusão social. Como fazer com que nossa enorme riqueza humana se traduza em cidadania, prosperidade – e metrópoles vibrantes e criativas? Dezenas de políticos e juristas brasileiros estiveram em Lisboa nas duas últimas semanas, participando da temporada de simpósios e debates de verão. Que voltem com ideias concretas para o Brasil. Lisboa pode ser uma inspiração para nós – e não apenas um sonho feliz de cidade.

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