Folha de S. Paulo
Os tempos mudaram, e a autoridade
automática que vinha do controle da informação não vai mais voltar
Participei, no domingo, de um debate sobre
o tema da liberdade de
expressão, tema do livro recém-lançado de Gustavo Maultasch,
"Contra Toda Censura" (Faro Editorial, 2022).
Entre algumas divergências, os quatro
participantes bateram num ponto comum: as redes
sociais deram a todos o poder de comunicação que antes era de
poucos. Foi uma inovação democratizante, ao contrário da invenção de cinema,
rádio e TV no século 20, que aumentaram a capacidade de difusão das informações
ao mesmo tempo em que a concentrou em alguns polos emissores.
Mas há um paralelo muito instrutivo com uma
inovação tecnológica anterior: a invenção da imprensa
mecânica por Gutenberg em meados do século 15, que também
difundiu o que antes era acessível a poucos: a impressão de livros e panfletos
em larga escala. Antes dela, fazer uma cópia de um livro era caro e demorado.
Poucas instituições tinham acesso a copistas (monges ou seculares) em larga
escala: basicamente a Igreja Católica e os maiores Estados nacionais. Eles eram
"o sistema".
Inicialmente, a igreja viu a inovação com bons olhos. Um dos itens mais
demandados aos primeiros impressores eram as indulgências, cujo mercado só
crescia. Logo, contudo, as autoridades eclesiásticas se deram conta de que
tinham perdido o poder sobre a informação. E daí o sentimento mudou.
"Heresias" começaram a pipocar por todos os cantos, e não é à toa que
a mais bem-sucedida foi justamente aquela que soube colocar o livro -objeto
antes caro e agora popularizado- em seu centro: o protestantismo.
O resultado foram séculos de guerras sangrentas até que a Europa conseguisse
aceitar a liberdade religiosa. Seria um erro pintar um lado como o mocinho e
outro como o bandido, mas uma lição é clara: a reação da Igreja Católica foi,
de maneira geral, muito ruim. Em reação ao novo, ela se fechou, se centralizou
e se tornou mais repressiva.
Houve diversas traduções da Bíblia feitas para línguas vernáculas antes da
Reforma com relativa liberdade. Depois dela, a igreja passou a restringi-las e
mesmo a combatê-las. Fortaleceu-se, no meio católico, a doutrina curiosa de que
a leitura direta da Bíblia é danosa para a alma do fiel, a não ser que guiada
de perto pela autoridade.
Foi depois da imprensa mecânica que a igreja criou o Index Librorum
Prohibitorum, o índice de livros proibidos, um monumento à ignorância.
A inquisição
se tornou mais violenta e totalitária e a atitude da
instituição passou a ser -é claro, com exceções- reativa e desconfiada de tudo
que vinha de fora, olhando sempre para o passado e buscando manter os fiéis
como um rebanho passivo. Em alguns séculos, o diferencial de alfabetização
entre países protestantes e católicos era enorme. A atitude da igreja só mudou
de verdade em meados do século 20.
Vivemos numa situação similar. Um sistema perde poder. Estados, universidades,
escolas e institutos de pesquisa científica; empresas de jornalismo
profissional e seus canais de divulgação. Inicialmente, viram a internet com
otimismo ingênuo. Agora se voltam contra ela como a uma terrível ameaça.
A imprensa mecânica, em seu tempo, além da
nova divisão religiosa, permitiu a revolução científica, assim como o
florescimento da superstição, da magia e da caça às bruxas. Quem só olhou para
os abusos e excessos perdeu de vista o enorme progresso cultural e intelectual.
Os tempos mudaram, e a autoridade automática que vinha do controle da
informação não vai mais voltar. Não adianta tentar travar o progresso.
Universidades, escolas e institutos de pesquisa científica não se voltam contra a internet, até porque também a usam intensamente! Porém, é natural que tenham uma postura crítica, diante dos problemas que ela também traz, já que nem tudo são flores na internet... O colunista é favorável a que estas instituições ignorem os problemas trazidos pela internet?
ResponderExcluirApesar desta discordância, parabenizo o colunista pela excelente análise!
Os vídeos criminosos e fak news precisam ser criminalizados sim.
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