Folha de S. Paulo
Valores das emendas superam os dos 'anões
do Orçamento'
Em 10
de setembro de 2021, neste espaço, alertei que manter emendas de relator no
Orçamento abriria espaço para novos casos de corrupção, como no famoso
"escândalo dos anões do orçamento".
Em 1993 se descobriu que parlamentares que
comandavam a Comissão de Orçamento faziam emendas em favor de entidades de
assistência social criadas por eles mesmos, e embolsavam o dinheiro. Além
disso, apresentavam emendas para obras superfaturadas, recebendo propina de
empreiteiras.
Atualmente, não param de surgir evidências
de corrupção no uso de emendas de
relator: kit de robótica para escolas que não têm água ou banheiro, caminhões
de lixo enormes para cidades pequenas, asfalto que desmancha em dias de sol. Há
indícios também nas emendas individuais, como na contratação de shows com
cachês milionários.
A princípio, esses poderiam ser considerados casos isolados. Se fosse assim, não seria justo comparar as emendas atuais com a máquina de corrupção que operava nos anos 1990.
Contudo, reportagem de Breno Pires, na
Revista Piauí, mostra que o grau
de corrupção atual pode ser amplo. Prefeitos estão fraudando os
registros do SUS para incluir milhares de procedimentos médicos não realizados.
Isso aumenta o montante que eles podem receber em emendas, visto que o limite é
dado pelo número de procedimentos feitos em anos anteriores.
A partir daí, o dinheiro enche o caixa das
prefeituras, e existem evidências de que uma parte volta para o bolso do autor
da emenda. O Ministério da Saúde não audita, aceita números totalmente descolados
da realidade, o que incentiva a multiplicação da prática. É um esquema similar
ao das falsas entidades de assistência social criadas pelos "anões".
O espaço para estrago é grande, pois as
emendas parlamentares atuais têm valores muito maiores que as dos
"anões". O relatório da CPI que, à época, apurou aquele escândalo,
traz números que permitem a comparação. Nele se lê que "para que se
aquilate a importância da emenda de relator, [...] [elas] deram destinação a
1,09 bilhões de cruzeiros, de um total de 3,6 bilhões do Ministério da Ação
Social, ou seja, nada menos que 30,2% do total das verbas" (Vol. 3,
p.3-4). Esses 30% são pouco frente aos 40% que as emendas de relator
representam hoje do gasto de custeio e investimento do Ministério do Desenvolvimento
Regional, locus das emendas atuais. Somando as demais emendas,
chega-se a 53%.
No indiciamento dos parlamentares, o
relatório da CPI também traz valores pequenos em relação aos atuais. No esquema
relacionado à assistência social, um deputado fez emendas na "respeitável
marca de US$ 860 mil" (Vol. 4, p. 54). Isso representa atualmente não mais
que R$ 6,5 milhões. Valor muito baixo em comparação com as atuais emendas de
relator que, se distribuídas igualmente
a todos os parlamentares, dariam R$ 28 milhões per capita. Também menor que os
R$ 18 milhões por parlamentar vindo das emendas individuais.
Em outro caso, uma deputada perdeu o
mandato por emendas desviadas equivalentes a R$ 500 mil por ano (Vol. 4, p.
44): uma gorjeta para os padrões atuais. Um deputado da cúpula da Comissão de
Orçamento, que conseguia emendas maiores, aprovou R$ 28 milhões/ano (Vol. 4, p.
31). Atualmente isso é apenas um valor mediano.
Nas emendas a favor de empreiteiras, os
valores eram mais altos e acessíveis a poucos: dois deputados emplacaram,
respectivamente, por ano, R$ 160 milhões (Vol. 4, p. 73) e R$ 85 milhões (Vol.
4, p. 15). Esses montantes perdem longe para os R$ 460 milhões do atual campeão
de emendas. Pelo menos 7 parlamentares da atual legislatura fizeram mais de R$
100 milhões em emendas em 2021 (O Estado de São Paulo, 9/7/22, p. A10).
Frente aos números atuais, os
"anões" encolheram. Não temos, ainda, evidências de corrupção
generalizada. Mas, a cada dia, os casos que surgem são mais amplos e similares
aos do passado. As condições são propícias: dinheiro em grande monta, órgãos de
controle inertes, líderes do Congresso onipotentes, baixa transparência e
descaso na apuração dos desvios já identificados. Vamos esperar o novo
escândalo ou vamos agir antes?
*Pesquisador associado do Insper. É organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'
Os anões cresceram e apareceram.
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