sábado, 16 de julho de 2022

Marcos Mendes* - Encolheram os anões

Folha de S. Paulo

Valores das emendas superam os dos 'anões do Orçamento'

Em 10 de setembro de 2021, neste espaço, alertei que manter emendas de relator no Orçamento abriria espaço para novos casos de corrupção, como no famoso "escândalo dos anões do orçamento".

Em 1993 se descobriu que parlamentares que comandavam a Comissão de Orçamento faziam emendas em favor de entidades de assistência social criadas por eles mesmos, e embolsavam o dinheiro. Além disso, apresentavam emendas para obras superfaturadas, recebendo propina de empreiteiras.

Atualmente, não param de surgir evidências de corrupção no uso de emendas de relator: kit de robótica para escolas que não têm água ou banheiro, caminhões de lixo enormes para cidades pequenas, asfalto que desmancha em dias de sol. Há indícios também nas emendas individuais, como na contratação de shows com cachês milionários.

A princípio, esses poderiam ser considerados casos isolados. Se fosse assim, não seria justo comparar as emendas atuais com a máquina de corrupção que operava nos anos 1990.

Contudo, reportagem de Breno Pires, na Revista Piauí, mostra que o grau de corrupção atual pode ser amplo. Prefeitos estão fraudando os registros do SUS para incluir milhares de procedimentos médicos não realizados. Isso aumenta o montante que eles podem receber em emendas, visto que o limite é dado pelo número de procedimentos feitos em anos anteriores.

A partir daí, o dinheiro enche o caixa das prefeituras, e existem evidências de que uma parte volta para o bolso do autor da emenda. O Ministério da Saúde não audita, aceita números totalmente descolados da realidade, o que incentiva a multiplicação da prática. É um esquema similar ao das falsas entidades de assistência social criadas pelos "anões".

O espaço para estrago é grande, pois as emendas parlamentares atuais têm valores muito maiores que as dos "anões". O relatório da CPI que, à época, apurou aquele escândalo, traz números que permitem a comparação. Nele se lê que "para que se aquilate a importância da emenda de relator, [...] [elas] deram destinação a 1,09 bilhões de cruzeiros, de um total de 3,6 bilhões do Ministério da Ação Social, ou seja, nada menos que 30,2% do total das verbas" (Vol. 3, p.3-4). Esses 30% são pouco frente aos 40% que as emendas de relator representam hoje do gasto de custeio e investimento do Ministério do Desenvolvimento Regional, locus das emendas atuais. Somando as demais emendas, chega-se a 53%.

No indiciamento dos parlamentares, o relatório da CPI também traz valores pequenos em relação aos atuais. No esquema relacionado à assistência social, um deputado fez emendas na "respeitável marca de US$ 860 mil" (Vol. 4, p. 54). Isso representa atualmente não mais que R$ 6,5 milhões. Valor muito baixo em comparação com as atuais emendas de relator que, se distribuídas igualmente a todos os parlamentares, dariam R$ 28 milhões per capita. Também menor que os R$ 18 milhões por parlamentar vindo das emendas individuais.

Em outro caso, uma deputada perdeu o mandato por emendas desviadas equivalentes a R$ 500 mil por ano (Vol. 4, p. 44): uma gorjeta para os padrões atuais. Um deputado da cúpula da Comissão de Orçamento, que conseguia emendas maiores, aprovou R$ 28 milhões/ano (Vol. 4, p. 31). Atualmente isso é apenas um valor mediano.

Nas emendas a favor de empreiteiras, os valores eram mais altos e acessíveis a poucos: dois deputados emplacaram, respectivamente, por ano, R$ 160 milhões (Vol. 4, p. 73) e R$ 85 milhões (Vol. 4, p. 15). Esses montantes perdem longe para os R$ 460 milhões do atual campeão de emendas. Pelo menos 7 parlamentares da atual legislatura fizeram mais de R$ 100 milhões em emendas em 2021 (O Estado de São Paulo, 9/7/22, p. A10).

Frente aos números atuais, os "anões" encolheram. Não temos, ainda, evidências de corrupção generalizada. Mas, a cada dia, os casos que surgem são mais amplos e similares aos do passado. As condições são propícias: dinheiro em grande monta, órgãos de controle inertes, líderes do Congresso onipotentes, baixa transparência e descaso na apuração dos desvios já identificados. Vamos esperar o novo escândalo ou vamos agir antes?

*Pesquisador associado do Insper. É organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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