Correio Braziliense
A três meses das eleições, a PEC tem por
objetivo garantir a recondução do presidente Jair Bolsonaro, com medidas de
caráter populista, que não poderiam ser aprovadas a menos de 100 dias das
eleições.
Para o historiador Niall Ferguson, autor de
Civilização, Ocidente versus Oriente (Editora Crítica), a chave do sucesso do
modelo anglo-americano de sociedade está sintetizada num discurso de Winston
Churchill, de 1938, no qual ele disse que a diferença entre Ocidente e Oriente
estava baseada na opinião dos civis. “Significa que a violência, o governo de
guerreiros e líderes despóticos, as situações de campo de concentração e
guerra, de baderna e tirania, dão lugar a parlamentos, onde são criadas as
leis, e a cortes de Justiça independente, onde essas leis são mantidas por
longos períodos.”
“Isso é Civilização — e em seu solo crescem
continuamente a liberdade, o conforto e a cultura”, complementou, para
arrematar: “Quando a civilização reina em um país, uma vida mais ampla e menos
penosa é concedida às massas. As tradições do passado são valorizadas e a
herança deixada a nós por homens sábios e valentes se torna um estado rico a
ser desfrutado e usado por todos. O princípio central da Civilização é a
subordinação da classe dominante aos costumes do povo e à sua vontade, tal como
expresso na Constituição (…)”.
São considerações de ordem conservadora e inspiradas no esplendor do Império Britânico, de parte de um político aristocrático que já assistira ao colapso do colonialismo, a partir da I Guerra Mundial, e estava diante do ameaçador domínio continental da Alemanha nazista. Ferguson cita o primeiro-ministro britânico que confrontou Hitler no capítulo de seu livro que trata da questão da propriedade. O historiador busca uma explicação para o fato de que a visão de Churchill não criou as mesmas raízes ao sul do Rio Grande, ou seja, na América Ibérica, uma história que começa com dois navios: um em 1532, com 200 guerreiros que desembarcaram ao norte do Equador para conquistar o Império Inca; e outro, 138 anos depois, numa ilha da Carolina do Sul, desembarcando servos por contratos em busca de um mundo melhor a partir do próprio trabalho.
Hoje, a civilização anglo-americana,
hegemônica no Ocidente, está sendo reafirmada na Guerra da Ucrânia, na qual os
Estados Unidos e a Inglaterra, aliados ao primeiro ministro Volodymir Zelensky,
por meio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mesmo estando
fora da União Europeia, dão as cartas no Velho Continente. Desbancam a Alemanha
e a França, encurralam a Rússia contra os Urais e constroem novos obstáculos à
Nova Rota da Seda da China. No seu livro, otimista, para Ferguson, o Brasil
seria o país da América Latina que mais estaria reduzindo sua distância em
relação aos padrões anglo-americanos. Será?
Enquanto o Chile acaba de concluir uma nova
Constituição, que vai substituir aquela que o país herdou do ditador Augusto
Pinochet, mas ainda precisa ser referenciada por um plebiscito, o Congresso
brasileiro escala uma bagunça institucional. Uma emenda à Constituição já
aprovada pelo Senado, o nosso templo da conciliação, com um único voto
contrário, do senador José Serra (PSDB-SP), agora engorda os seus jabutis na
Câmara, que serão embarcados na legislação tributária, no pacto federativo, na
política de preços da Petrobras, e implodirão o equilíbrio fiscal, a
estabilidade da moeda e a paridade de armas da legislação eleitoral.
PEC da eleição
O relator na Câmara da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC), que concede uma série de benefícios sociais em ano
eleitoral, deputado Danilo Fortes(União-CE), manterá o texto aprovado no Senado,
com o propósito de agilizar sua aprovação. A três meses das eleições, a PEC tem
por objetivo garantir a recondução do presidente Jair Bolsonaro, com medidas de
caráter populista, que não poderiam ser aprovadas a menos de 100 dias das
eleições. Para isso, porém, deve recorrer à legislação do estado de emergência,
a pretextos da guerra da Ucrânia, a nova desculpa para os fracassos
governamentais.
Sim, talvez a eleição presidencial esteja
sendo decidida nesta semana, com as seguintes medidas: ampliação do Auxílio
Brasil de R$ 400 para R$ 600 mensais, com inclusão de mais 1,6 milhão de novas
famílias no programa (R$ 26 bilhões); a criação de um voucher de R$ 1 mil para
caminhoneiros (R$ 5,4 bilhões); ampliação do vale-gás de R$ 53 para R$ 112,60
(R$ 1,05 bilhão); compensação aos estados para transporte público de idosos (R$
2,5 bilhões); benefícios para taxistas (R$ 2 bilhões); repasse de R$ 500
milhões ao programa Alimenta Brasil, para compra de alimentos produzidos por
agricultores familiares e distribuição a famílias em insegurança alimentar; e
repasse de até R$ 3,8 bilhões, por meio de créditos tributários, para a
manutenção da competitividade dos produtores do etanol sobre a gasolina.
Há um estranho e perverso pacto entre
Bolsonaro, o Centrão e a oposição. O Congresso contrapõe aos arroubos
autoritários do presidente da República um regime de partidocracia,
institucionalmente macabro, que obstrui a renovação política. No curto prazo,
será grande estelionato eleitoral: as medidas vigorarão até 31 de dezembro.
Depois, quem for o eleito, decidirá como pôr a economia de volta aos trilhos da
responsabilidade fiscal e do crescimento sustentável.
Para o Palácio do Planalto e seus aliados
governistas, a reeleição de Bolsonaro depende do sucesso dessas medidas. Favorito
nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aposta no seu
fracasso, mas as apoia. Teme repetir o erro do Plano Real, contra o qual se
opôs no governo Itamar Franco, em 1994, enquanto Fernando Henrique Cardoso
pavimentava seu acesso ao Palácio do Planalto com a nova moeda. No longo prazo,
o retrocesso da nossa ordem econômica será uma tragédia anunciada. A
estabilidade institucional das economias é uma das chaves do desenvolvimento e
do processo civilizatório no mundo globalizado.
O plano real é bem diferente dessa patacoada de ''estado de emergência''.
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